segunda-feira, 29 de maio de 2006

Cruspianos fazem bonito na USP Leste

Por Jorge Alberto S. Machado*(Texto extraído do informativo Isto É Coseas, Ano VII, n.o 26, abril de 2005, pág. 2)

O ingresso de cerca de dez ex-moradores do CRUSP no corpo docente da USP Leste, por meio de um dos concursos mais disputados da história da USP - e menos contestado na justiça, denota não apenas o mérito dos mesmos, como o êxito da assistência estudantil. Num processo de seleção que envolveu 807 inscritos, oriundos de todo o país, os ex-cruspianos ficaram com cerca de 15% das 59 vagas preenchidas. Entre os uspianos aprovados, calculo que esse índice chegue aos 35%. Isso é surpreendente, pois sabemos que os moradores do CRUSP não são nem 2,5% dos estudantes de toda a USP.

Esses números colocam em evidência que o apoio a estes estudantes foi um ótimo investimento para a universidade, pois propiciou que indivíduos provenientes de famílias de baixo poder aquisitivo e até de situações de risco, pudessem ter o suporte necessário para uma formação científica e cultural sólida e de destaque. Esse resultado denota a importância de uma política de ação afirmativa que visa apoiar os estudantes provenientes das camadas mais baixas da sociedade.Muitas vezes, o CRUSP é visto como "problema" para a USP, desperdício de recursos públicos ou mesmo "privilégio".

Ademais, não raro os moradores do CRUSP são tratados com preconceito pelos demais estudantes, professores e até por membros da direção da universidade, tachados de "acomodados" ou "vagabundos". Essa visão revela um grande equívoco. Além das notas altas obtidas pelos moradores do CRUSP, estes sempre demonstraram uma enorme disposição e dedicação às atividades de pesquisa e extensão realizadas na universidade. Na minha opinião, o resultado do concurso se explica, em grande parte, por isso.

A meu ver, há que destacar que o CRUSP possibilita uma singular oportunidade de socialização e vivência num meio bastante diversificado, propício ao intercâmbio cultural e intelectual. Esse rico ambiente proporciona ao estudante meios para desenvolver outras habilidades que não são facilmente passadas em salas de aula, tais como: conhecimento crítico e preocupação com a realidade social, solidariedade, capacidade de trabalho em equipes diversificadas e grande autonomia pessoal. Todas estas características são fundamentais ao profissional e ao cidadão que a universidade requer e a sociedade necessita.

Não tenho dúvida de que minha experiência no CRUSP foi fundamental para a minha formação humana e profissional. Seguramente, ela me acompanhará e influenciará a minha contribuição para construir uma universidade democrática voltada não apenas para a formação e a pesquisa, mas definitivamente preocupada com os interesses sociais do país.


* Jorge Alberto S. Machado (Ex-morador do CRUSP e ex-diretor da AMORCRUSP- Associação dos Moradores do CRUSP - Professor do Curso de Gestão de Políticas Públicas - USP-Leste)
Cruspianos fazem bonito na USP Leste

Por Jorge Alberto S. Machado*(Texto extraído do informativo Isto É Coseas, Ano VII, n.o 26, abril de 2005, pág. 2)

O ingresso de cerca de dez ex-moradores do CRUSP no corpo docente da USP Leste, por meio de um dos concursos mais disputados da história da USP - e menos contestado na justiça, denota não apenas o mérito dos mesmos, como o êxito da assistência estudantil. Num processo de seleção que envolveu 807 inscritos, oriundos de todo o país, os ex-cruspianos ficaram com cerca de 15% das 59 vagas preenchidas. Entre os uspianos aprovados, calculo que esse índice chegue aos 35%. Isso é surpreendente, pois sabemos que os moradores do CRUSP não são nem 2,5% dos estudantes de toda a USP.

Esses números colocam em evidência que o apoio a estes estudantes foi um ótimo investimento para a universidade, pois propiciou que indivíduos provenientes de famílias de baixo poder aquisitivo e até de situações de risco, pudessem ter o suporte necessário para uma formação científica e cultural sólida e de destaque. Esse resultado denota a importância de uma política de ação afirmativa que visa apoiar os estudantes provenientes das camadas mais baixas da sociedade.Muitas vezes, o CRUSP é visto como "problema" para a USP, desperdício de recursos públicos ou mesmo "privilégio".

Ademais, não raro os moradores do CRUSP são tratados com preconceito pelos demais estudantes, professores e até por membros da direção da universidade, tachados de "acomodados" ou "vagabundos". Essa visão revela um grande equívoco. Além das notas altas obtidas pelos moradores do CRUSP, estes sempre demonstraram uma enorme disposição e dedicação às atividades de pesquisa e extensão realizadas na universidade. Na minha opinião, o resultado do concurso se explica, em grande parte, por isso.

A meu ver, há que destacar que o CRUSP possibilita uma singular oportunidade de socialização e vivência num meio bastante diversificado, propício ao intercâmbio cultural e intelectual. Esse rico ambiente proporciona ao estudante meios para desenvolver outras habilidades que não são facilmente passadas em salas de aula, tais como: conhecimento crítico e preocupação com a realidade social, solidariedade, capacidade de trabalho em equipes diversificadas e grande autonomia pessoal. Todas estas características são fundamentais ao profissional e ao cidadão que a universidade requer e a sociedade necessita.

Não tenho dúvida de que minha experiência no CRUSP foi fundamental para a minha formação humana e profissional. Seguramente, ela me acompanhará e influenciará a minha contribuição para construir uma universidade democrática voltada não apenas para a formação e a pesquisa, mas definitivamente preocupada com os interesses sociais do país.


* Jorge Alberto S. Machado (Ex-morador do CRUSP e ex-diretor da AMORCRUSP- Associação dos Moradores do CRUSP - Professor do Curso de Gestão de Políticas Públicas - USP-Leste)

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Claro Enigma

Entrevista do Professor Sérgio Adorno

à Folha de São PAulo - 21/05/2006

Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que a universidade tem poucos dados para interpretar o fenômeno do crime organizado em São Paulo e também foi surpreendida pelos ataques.

Há anos dedicado ao estudo da violência, o professor Sérgio Adorno lembra bem de uma época em que podia entrar nas prisões para fazer pesquisa. "Há dez ou quinze anos, era inimaginável que um professor de uma universidade pudesse ser seqüestrado ou atacado.” Hoje, sabe que, se voltar a freqüentar o sistema carcerário, pode virar uma moeda de troca valiosa na mão de uma facção criminosa como o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Apesar de saber da capacidade de mobilização que o grupo tem no Estado, o coordenador do Núcleo de Estudos da violência e professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, ambos da Universidade de São Paulo, disse que se surpreendeu com a onda de violência provocada pela facção na semana passada. “A capacidade de se organizar para fora das grades, de coordenar um processo de queima de ônibus e ataque a prédios e bancos e de desorganizar a vida na cidade para mim foi urna grande surpresa.” Na semana passada, Morno atrasou seus compromissos acadêmicos para atender à enxurrada de telefonemas de pes soas que o procuraram para que tentasse explicar o que aconteceu.

Abaixo, trechos da entrevista que concedeu à folha.

FOLHA- O sr. acha que os estereótipos que apontam o Rio como uma cidade mais violenta do que São Paulo vão mudar depois dos acontecimentos da semana passada?

ADORNO - A idéia de que o Rio é mais violento que São Paulo é urna construção social cujas explicações são as mais variadas, O Rio tem a imagem de ser a porta de entrada do país, a cidade maravilhosa e, por conta disso, é uma cidade mais vulnerável. Mas a visão de que São Paulo menos violenta nunca foi sustentada por nós, pesquisadores.

FOLHA - Como o sr. explica o modo como a sociedade, a classe média particularmente, se amedrontou diante da onda de violência?

