sexta-feira, 18 de maio de 2007

Redes de Guerra

(...)

O Advento da Rede de Guerra

Para Arquilla e Ronfeldt a luta pelo futuro que faz o cotidiano de nossas manchetes não está sendo travada por exércitos liderados por Estados ou sendo conduzida por imensas e milionárias armas feitas para os tanques, aviões ou esquadras. Elas se desenvolvem através de grupos que operam em unidades pequenas e dispersas, podendo se desdobrar repentinamente em qualquer lugar ou tempo como uma incontrolável infecção por afluência popular (swarming).

Eles sabem como enxamear e dispersar, penetrar e romper ou iludir e fugir. Os combatentes podem pertencer a redes de terroristas como a Al Qaeda, redes de traficantes como Cali, redes de militantes anarquistas como o Black Bloc, redes de luta política como o Zapatismo ou redes de ativistas da sociedade civil global como o DAN (Direct Action Network).

Para compreender este modo emergente de luta e conflito, surgido na sociedade contemporânea a partir da revolução tecnológica que construiu a infra-estrutura do ciberespaço, Arquilla e Ronfeldt criaram em 1993 — mesmo ano do surgimento do conceito de comunidade virtual — o conceito de guerra em rede (netwar), como o oposto correlato do conceito de ciberguerra (cyberwar), também por eles gerado na mesma ocasião, ambos constituindo a maior parte do campo da infoguerra (infowar) no mundo atual.

Enquanto a ciberguerra compreenderia a luta de alta intensidade conduzida através de alta tecnologia militar travada por dois Estados (como, por exemplo, a Guerra do Golfo), a guerra em rede seria a luta de baixa intensidade travada de modo assimétrico por um Estado e grupos organizados em rede através do uso de táticas e estratégias que envolvem o intenso uso das novas tecnologias informacionais de comunicação, da CMC e da Internet.

A guerra em rede é a contraparte de baixa intensidade no nível social de nosso conceito de ciberguerra, mais antigo e muito mais militarizado. A guerra em rede tem uma dupla natureza, como o deus romano de duas faces Janus, a qual é composta, por um lado, de conflitos travados por terroristas, criminosos e etnonacionalistas extremistas; e, por outro lado, por ativistas da sociedade civil.

O que distingue a guerra em rede como uma forma de conflito é a estrutura organizacional em forma de rede de seus adeptos — com vários grupos estando atualmente estruturados no modo sem líder (leaderless) — e a sua ultra flexível habilidade de chegar rapidamente juntos em ataques de infecção por afluência popular (swarming attacks). Os conceitos de ciberguerra e de guerra em rede abrangem um novo espectro de conflito que emergiu na esteira da revolução da informação.

No que diz respeito à conduta, para Arquilla e Ronfeldt a guerra em rede se refere a conflitos onde um combatente está organizado em forma de rede ou as emprega para as comunicações e o controle operacional.

Conforme o método desenvolvido para a análise de rede social, a rede é um grupo (rede) formado por atores (nós) e seus vínculos (ligações) cujo relacionamento tem uma estrutura padronizada. Embora o modo organizacional que o ator da rede de guerra adote possa ter a forma topológica de estrela ou eixo (hub) - topologia de rede em que os membros são vinculados a um nó central e devem passar por ele para se comunicar uns com os outros - com alguns elementos centralizados; ou a de cadeia que é linear - topologia de rede em que os membros são vinculados em uma fila e a comunicação deve fluir através de um ator adjacente antes de chegar ao próximo -; o principal design adotado será o de rede completamente conectada, também conhecida como rede "todos os canais" (all-channel) ou matriz completa (full-matrix), uma arquitetura que permite a comunicação e a interação de cada nó da rede diretamente com qualquer outro nó.

De fato os atores da rede de guerra vão desenvolver estruturas híbridas, incorporando as diversas formas de rede dos modos mais variados, tendo por base a estrutura "todos os canais". Mas, segundo Arquilla e Ronfeldt, o principal instrumento que deve ser usado para compreender uma rede é o de sua análise organizacional, pois enquanto para o analista social de redes basta determinar os grupos de atores com vínculos para sua compreensão, a análise organizacional ainda irá se perguntar se os atores se reconhecem como participantes da rede e se eles se comprometem com as suas operações.

Embora os atores de uma rede de guerra possam fazer um intenso uso do ciberespaço, esta não é sua principal característica e eles podem subsistir e operar em áreas para além dele. Sendo um conflito de tipo não linear, a guerra em rede requer um novo paradigma analítico para ser entendida. O jogo oriental Go provê o novo modelo desta luta que não tem frentes de batalha, onde a defesa e o ataque se misturam, a formação de fortificações e acumulação de peças são um sedutor convite para ataques implosivos e a vitória é conquistada através do ganho de controle na maior quantidade do espaço de combate.
(...)

Micropolítica da Multidão

Examinemos, para uma diferenciação mais acurada, as análises convergentes do Departamento de Defesa norte-americano, através de Arquilla e Ronfeldt (2001, 2001 editores,1997, 1996), e do economista, e ativista do movimento Zapatista, Harry Cleaver (1999, 1998, 1995,1994) sobre o zapatismo.