ADORNO - A sociedade se surpreendeu com os acontecimentos porque eles foram, de fato, ímpares. Eu, como pesquisador, sabia que o crime organizado estava nas prisões. Dou um exemplo. Fiz muita pesquisa em prisões há, mais ou menos, dez ou 15 anos e costumava entrar no sistema penitenciário com muita tranqüilidade. Na época, era inimaginável que um professor universitário pudesse ser seqüestrado ou atacado. Hoje é diferente. Uma pessoa como eu virou unia moeda de troca valiosa.

FOLHA - Como se deu a mudança da dinâmica interna das prisões?

ADORNO - Um dos fatores importantes para explicá-la é a mudança de perfil tanto das pessoas que estão encarceradas como dos agentes encarrega dos da disciplina e da ordem nas instituições. Para mim não era surpreendente a existência do crime organizado Mas o que aconteceu foi, sim, surpreendente. Eu sempre imaginei que eles pudesse mobilizar o sistema penal e provocar levantes simultâneos.

Mas a capacidade de se organizar para fora: das grades e de coordenar um processo de queima de ônibus, ataque a prédios e bancos e de desorganizar a vida na cidade para mim foi
uma grande surpresa. Significa que chegamos a um outro patamar na evolução da criminalidade e da violência E, quando o cidadão se surpreen de, isso acontece porque, para ele, essa coisa do crime organizado estava distante. Era algo que ficava lá nos bairros populares e que não tinha nada haver com quem mora num bairro de classe média. Os eventos da semana passada deixaram claro que isso está próximo e que tem uma enorme capacidade de desorganizar a vida cotidiana de quem quer que seja.

FOLHA - O sr. acha que pode ter havido um estopim simples para tudo isso, mas que a coisa acabou superando até o que os criminosos achavam que podia acontecer?

ADORNO - E possível. O problema é que a gente não sabe. Te mos pouca informação segura, de análises ou pesquisas, sobre o crime organizado em São Paulo. Por várias razões. A principal é que é muito difícil fazer pesquisas nessa área Para isso, é preciso entrar dentro do sistema, e isso é difícil.

A gente infere essas coisas a partir do que é veiculado pela imprensa e fazendo pesquisa com jovens da periferia. Dá pa ra verificar que aquele perfil de criminalidade espontânea, em torno de quadrilhas ou de gangues, por exemplo, é coisa do passado.

A gente não sabe se esse co mando é centralizado. Aparentemente deve ser. Mas não podemos ter certeza de como as ordens são transmitidas. Possivelmente se usa celular, mas não sabemos se é só isso. Em pouco sabemos como essas ordens são encadeadas, como chegam à outra ponta e como são obedecidas.

Recentemente, nós retoma mos a leitura da CPI do Narcotráfico, que tem um capítulo só sobre São Paulo. E basta ler aquilo para ver que o crime organizado é uma realidade mui to forte no Estado de São Paulo.

E por que as autoridades não tiraram lições dessa CPI? Por que não transformaram isso em políticas? E algo que temos de investigar. Precisamos cobrar a razão pela qual nada disso resultou em ações concretas.

FOLHA - Quão politizado o sr. diria que é esse crime organizado?

ADORNO. Quando eu fazia pesquisa no passado, verificava que o grau de escolaridade da massa carcerária era baixo. E que correspondia à baixa escolaridade do cidadão brasileiro.

O que verificamos nos últimos dez anos? Aumentou a escolaridade do cidadão brasileiro e dos que estão no crime também. Hoje eles são mais escolarizados, mais preparados e estão mais conectados com o que se passa na sociedade além de seu próprio bairro. Eles lêem jornais e assistem TV. Por isso, são mais politizados, têm capacidade de entender sua força.

FOLHA - como o sr. acha que a população menos favorecida via o PCC e como o vê hoje?

ADORNO - Tenho dúvidas de que o PCC tivesse apoio dos mais pobres. Acho que o crime organizado, para essa! população, é também algo. opressivo. As pessoas na periferia não podem circular livremente e, se existe a suspeita de que possam ter tido contato com alguém que possa fazer algum tipo de delação, são executadas.

As pessoas mais pobres têm medo de falar, é por isso que não se consegue pesquisar o crime organizado. Porque as pessoas não falam. Elas sabem que falar é decretar a sentença de morte.

FOLHA - O sr. acha que os filmes recentes que tratam da violência nas grandes cidades e os fenômenos do rap e do hip hop de alguma forma contribuem para uma glamourização da violência?

ADORNO - Eu tenho dúvidas sobre se essas mensagens têm mesmo um poder de fogo sobre as pessoas. Sempre acho que elas elaboram as mensagens, as informações e têm uma capacidade de autocrítica Essa idéia de imaginar que os mais pobres são absolutamente incapazes de pensar, por exemplo, é um equívoco. Eles podem não pensar exatamente com instrumentos sofisticados de argumentação, mas são capazes de fazer críticas contundentes.

FOLHA- Mas a classe média?

ADORNO - A classe média trata isso como mercadoria a ser consumida. Nós sabemos que o tráfico funciona porque há um mercado consumidor, as classes média e média alta. As pessoas não entendem que, no mo mento em que estão consumindo a sua droga ou fumando seu cigano de maconha, na outra ponta tem alguém morrendo.

E como se não houvesse nenhuma solidariedade com as vítimas. Acho que a classe média tem uma visão de distancia mento e de não-identidade cornos problemas da sociedade na qual está vivendo. Ela só fica assustada quando enfrenta es sa situação e percebe que a realidade é muito mais grave do que imagina.

Não há solidariedade com aquelas pessoas que, na periferia, vivem numa situação de opressão ou do crime organiza do ou da polícia. Acha-se que lá é o lugar do crime mesmo e que a policia tem que ir lá e colocar ordem para garantir que ela possa circular. Evidentemente que o direito à segurança é um direito de todos. Mas você não pode ter mais segurança para uns em detrimento da segurança de outros.

FOLHA - O sr. acha que faltaram mobilizações contra a violência de pois do episódio?

ADORNO - Sim, há urna certa acomodação: Hoje há muitos grupos mobilizados e surgiram muitas associações. Não acho que esta seja uma sociedade absolutamente passiva. E só olhar para o que era esse tema dez anos atrás e o que é hoje. Mas eu esperava, nesse momento, unia reação mais forte. E que as pessoas dissessem: «Basta com essa política porque nós já conhecemos o resultado dela”.

Claro Enigma

Entrevista do Professor Sérgio Adorno

à Folha de São PAulo - 21/05/2006

Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que a universidade tem poucos dados para interpretar o fenômeno do crime organizado em São Paulo e também foi surpreendida pelos ataques.

Há anos dedicado ao estudo da violência, o professor Sérgio Adorno lembra bem de uma época em que podia entrar nas prisões para fazer pesquisa. "Há dez ou quinze anos, era inimaginável que um professor de uma universidade pudesse ser seqüestrado ou atacado.” Hoje, sabe que, se voltar a freqüentar o sistema carcerário, pode virar uma moeda de troca valiosa na mão de uma facção criminosa como o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Apesar de saber da capacidade de mobilização que o grupo tem no Estado, o coordenador do Núcleo de Estudos da violência e professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, ambos da Universidade de São Paulo, disse que se surpreendeu com a onda de violência provocada pela facção na semana passada. “A capacidade de se organizar para fora das grades, de coordenar um processo de queima de ônibus e ataque a prédios e bancos e de desorganizar a vida na cidade para mim foi urna grande surpresa.” Na semana passada, Morno atrasou seus compromissos acadêmicos para atender à enxurrada de telefonemas de pes soas que o procuraram para que tentasse explicar o que aconteceu.

Abaixo, trechos da entrevista que concedeu à folha.

FOLHA- O sr. acha que os estereótipos que apontam o Rio como uma cidade mais violenta do que São Paulo vão mudar depois dos acontecimentos da semana passada?

ADORNO - A idéia de que o Rio é mais violento que São Paulo é urna construção social cujas explicações são as mais variadas, O Rio tem a imagem de ser a porta de entrada do país, a cidade maravilhosa e, por conta disso, é uma cidade mais vulnerável. Mas a visão de que São Paulo menos violenta nunca foi sustentada por nós, pesquisadores.

FOLHA - Como o sr. explica o modo como a sociedade, a classe média particularmente, se amedrontou diante da onda de violência?

ADORNO - A sociedade se surpreendeu com os acontecimentos porque eles foram, de fato, ímpares. Eu, como pesquisador, sabia que o crime organizado estava nas prisões. Dou um exemplo. Fiz muita pesquisa em prisões há, mais ou menos, dez ou 15 anos e costumava entrar no sistema penitenciário com muita tranqüilidade. Na época, era inimaginável que um professor universitário pudesse ser seqüestrado ou atacado. Hoje é diferente. Uma pessoa como eu virou unia moeda de troca valiosa.

FOLHA - Como se deu a mudança da dinâmica interna das prisões?

ADORNO - Um dos fatores importantes para explicá-la é a mudança de perfil tanto das pessoas que estão encarceradas como dos agentes encarrega dos da disciplina e da ordem nas instituições. Para mim não era surpreendente a existência do crime organizado Mas o que aconteceu foi, sim, surpreendente. Eu sempre imaginei que eles pudesse mobilizar o sistema penal e provocar levantes simultâneos.

Mas a capacidade de se organizar para fora: das grades e de coordenar um processo de queima de ônibus, ataque a prédios e bancos e de desorganizar a vida na cidade para mim foi
uma grande surpresa. Significa que chegamos a um outro patamar na evolução da criminalidade e da violência E, quando o cidadão se surpreen de, isso acontece porque, para ele, essa coisa do crime organizado estava distante. Era algo que ficava lá nos bairros populares e que não tinha nada haver com quem mora num bairro de classe média. Os eventos da semana passada deixaram claro que isso está próximo e que tem uma enorme capacidade de desorganizar a vida cotidiana de quem quer que seja.

FOLHA - O sr. acha que pode ter havido um estopim simples para tudo isso, mas que a coisa acabou superando até o que os criminosos achavam que podia acontecer?

ADORNO - E possível. O problema é que a gente não sabe. Te mos pouca informação segura, de análises ou pesquisas, sobre o crime organizado em São Paulo. Por várias razões. A principal é que é muito difícil fazer pesquisas nessa área Para isso, é preciso entrar dentro do sistema, e isso é difícil.

A gente infere essas coisas a partir do que é veiculado pela imprensa e fazendo pesquisa com jovens da periferia. Dá pa ra verificar que aquele perfil de criminalidade espontânea, em torno de quadrilhas ou de gangues, por exemplo, é coisa do passado.

A gente não sabe se esse co mando é centralizado. Aparentemente deve ser. Mas não podemos ter certeza de como as ordens são transmitidas. Possivelmente se usa celular, mas não sabemos se é só isso. Em pouco sabemos como essas ordens são encadeadas, como chegam à outra ponta e como são obedecidas.

Recentemente, nós retoma mos a leitura da CPI do Narcotráfico, que tem um capítulo só sobre São Paulo. E basta ler aquilo para ver que o crime organizado é uma realidade mui to forte no Estado de São Paulo.

E por que as autoridades não tiraram lições dessa CPI? Por que não transformaram isso em políticas? E algo que temos de investigar. Precisamos cobrar a razão pela qual nada disso resultou em ações concretas.

FOLHA - Quão politizado o sr. diria que é esse crime organizado?

ADORNO. Quando eu fazia pesquisa no passado, verificava que o grau de escolaridade da massa carcerária era baixo. E que correspondia à baixa escolaridade do cidadão brasileiro.

O que verificamos nos últimos dez anos? Aumentou a escolaridade do cidadão brasileiro e dos que estão no crime também. Hoje eles são mais escolarizados, mais preparados e estão mais conectados com o que se passa na sociedade além de seu próprio bairro. Eles lêem jornais e assistem TV. Por isso, são mais politizados, têm capacidade de entender sua força.

FOLHA - como o sr. acha que a população menos favorecida via o PCC e como o vê hoje?

ADORNO - Tenho dúvidas de que o PCC tivesse apoio dos mais pobres. Acho que o crime organizado, para essa! população, é também algo. opressivo. As pessoas na periferia não podem circular livremente e, se existe a suspeita de que possam ter tido contato com alguém que possa fazer algum tipo de delação, são executadas.

As pessoas mais pobres têm medo de falar, é por isso que não se consegue pesquisar o crime organizado. Porque as pessoas não falam. Elas sabem que falar é decretar a sentença de morte.

FOLHA - O sr. acha que os filmes recentes que tratam da violência nas grandes cidades e os fenômenos do rap e do hip hop de alguma forma contribuem para uma glamourização da violência?

ADORNO - Eu tenho dúvidas sobre se essas mensagens têm mesmo um poder de fogo sobre as pessoas. Sempre acho que elas elaboram as mensagens, as informações e têm uma capacidade de autocrítica Essa idéia de imaginar que os mais pobres são absolutamente incapazes de pensar, por exemplo, é um equívoco. Eles podem não pensar exatamente com instrumentos sofisticados de argumentação, mas são capazes de fazer críticas contundentes.

FOLHA- Mas a classe média?

ADORNO - A classe média trata isso como mercadoria a ser consumida. Nós sabemos que o tráfico funciona porque há um mercado consumidor, as classes média e média alta. As pessoas não entendem que, no mo mento em que estão consumindo a sua droga ou fumando seu cigano de maconha, na outra ponta tem alguém morrendo.

E como se não houvesse nenhuma solidariedade com as vítimas. Acho que a classe média tem uma visão de distancia mento e de não-identidade cornos problemas da sociedade na qual está vivendo. Ela só fica assustada quando enfrenta es sa situação e percebe que a realidade é muito mais grave do que imagina.

Não há solidariedade com aquelas pessoas que, na periferia, vivem numa situação de opressão ou do crime organiza do ou da polícia. Acha-se que lá é o lugar do crime mesmo e que a policia tem que ir lá e colocar ordem para garantir que ela possa circular. Evidentemente que o direito à segurança é um direito de todos. Mas você não pode ter mais segurança para uns em detrimento da segurança de outros.

FOLHA - O sr. acha que faltaram mobilizações contra a violência de pois do episódio?

ADORNO - Sim, há urna certa acomodação: Hoje há muitos grupos mobilizados e surgiram muitas associações. Não acho que esta seja uma sociedade absolutamente passiva. E só olhar para o que era esse tema dez anos atrás e o que é hoje. Mas eu esperava, nesse momento, unia reação mais forte. E que as pessoas dissessem: «Basta com essa política porque nós já conhecemos o resultado dela”.

PCC cobre mapa de SP

Braços da facção alcançam quase todo o Estado

MARINÊS CAMPOS - Jornal da Tarde - 22 maio de 2006

Eles estão em toda parte. No tráfico, nos roubos, no serviço de lotação. E quem mora nos bairros mais pobres conhece o poder que têm nas mãos. Os homens do PCC , facção que faz com que seus braços alcancem quase toda a Cidade, se impõem pelo medo, exibido com demonstrações de força, palavra trocada nas favelas pelo substantivo “respeito”. Donos da maioria dos pontos de tráfico, também são eles que têm interferido nas matanças. “Caiu o número de mortes porque, quando alguém quer se livrar de um inimigo, primeiro pede ordem ao chefão”, conta um ex-presidiário da Cidade Tiradentes, Zona Leste, há pouco tempo em liberdade. “Ladrão também não põe a cara para bater. Pensa duas vezes. Quem não pensa e morre são os ‘nóias’.”

Mas o temor de conviver com esses homens vez ou outra precisa ser vencido por líderes comunitários. São esses presidentes de associações de moradores que fazem a ligação entre poder público e bandidos quando precisam de serviços nas favelas.

No dia em que a então prefeita Marta Suplicy inaugurou o CEU São Rafael, em São Mateus, Zona Leste - uma das áreas de atuação do PCC -, por exemplo, ela não imaginava que, antes dos operários, quem teve muito trabalho foram os líderes comunitários. Era março de 2004 e, durante semanas, eles se empenharam em negociações com os traficantes que dominavam o terreno onde o Centro Educacional Unificado seria construído. Imploraram aos bandidos que saíssem da área e aceitassem a melhoria no bairro. “Quando precisamos de uma benfeitoria, negociamos com o tráfico. A Prefeitura não se mete com os bandidos”, diz o presidente de uma entidade.

Mas os bandidos têm se metido com a Prefeitura. Bem vestidos e com jeito bem comportado, ladrões e traficantes da Cidade têm freqüentado subprefeituras, Câmara e concessionárias de água e energia. Sem despertar suspeitas, muitos acompanham integrantes de associações de moradores de favelas em busca de serviços públicos.

A estratégia para inverter a mão de direção da intimidação e conseguir a colaboração dos inimigos partiu de um líder comunitário de um bairro carente da Zona Norte. Cansado de se submeter ao poder do crime, apelou para a política da boa vizinhança. Das 250 favelas da região, ele calcula que 90% são reféns do PCC.

O desafio é o de vencer a resistência dos criminosos para a chegada de melhorias - o mesmo asfalto que permite a entrada de ambulâncias e dos bombeiros também abre caminho para a polícia. A luz que ilumina os becos coloca à mostra os pontos de drogas e intimida os compradores. Nos cantos pobres da Cidade, nem sempre os serviços públicos são bem-vindos e comemorados por todos - nesses lugares, esses benefícios contrariam o interesse de um pequeno grupo.

Por isso, o líder da Zona Norte, em vez de se deixar vencer pelo medo, optou pela aproximação: “Quando formamos uma associação, a maioria é escolhida por ser do tráfico. Digo a eles: ‘Vocês são respeitados’. A gente levanta a auto-estima deles. E eles até vão com a gente na Prefeitura.”

Mas não é fácil abrir os olhos dos bandidos para a necessidade do asfalto, da coleta do lixo, da água e da luz. “A gente fala sobre incêndios, leva bombeiros nas favelas para mostrar o perigo de vielas estreitas e fala que a família deles também corre risco”, conta um líder da Zona Sul.

Experiência semelhante tem acontecido em várias comunidades pobres da Cidade. Poucos meses atrás, foram os representantes dos moradores da favela Jardim Planalto, em Sapopemba, Zona Leste, que convenceram os traficantes a permitir o alargamento das vielas. Um dos primeiros sinais de coragem de um líder do bairro foi dado no ano passado, quando ele soube que um traficante estava fechando uma viela com um portão de ferro - estratégia para não ter a “boca” invadida pela polícia.
O líder procurou o bandido: “Falei: ‘Não dá para fechar a viela e só você ficar com a chave.’ E se alguém fica doente e precisa de socorro urgente? E se explode um botijão de gás?’” Depois de muita negociação, o acordo. O traficante continuou protegido atrás do portão. “Mas mandou fazer uma cópia da chave para cada morador”, conta o homem.

Em outra ocasião, o líder apelou para a mesma estratégia: havia crianças quebrando lâmpadas e vendendo drogas na frente da escola da favela. “Eu chamei o ‘gerente’ e expliquei que, se aquilo continuasse, chamaria a atenção da polícia. Não sei se essa é a maneira mais certa de resolver, mas o problema acabou.”

Em outros bairros, líderes comunitários começaram a se desarticular. Já não brigam por mudanças, têm medo - e se rendem a quem tem a mão mais forte. Na Zona Leste, a rendição tem acontecido no Jardim Verônia, em Ermelino Matarazzo, onde estão as favelas da Criança, Buraco Quente e Morro do Querosene.
PCC cobre mapa de SP

Braços da facção alcançam quase todo o Estado

MARINÊS CAMPOS - Jornal da Tarde - 22 maio de 2006

Eles estão em toda parte. No tráfico, nos roubos, no serviço de lotação. E quem mora nos bairros mais pobres conhece o poder que têm nas mãos. Os homens do PCC , facção que faz com que seus braços alcancem quase toda a Cidade, se impõem pelo medo, exibido com demonstrações de força, palavra trocada nas favelas pelo substantivo “respeito”. Donos da maioria dos pontos de tráfico, também são eles que têm interferido nas matanças. “Caiu o número de mortes porque, quando alguém quer se livrar de um inimigo, primeiro pede ordem ao chefão”, conta um ex-presidiário da Cidade Tiradentes, Zona Leste, há pouco tempo em liberdade. “Ladrão também não põe a cara para bater. Pensa duas vezes. Quem não pensa e morre são os ‘nóias’.”

Mas o temor de conviver com esses homens vez ou outra precisa ser vencido por líderes comunitários. São esses presidentes de associações de moradores que fazem a ligação entre poder público e bandidos quando precisam de serviços nas favelas.

No dia em que a então prefeita Marta Suplicy inaugurou o CEU São Rafael, em São Mateus, Zona Leste - uma das áreas de atuação do PCC -, por exemplo, ela não imaginava que, antes dos operários, quem teve muito trabalho foram os líderes comunitários. Era março de 2004 e, durante semanas, eles se empenharam em negociações com os traficantes que dominavam o terreno onde o Centro Educacional Unificado seria construído. Imploraram aos bandidos que saíssem da área e aceitassem a melhoria no bairro. “Quando precisamos de uma benfeitoria, negociamos com o tráfico. A Prefeitura não se mete com os bandidos”, diz o presidente de uma entidade.

Mas os bandidos têm se metido com a Prefeitura. Bem vestidos e com jeito bem comportado, ladrões e traficantes da Cidade têm freqüentado subprefeituras, Câmara e concessionárias de água e energia. Sem despertar suspeitas, muitos acompanham integrantes de associações de moradores de favelas em busca de serviços públicos.

A estratégia para inverter a mão de direção da intimidação e conseguir a colaboração dos inimigos partiu de um líder comunitário de um bairro carente da Zona Norte. Cansado de se submeter ao poder do crime, apelou para a política da boa vizinhança. Das 250 favelas da região, ele calcula que 90% são reféns do PCC.

O desafio é o de vencer a resistência dos criminosos para a chegada de melhorias - o mesmo asfalto que permite a entrada de ambulâncias e dos bombeiros também abre caminho para a polícia. A luz que ilumina os becos coloca à mostra os pontos de drogas e intimida os compradores. Nos cantos pobres da Cidade, nem sempre os serviços públicos são bem-vindos e comemorados por todos - nesses lugares, esses benefícios contrariam o interesse de um pequeno grupo.

Por isso, o líder da Zona Norte, em vez de se deixar vencer pelo medo, optou pela aproximação: “Quando formamos uma associação, a maioria é escolhida por ser do tráfico. Digo a eles: ‘Vocês são respeitados’. A gente levanta a auto-estima deles. E eles até vão com a gente na Prefeitura.”

Mas não é fácil abrir os olhos dos bandidos para a necessidade do asfalto, da coleta do lixo, da água e da luz. “A gente fala sobre incêndios, leva bombeiros nas favelas para mostrar o perigo de vielas estreitas e fala que a família deles também corre risco”, conta um líder da Zona Sul.

Experiência semelhante tem acontecido em várias comunidades pobres da Cidade. Poucos meses atrás, foram os representantes dos moradores da favela Jardim Planalto, em Sapopemba, Zona Leste, que convenceram os traficantes a permitir o alargamento das vielas. Um dos primeiros sinais de coragem de um líder do bairro foi dado no ano passado, quando ele soube que um traficante estava fechando uma viela com um portão de ferro - estratégia para não ter a “boca” invadida pela polícia.
O líder procurou o bandido: “Falei: ‘Não dá para fechar a viela e só você ficar com a chave.’ E se alguém fica doente e precisa de socorro urgente? E se explode um botijão de gás?’” Depois de muita negociação, o acordo. O traficante continuou protegido atrás do portão. “Mas mandou fazer uma cópia da chave para cada morador”, conta o homem.

Em outra ocasião, o líder apelou para a mesma estratégia: havia crianças quebrando lâmpadas e vendendo drogas na frente da escola da favela. “Eu chamei o ‘gerente’ e expliquei que, se aquilo continuasse, chamaria a atenção da polícia. Não sei se essa é a maneira mais certa de resolver, mas o problema acabou.”

Em outros bairros, líderes comunitários começaram a se desarticular. Já não brigam por mudanças, têm medo - e se rendem a quem tem a mão mais forte. Na Zona Leste, a rendição tem acontecido no Jardim Verônia, em Ermelino Matarazzo, onde estão as favelas da Criança, Buraco Quente e Morro do Querosene.

domingo, 21 de maio de 2006

Inimigo secreto

MARINÊS CAMPOS - Jornal da Tarde

Já faz uma semana que o soldado R., antes de sair para o trabalho, sobe na laje da casa inacabada da Zona Leste e vasculha com os olhos a rua onde mora. Depois, deixa a mulher e os filhos no apartamento dos sogros e, assustado, segue sozinho para o quartel. O temor do PM não é apenas o de ser o próximo alvo do PCC. Pouco tempo atrás, ele descobriu que, entre os bandidos, o endereço do sobrado onde vive com a família está valendo 20 pedras de crack mais R$ 3 mil.

O pânico do soldado foi ainda maior: a "venda" do nome da rua e do número do sobrado estava sendo negociado entre o chefe de um ponto de tráfico e um companheiro do próprio quartel. Mas o colega não conseguiu fechar o negócio com o bandido - alertado do risco por um informante, R. deixou a casa que construiu aos poucos, mudou de bairro e agora paga aluguel.

Hoje, além do medo de serem surpreendidos pelo tiro de um criminoso desconhecido, policiais civis e militares têm convivido com a desconfiança e a suspeita dentro das delegacias e quartéis - além de se proteger do PCC, convivem com a insegurança de trabalhar ao lado de colegas ligados ao crime. Há muito tempo sabem que a organização criminosa tem infiltrado seus homens nas duas corporações - eles chegam a prestar concurso público - e que, dessa posição privilegiada, conseguem informações valiosas para os chefes. Já os policiais corruptos preferem vender endereços, munição ou armas. Por isso, nesses dias de guerra na Cidade, os caçadores têm virado caça.

"Vivemos num campo minado. Estão matando policiais de folga, à paisana. E quem pode indicar o lugar onde a gente mora ou está fazendo bico? Bandido não vai ficar ficar seguindo o policial para ter essas informações. A questão é que tem muitos inimigos entre nós", diz um oficial da PM.

"Nunca fico de costas para algumas pessoas que trabalham comigo. Foi instalada a máfia na polícia", revela um dos delegados mais antigos da Polícia Civil.

As queixas não são feitas sem motivo. Há pouco tempo, policiais da Zona Norte receberam a denúncia de que um PM estava ensinando bandidos da região a lidar com armas mais modernas - os criminosos estavam tendo dificuldade em atirar com metralhadoras e fuzis. "A Corregedoria não conseguiu apurar a denúncia, mas o comando transferiu o cara lá para a periferia da Zona Sul", contam alguns soldados.

O cabo J., há 15 anos na PM, também não confia nos próprios colegas de farda: "A corrupção na polícia aumentou muito e o deus dos caras é o dinheiro. Dão R$ 1 mil pela sua cabeça e você roda." O valor oferecido pelo endereço do policial visado, segundo o cabo, depende do "prejuízo" que causa na sua área de trabalho: "Se é um policial que quebra as bocas de tráfico, a informação pode valer R$ 5 mil."

Desde que recebeu o aviso do informante, o soldado R. triplicou os cuidados: "Dá para contar nos dedos o número de pessoas que sabem onde moro. Não chamo ninguém fora da família para as festas de aniversário dos meus filhos."

A cada dia ele faz um caminho diferente de volta para casa, nunca diz nomes no telefone. Não aceita carona dos colegas e, se não dá para escapar da oferta, pede que pare o carro na rua errada. "É por isso que estou vivo. Já mataram muitos PMs e, além da casa, os bandidos sabem até onde a gente faz bico."

No trabalho nas ruas, não sabe de qual arma partirá um tiro: "A gente entra no local da ocorrência e tem a suspeita de que seu colega está envolvido no crime. E não sabe se ele vai atirar nas suas costas. O bandido está tão acostumado a lidar com policial corrupto que, quando a gente prende ele, vai logo falando: 'Dá para trocar uma idéia e fazer um bem bolado?'"

Tanta desconfiança tem um motivo. Algum tempo atrás, o soldado viu um amigo viver a mesma situação de pânico. Tanto que pediu transferência para outro quartel: "Uma pessoa em quem ele confiava deu a letra (os horários das escalas de trabalho e o endereço da casa). Por isso, me espelho nas pauladas que os outros tomaram."

Algumas denúncias contra os maus policiais chegam a ser apuradas. Outras, contam os PMs, são escondidas por quem tem interesse em manter a sujeira debaixo do tapete: "Tem oficial que sabe que o subordinado é bandido, mas não faz nada para que os superiores não saibam que ele não teve competência para comandar a tropa."
Inimigo secreto

MARINÊS CAMPOS - Jornal da Tarde

Já faz uma semana que o soldado R., antes de sair para o trabalho, sobe na laje da casa inacabada da Zona Leste e vasculha com os olhos a rua onde mora. Depois, deixa a mulher e os filhos no apartamento dos sogros e, assustado, segue sozinho para o quartel. O temor do PM não é apenas o de ser o próximo alvo do PCC. Pouco tempo atrás, ele descobriu que, entre os bandidos, o endereço do sobrado onde vive com a família está valendo 20 pedras de crack mais R$ 3 mil.

O pânico do soldado foi ainda maior: a "venda" do nome da rua e do número do sobrado estava sendo negociado entre o chefe de um ponto de tráfico e um companheiro do próprio quartel. Mas o colega não conseguiu fechar o negócio com o bandido - alertado do risco por um informante, R. deixou a casa que construiu aos poucos, mudou de bairro e agora paga aluguel.

Hoje, além do medo de serem surpreendidos pelo tiro de um criminoso desconhecido, policiais civis e militares têm convivido com a desconfiança e a suspeita dentro das delegacias e quartéis - além de se proteger do PCC, convivem com a insegurança de trabalhar ao lado de colegas ligados ao crime. Há muito tempo sabem que a organização criminosa tem infiltrado seus homens nas duas corporações - eles chegam a prestar concurso público - e que, dessa posição privilegiada, conseguem informações valiosas para os chefes. Já os policiais corruptos preferem vender endereços, munição ou armas. Por isso, nesses dias de guerra na Cidade, os caçadores têm virado caça.

"Vivemos num campo minado. Estão matando policiais de folga, à paisana. E quem pode indicar o lugar onde a gente mora ou está fazendo bico? Bandido não vai ficar ficar seguindo o policial para ter essas informações. A questão é que tem muitos inimigos entre nós", diz um oficial da PM.

"Nunca fico de costas para algumas pessoas que trabalham comigo. Foi instalada a máfia na polícia", revela um dos delegados mais antigos da Polícia Civil.

As queixas não são feitas sem motivo. Há pouco tempo, policiais da Zona Norte receberam a denúncia de que um PM estava ensinando bandidos da região a lidar com armas mais modernas - os criminosos estavam tendo dificuldade em atirar com metralhadoras e fuzis. "A Corregedoria não conseguiu apurar a denúncia, mas o comando transferiu o cara lá para a periferia da Zona Sul", contam alguns soldados.

O cabo J., há 15 anos na PM, também não confia nos próprios colegas de farda: "A corrupção na polícia aumentou muito e o deus dos caras é o dinheiro. Dão R$ 1 mil pela sua cabeça e você roda." O valor oferecido pelo endereço do policial visado, segundo o cabo, depende do "prejuízo" que causa na sua área de trabalho: "Se é um policial que quebra as bocas de tráfico, a informação pode valer R$ 5 mil."

Desde que recebeu o aviso do informante, o soldado R. triplicou os cuidados: "Dá para contar nos dedos o número de pessoas que sabem onde moro. Não chamo ninguém fora da família para as festas de aniversário dos meus filhos."

A cada dia ele faz um caminho diferente de volta para casa, nunca diz nomes no telefone. Não aceita carona dos colegas e, se não dá para escapar da oferta, pede que pare o carro na rua errada. "É por isso que estou vivo. Já mataram muitos PMs e, além da casa, os bandidos sabem até onde a gente faz bico."

No trabalho nas ruas, não sabe de qual arma partirá um tiro: "A gente entra no local da ocorrência e tem a suspeita de que seu colega está envolvido no crime. E não sabe se ele vai atirar nas suas costas. O bandido está tão acostumado a lidar com policial corrupto que, quando a gente prende ele, vai logo falando: 'Dá para trocar uma idéia e fazer um bem bolado?'"

Tanta desconfiança tem um motivo. Algum tempo atrás, o soldado viu um amigo viver a mesma situação de pânico. Tanto que pediu transferência para outro quartel: "Uma pessoa em quem ele confiava deu a letra (os horários das escalas de trabalho e o endereço da casa). Por isso, me espelho nas pauladas que os outros tomaram."

Algumas denúncias contra os maus policiais chegam a ser apuradas. Outras, contam os PMs, são escondidas por quem tem interesse em manter a sujeira debaixo do tapete: "Tem oficial que sabe que o subordinado é bandido, mas não faz nada para que os superiores não saibam que ele não teve competência para comandar a tropa."
A semana do terror

Estadão Online - Domingo, 21 maio de 2006

Um total de 166 policiais e civis mortos, rebeliões em 73 presídios, 299 atentados - e uma população traumatizada pelos dias em que conheceu o pânico.

A semana do terror, na verdade, começou numa sexta-feira, 12. Os 40 milhões de habitantes do Estado mais rico do País tiveram a rotina abalada e foram apresentados a um medo típico de lugares conflagrados: "atentados", "ofensiva do crime organizado" e "mortos em conflitos" viraram expressões corriqueiras. Do berço da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), os presídios, seus líderes mobilizaram um exército usando sua arma mais poderosa: celulares. Primeiro, para matar policiais na capital e no interior. Depois, para atacar alvos civis: ônibus, bancos, uma estação de metrô.

Na segunda-feira, os 10 milhões de habitantes de São Paulo viram a quinta maior metrópole do mundo parar, com ruas e avenidas desertas e boatos assustadores. O 15 de maio foi o 11 de setembro paulistano.

E o que o PCC queria? Dobrar o governo do Estado, que no dia 10 tinha isolado 765 integrantes da facção num presídio em Presidente Venceslau para impedir megarrebelião no Dia das Mães. Mas o PCC soube dos planos da polícia e preparou o contra-ataque. Um funcionário terceirizado da Câmara dos Deputados admitiu que vendeu o conteúdo de depoimentos secretos prestados no dia 9 por delegados a uma CPI em Brasília. Ouvidos horas depois pelos integrantes da facção nos presídios. O funcionário recebeu R$ 200,00.

Atacada, a polícia prometeu sair à caça dos bandidos. Em 24 horas, no dia 16, morreram 32 suspeitos. Agora, é acusada de ter matado inocentes, possibilidade admitida pelo governador Cláudio Lembo e pelo secretário de Segurança Saulo Abreu. Os dois negam que o Estado esteja escondendo informações sobre os cadáveres.
A semana do terror

Estadão Online - Domingo, 21 maio de 2006

Um total de 166 policiais e civis mortos, rebeliões em 73 presídios, 299 atentados - e uma população traumatizada pelos dias em que conheceu o pânico.

A semana do terror, na verdade, começou numa sexta-feira, 12. Os 40 milhões de habitantes do Estado mais rico do País tiveram a rotina abalada e foram apresentados a um medo típico de lugares conflagrados: "atentados", "ofensiva do crime organizado" e "mortos em conflitos" viraram expressões corriqueiras. Do berço da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), os presídios, seus líderes mobilizaram um exército usando sua arma mais poderosa: celulares. Primeiro, para matar policiais na capital e no interior. Depois, para atacar alvos civis: ônibus, bancos, uma estação de metrô.

Na segunda-feira, os 10 milhões de habitantes de São Paulo viram a quinta maior metrópole do mundo parar, com ruas e avenidas desertas e boatos assustadores. O 15 de maio foi o 11 de setembro paulistano.

E o que o PCC queria? Dobrar o governo do Estado, que no dia 10 tinha isolado 765 integrantes da facção num presídio em Presidente Venceslau para impedir megarrebelião no Dia das Mães. Mas o PCC soube dos planos da polícia e preparou o contra-ataque. Um funcionário terceirizado da Câmara dos Deputados admitiu que vendeu o conteúdo de depoimentos secretos prestados no dia 9 por delegados a uma CPI em Brasília. Ouvidos horas depois pelos integrantes da facção nos presídios. O funcionário recebeu R$ 200,00.

Atacada, a polícia prometeu sair à caça dos bandidos. Em 24 horas, no dia 16, morreram 32 suspeitos. Agora, é acusada de ter matado inocentes, possibilidade admitida pelo governador Cláudio Lembo e pelo secretário de Segurança Saulo Abreu. Os dois negam que o Estado esteja escondendo informações sobre os cadáveres.
Crime faz ponte Rio-SP

Jornal o Globo - Soraya Aggege - Rio, 21 de maio de 2006

A organização criminosa que paralisou São Paulo mantém uma espécie de joint-venture com a principal facção do Rio de Janeiro. A associação entre os dois grupos funciona comercialmente, segundo a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado de São Paulo. O comércio tem mão dupla: drogas de São Paulo para o Rio de Janeiro, principalmente crack, e armas do Rio para São Paulo. Eventualmente, os criminosos trocam proteção para membros foragidos em cada estado. A associação existe desde 2001, mas tem se intensificado este ano. Agora, os "negócios" são feitos por teleconferência e pessoalmente por "sócios" dos grupos, segundo a polícia.

— As duas facções têm uma aliança pontual. Podemos dizer que se trata de uma joint-venture . Embora sejam diferentes, até em seus estatutos está prevista essa ponte Rio-São Paulo. Essa relação existe desde 2001 e tem sido intensa — afirma o promotor do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), Roberto Porto, que investiga a facção paulista.
No "estatuto" que deu origem à facção paulista, apreendido em 1993 e que ainda teria validade, está escrito: "Em coligação com a facção do Rio de Janeiro, iremos revolucionar o país de dentro das prisões". Segundo o promotor, o comando carioca também tem o acordo com os paulistas previsto em seu "estatuto".

O delegado que concentra as investigações sobre a facção em São Paulo, Rui Ferraz Fontes, concorda com o promotor e detalha as operações:
— Talvez possamos dizer que se trata de uma joint-venture porque funciona assim entre eles: "Olha, vocês têm alguns interesses aqui e nós temos outros aí. Vamos respeitar e cuidar duplamente dos nossos interesses".

Até teleconferências nas penitenciárias

Já foram feitas interceptações que revelam as teleconferências entre os bandidos, mas seu conteúdo é mantido sob sigilo. Segundo o delegado, a troca se dá da seguinte maneira:
— A facção paulista manda drogas para o Rio e os cariocas mandam armas. Mas a coisa toda não se dá apenas no âmbito dos chefes. Ela acontece muito mais pelos sócios, que têm seus negócios paralelos e repassam dinheiro para os dois comandos.

Apesar da convicção da polícia e do Ministério Público sobre a conexão entre os bandidos dos dois estados, não há qualquer investigação específica sobre ela. Polícia e Ministério Público não têm idéia dos montantes movimentados entre os comandos. Na opinião do delegado, a relação se romperá por causa das divergências naturais entre elas.

A facção paulista é muito diferente da carioca em diversos aspectos: é mais "ideológica", como diz a polícia, porque promete aos comparsas melhorar as condições nas cadeias e supõe a luta de classes; e atua com um amplo cardápio de crimes, exigindo que os aliados de outros estados apóiem seus movimentos. Fez isso com os comparsas do Paraná, de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. Já o grupo carioca visa especificamente aos lucros e é segmentado no tráfico de drogas.

— Tanto são divergentes que os presídios cariocas não fizeram rebeliões, como os do Paraná. Trata-se de uma relação puramente comercial — frisa Fontes.
A polícia aposta no rompimento natural da associação comercial:
— A qualquer momento rompem e se separam. O grupo do Rio tem como objetivo ganhar dinheiro. O paulista também quer, mas se faz parecer mais ideológico que é para poder estimular os camaradas que colaboram — diz o delegado.

No entanto, alguns delegados e investigadores que atuam no caso e pediram para não ter os nomes divulgados consideram a “sociedade comercial” entre as facções criminosas indissolúvel porque seria altamente lucrativa e cômoda.

— O negócio é muito lucrativo. O comando paulista colocou o crack no mercado carioca e isso não pára mais. Por outro lado, as armas que não são usadas no Rio, de cano curto, vêm para os soldados do comando paulista. Eles dividem também armas longas. Isso é indissolúvel— disse um investigador.

Uma facção protege comparsas da outra

O delegado que chefia as investigações, Godofredo Bittencourt Filho, afirma que a relação entre os dois comandos foi facilitada por medidas do próprio governo paulista, entre 2001 e 2003, que transferiu chefes da facção paulista para o Rio de Janeiro e Fernandinho Beira-Mar para São Paulo, como maneira de isolar os comandos do crime. Além disso, os chefes dos dois grupos já ficaram presos em Brasília.

— No Rio houve um estreitamento das relações e dos conhecimentos operacionais. Mas eles são independentes, se conhecem, se respeitam e negociam — diz Bittencourt Filho.
A joint-venture prevê algumas trocas de favores, lembra o delegado:
— O próprio Robinho Pinga, do Rio, esteve escondido em São Paulo sob proteção da facção paulista.

Consultor privado em segurança, Ricardo Chilelli afirma que já investigou a joint-venture das duas facções criminosas. Segundo ele, os negócios do crime são lucrativos por vários motivos, quase todos vinculados ao tráfico do Paraguai. As armas usadas por cada grupo são diferentes por causa da topografia e das características gerais de cada cidade: nos morros cariocas, mais isolados, os criminosos usam as armas longas. Em São Paulo, as discretas são mais aplicadas.
— De cada dez armas trazidas do Paraguai, sete vão para o Rio, duas para São Paulo e uma para outros estados. Já com as armas curtas (de mão), são mais usadas em São Paulo. De cada dez curtas trazidas de fora, sete ficam em São Paulo, duas vão para o Rio e outra vai para outros estados — afirma.

Além disso, a maconha que abastece o Rio passa por São Paulo. Com o crack, a situação é diferente, segundo Chilelli.
— O crack é uma invenção que partiu há pouco de São Paulo para o Rio, que antes rechaçava essa droga. Mas o comando paulista mostrou a lucratividade para o comando carioca, que agora vende. E, com isso, muitas formas de atuação foram trocadas, como seqüestros por telefone e roubos de laptops.

Além disso, as granadas e os explosivos usados pelos paulistas saem da facção carioca.
— Granadas e explosivos partem do Rio por causa do acúmulo de paióis e quartéis e pelo número de especialistas na produção — afirma.
Crime faz ponte Rio-SP

Jornal o Globo - Soraya Aggege - Rio, 21 de maio de 2006

A organização criminosa que paralisou São Paulo mantém uma espécie de joint-venture com a principal facção do Rio de Janeiro. A associação entre os dois grupos funciona comercialmente, segundo a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado de São Paulo. O comércio tem mão dupla: drogas de São Paulo para o Rio de Janeiro, principalmente crack, e armas do Rio para São Paulo. Eventualmente, os criminosos trocam proteção para membros foragidos em cada estado. A associação existe desde 2001, mas tem se intensificado este ano. Agora, os "negócios" são feitos por teleconferência e pessoalmente por "sócios" dos grupos, segundo a polícia.

— As duas facções têm uma aliança pontual. Podemos dizer que se trata de uma joint-venture . Embora sejam diferentes, até em seus estatutos está prevista essa ponte Rio-São Paulo. Essa relação existe desde 2001 e tem sido intensa — afirma o promotor do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), Roberto Porto, que investiga a facção paulista.
No "estatuto" que deu origem à facção paulista, apreendido em 1993 e que ainda teria validade, está escrito: "Em coligação com a facção do Rio de Janeiro, iremos revolucionar o país de dentro das prisões". Segundo o promotor, o comando carioca também tem o acordo com os paulistas previsto em seu "estatuto".

O delegado que concentra as investigações sobre a facção em São Paulo, Rui Ferraz Fontes, concorda com o promotor e detalha as operações:
— Talvez possamos dizer que se trata de uma joint-venture porque funciona assim entre eles: "Olha, vocês têm alguns interesses aqui e nós temos outros aí. Vamos respeitar e cuidar duplamente dos nossos interesses".

Até teleconferências nas penitenciárias

Já foram feitas interceptações que revelam as teleconferências entre os bandidos, mas seu conteúdo é mantido sob sigilo. Segundo o delegado, a troca se dá da seguinte maneira:
— A facção paulista manda drogas para o Rio e os cariocas mandam armas. Mas a coisa toda não se dá apenas no âmbito dos chefes. Ela acontece muito mais pelos sócios, que têm seus negócios paralelos e repassam dinheiro para os dois comandos.

Apesar da convicção da polícia e do Ministério Público sobre a conexão entre os bandidos dos dois estados, não há qualquer investigação específica sobre ela. Polícia e Ministério Público não têm idéia dos montantes movimentados entre os comandos. Na opinião do delegado, a relação se romperá por causa das divergências naturais entre elas.

A facção paulista é muito diferente da carioca em diversos aspectos: é mais "ideológica", como diz a polícia, porque promete aos comparsas melhorar as condições nas cadeias e supõe a luta de classes; e atua com um amplo cardápio de crimes, exigindo que os aliados de outros estados apóiem seus movimentos. Fez isso com os comparsas do Paraná, de Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. Já o grupo carioca visa especificamente aos lucros e é segmentado no tráfico de drogas.

— Tanto são divergentes que os presídios cariocas não fizeram rebeliões, como os do Paraná. Trata-se de uma relação puramente comercial — frisa Fontes.
A polícia aposta no rompimento natural da associação comercial:
— A qualquer momento rompem e se separam. O grupo do Rio tem como objetivo ganhar dinheiro. O paulista também quer, mas se faz parecer mais ideológico que é para poder estimular os camaradas que colaboram — diz o delegado.

No entanto, alguns delegados e investigadores que atuam no caso e pediram para não ter os nomes divulgados consideram a “sociedade comercial” entre as facções criminosas indissolúvel porque seria altamente lucrativa e cômoda.

— O negócio é muito lucrativo. O comando paulista colocou o crack no mercado carioca e isso não pára mais. Por outro lado, as armas que não são usadas no Rio, de cano curto, vêm para os soldados do comando paulista. Eles dividem também armas longas. Isso é indissolúvel— disse um investigador.

Uma facção protege comparsas da outra

O delegado que chefia as investigações, Godofredo Bittencourt Filho, afirma que a relação entre os dois comandos foi facilitada por medidas do próprio governo paulista, entre 2001 e 2003, que transferiu chefes da facção paulista para o Rio de Janeiro e Fernandinho Beira-Mar para São Paulo, como maneira de isolar os comandos do crime. Além disso, os chefes dos dois grupos já ficaram presos em Brasília.

— No Rio houve um estreitamento das relações e dos conhecimentos operacionais. Mas eles são independentes, se conhecem, se respeitam e negociam — diz Bittencourt Filho.
A joint-venture prevê algumas trocas de favores, lembra o delegado:
— O próprio Robinho Pinga, do Rio, esteve escondido em São Paulo sob proteção da facção paulista.

Consultor privado em segurança, Ricardo Chilelli afirma que já investigou a joint-venture das duas facções criminosas. Segundo ele, os negócios do crime são lucrativos por vários motivos, quase todos vinculados ao tráfico do Paraguai. As armas usadas por cada grupo são diferentes por causa da topografia e das características gerais de cada cidade: nos morros cariocas, mais isolados, os criminosos usam as armas longas. Em São Paulo, as discretas são mais aplicadas.
— De cada dez armas trazidas do Paraguai, sete vão para o Rio, duas para São Paulo e uma para outros estados. Já com as armas curtas (de mão), são mais usadas em São Paulo. De cada dez curtas trazidas de fora, sete ficam em São Paulo, duas vão para o Rio e outra vai para outros estados — afirma.

Além disso, a maconha que abastece o Rio passa por São Paulo. Com o crack, a situação é diferente, segundo Chilelli.
— O crack é uma invenção que partiu há pouco de São Paulo para o Rio, que antes rechaçava essa droga. Mas o comando paulista mostrou a lucratividade para o comando carioca, que agora vende. E, com isso, muitas formas de atuação foram trocadas, como seqüestros por telefone e roubos de laptops.

Além disso, as granadas e os explosivos usados pelos paulistas saem da facção carioca.
— Granadas e explosivos partem do Rio por causa do acúmulo de paióis e quartéis e pelo número de especialistas na produção — afirma.

sábado, 20 de maio de 2006

A face secreta do PCC

http://www.congressoemfoco.com.br/Noticia.aspx?id=6368

Em depoimento na Câmara, autoridades policiais de SP revelam aspectos estarrecedores sobre a organização e admitem impotência para enfrentá-la

Sylvio Costa


Realização de conferência telefônica por celular para julgar uma pessoa, afinal condenada à morte e assassinada. Entrada de fuzil em presídio por meio do popular Sedex, da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Cobrança de contribuições mensais dos "sócios" (R$ 50 por mês de cada preso e R$ 550 de criminosos que se encontram em liberdade). Caixa para financiar roubos, seqüestros e outras ações violentas mediante concessão de empréstimos, pagos com juros e correção monetária. Fornecimento de "bolsas de estudo" a estudantes de Direito para futuramente defender "juridicamente" a organização.

Tudo isso, e muito mais, consta do relato feito no último dia 10 à CPI do Tráfico de Armas sobre o funcionamento e os métodos do poderoso Primeiro Comando da Capital (PCC). As fontes das informações: o diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) de São Paulo, Godofredo Bittencourt Filho, e Ruy Ferraz Fontes, delegado titular da 5ª Delegacia de Roubo a Banco do Deic.

A comissão, em funcionamento na Câmara dos Deputados, ouviu os dois em reunião reservada, no mesmo dia em que o ex-secretário do PT Silvio Pereira atraía as atenções gerais para um depoimento confuso e praticamente inútil à CPI dos Bingos. Enquanto isso, os delegados descreviam uma entidade criminosa com poder de fogo e grau de organização, em todos os aspectos, impressionantes.

Bem diferente do que costumam fazer em manifestações públicas, as autoridades policiais paulistas se mostraram impotentes diante da capacidade operacional e financeira do PCC. Queixaram-se da falta de cooperação das empresas operadores de celular. Usando com cuidado as palavras, criticaram a condescendência de alguns juízes em relação a líderes da organização. E, a todo tempo, ressaltaram a eficiência e o poder de expansão da maldita sigla de três letras.

"Está muito difícil desmontar essa estrutura"

Entre outras coisas, os delegados revelam a nacionalização do PCC. Segundo Ruy, o grupo ganhou força em Mato Grosso do Sul e também está presente no Distrito Federal e em pelo menos mais quatro estados, Paraná, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, onde é apoiado pelo Comando Vermelho.

Diz Godofredo: "O PCC é forte na capital, mas ele é apoiado em todo o Brasil, aonde vai. Virou realmente uma febre. Ser do PCC é bom negócio. Agora, veja bem, tamanha é a orientação referente a isso que muitas pessoas vão cometer o crime sem muitas vezes saber o que tem de fazer".

Para o diretor, o governo de São Paulo errou "quando pegou a liderança do PCC e os bandidos mais perigosos e redistribuiu-os pelo Brasil", porque propiciou a articulação do grupo com facções criminosas que atuam em outros estados.

Segundo Godofredo Bittencourt, o PCC tem efetivo controle sobre os 140 mil presos do estado de São Paulo, é apoiado por aproximadamente 500 mil pessoas fora da prisão, e está por trás dos quase cem casos de extorsão via celular ocorridos diariamente apenas na cidade de São Paulo. Ele acrescenta que mais de 70% da ações de extorsão praticadas com realização de seqüestro no estado "são comandadas dentro da cadeia".

Ambos descrevem Marcos Willians Herba Camacho, o Marcola, como líder inconteste da organização. O delegado Ruy conta que "ele pretende agora uma estrutura política; ou seja, ele está, digamos assim, trazendo gente que se interesse pela candidatura e apostando, investindo nessa gente para, evidentemente, tentar sua eleição". E prossegue:

"Eles formam, pagam pela formatura de pessoas nas escolas de Direito. Está lançado no livro, está escriturado em livro. Então, a organização é muito séria mesmo, e a tendência é crescer, porque a gente acaba não tendo como, não conseguindo atingir o objetivo principal que é desmontá-Ia, porque está muito difícil desmontar essa estrutura".

Ruy também confirma que "Marcola com certeza geriu a questão dos concursos públicos". Ou seja, patrocinou, inclusive por meio de fraudes (como compra de gabarito), a inscrição de candidatos em concursos públicos para funções de carreira em órgãos de segurança.

Godofredo narra episódio em que um bandido do Rio, que ficou escondido em São Paulo sob a proteção do PCC, debochou dos policiais por usarem pistolas quando ele e sua turma têm fuzis como armas pessoais. Mas enfatiza: "O celular dentro de cadeia é mais perigoso do que dez fuzis na rua".

Possível estopim

Não bastasse a importância das revelações feitas na reunião reservada, que os leitores do Congresso em Foco estão conhecendo em primeira mão, o encontro acabou se tornando - ele mesmo - parte da história da tenebrosa onda de violência deflagrada em São Paulo.

Ontem, um funcionário terceirizado da Câmara, o operador de aúdio Arthur Vinicius Silva, confessou publicamente que vendeu por R$ 200 dois CDs com a gravação integral (em áudio) dos depoimentos dos delegados. Dizendo-se arrependido, ele fala que o material foi comprado por Maria Cristina de Souza e Sérgio Wesley da Cunha, advogados de Marcola, o líder máximo do PCC.

Arthur, que já perdeu o emprego, conta: "Não tive conhecimento do que tratava o CD. Me ofereceram grana. A idéia do dinheiro me tentou. Infelizmente, não ganho bem. Fui corrompido". De acordo com o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), membro da CPI, o áudio comprado pelo PCC foi reproduzido em pelo menos 40 presídios paulistas.

O Congresso em Foco obteve cópia de 31 páginas de degravação que, conforme parlamentares presentes à sessão, reúnem a quase totalidade dos depoimentos prestados por Godofredo e Ruy. Nelas, não há qualquer referência à decisão do governo paulista de isolar os líderes da organização.

Integrantes da CPI difundiram ontem a versão, reproduzida por toda a imprensa, de que desse modo - isto é, por meio do áudio de R$ 200 - o PCC teria tomado conhecimento da operação planejada pelas autoridades.

A versão é duvidosa. Afinal, 765 presos ligados ao PCC foram transferidos para a penitenciária de Presidente Venceslau (620 km a oeste de São Paulo) na mesma quinta-feira (11) em que o áudio foi levado aos líderes da organização. A função da gravação foi, provavelmente, outra: motivar a organização a reagir, até como forma de intimidar autoridades que demonstraram no depoimento ter muitas informações sobre o seu funcionamento.

"O Godofredo me ligou e disse que não foi isso que gerou tudo, mas que pode ter ampliado ou multiplicado a reação do PCC", afirma Faria de Sá. Outro membro da CPI, o deputado Neucimar Fraga (PL-ES), completa: "A ligação entre o vazamento da gravação e