Eles mostram de modo inequívoco como diferentes movimentos — o do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), o das comunidades indígenas de Chiapas e o de diversas Organizações Não-Governamentais (ONGs) mexicanas e internacionais — reuniram-se para montar a rede de guerra Zapatista.

O movimento EZLN, quando emergiu com seu manifesto contra o NAFTA, era um grupo formado por pessoas oriundas da classe média educada mexicana, com pouca ou nenhuma ascendência indígena. Seu objetivo era criar um exército de guerrilha, infiltrando-se na região de Chiapas — rica em urânio, madeira e petróleo — onde viviam diversas comunidades indígenas. Eles pretendiam sustentar uma estratégia bem tradicional de luta armada, conhecida no meio militar como "guerra da pulga", consistindo em manter a iniciativa através de ataques surpresa em pequenas unidades.

Em meio a desastrosos resultados militares, surgidos de problemas organizacionais e táticos durante as primeiras semanas de luta (que quase levaram o EZLN à extinção), eles buscavam o apoio das ONGs e outros membros da sociedade civil global e o apoio das comunidades indígenas. Os ativistas das ONGs, por seu lado, estavam interessadas em estimular uma forma de democracia no México na qual os atores da sociedade civil fossem fortes o bastante para contrabalançar o poder dos atores do estado e do mercado, ganhando um lugar de destaque nas tomadas de decisão da política pública que afetassem a sociedade civil. Seus ativistas, porém, não estavam nem um pouco interessados em conquistar o governo e tampouco queriam ajudar que algum grupo viesse a conquistá-lo.

Como resultado destas conversações o EZLN abandonou a conquista do governo mexicano como o principal objetivo de sua luta, retirando-o de seu discurso. Nele, a partir de então, os direitos das populações indígenas, o reconhecimento da participação da mulher e dos seus direitos na sociedade, a proteção ambiental, a luta pelos direitos humanos e pelos direitos dos trabalhadores subiram para o primeiro plano.

Encorajados a vir para o México por Marcos e outros membros do EZLN, as ONGs já contatadas convidaram outras ONGs a se juntar a sua mobilização gerando um efeito em cadeia de grandes proporções. Um dinâmico movimento de afluência da multidão cresceu pondo o governo mexicano e seu exército na defensiva paralisando sua investida militar.

Uma coalizão de ONGs — misturando ONGs temáticas (direitos humanos, direitos indígenas, proteção do meio ambiente, etc) locais e globais com a APC (uma ONG que provê infra estrutura e meios técnicos para a construção de redes comunicacionais eletrônicas) — formou-se e 4 congressos foram realizados em Chiapas, reunindo-as com o EZLN e as comunidades indígenas, fazendo emergir uma agenda comum de reivindicações e ações. O que havia começado como uma tradicional insurgência guerrilheira havia se transformado em uma rede de guerra social pertencente a era da informação.

O processo de construção da aliança criou uma nova forma de organização — uma multiplicidade de grupos autônomos rizomaticamente conectados —, conectando várias espécies de lutas, através da América do Norte, que estavam anteriormente desconectadas e separadas.

Tanto Arquilla e Ronfeldt, quanto Cleaver, querem ver no EZLN o principal ator da coalizão e apontam Marcos como um excelente porta-voz do Movimento Zapatista mais do que um líder. Para o pensamento do Departamento de Defesa norte-americano, Marcos faria parte de uma sofisticada tentativa do EZLN de quebrar seu isolamento político, permitindo-lhe combinar as suas pequenas unidades de ataque com as mobilizações nacionais e os apelos internacionais. Entretanto o EZLN não tem seus próprios laptops, conexão com a Internet, máquinas de fax e telefones celulares que estão com as ONGs mexicanas e internacionais.

Mas Cleaver mostra como o apoio e a divulgação do Movimento Zapatista se estruturou em torno de uma rede de trabalho voluntário ativista coordenada através da Internet de forma descentralizada composta por digitadores, tradutores, webdesigners, escritores, organizadores de listas de discussão e administradores de sítio.

Stefan Wray, por sua vez, expõe como os hackers, depois do massacre de índios em Chiapas em fins de 1997, conceberam um modo de fazer da Internet um lugar para a ação direta não-violenta e a desobediência civil inventando o bloqueio virtual e o sit in virtual.

Em 1998 o grupo Teatro Eletrônico de Distúrbios (Electronic Disturbance Theatre - EDT) cria o inundanet (floodnet) — uma aplicação em Java para os navegadores (browsers) que repetidamente envia pedidos de recarregar para um sítio da Internet — concebido como um modo de convocar uma manifestação virtual onde uma multidão podia tentar paralisar ou derrubar um alvo usando esta aplicação (o projeto chamava-se significativamente SWARM, que significa enxame).

O software foi chamado de Zapatista inundanet (floodnet) e inaugurou o casamento dos hackers com o ativismo político, mais tarde chamado de hacktivismo.
(...)

Texto completo em:
http://leonildoc.orgfree.com/rede.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário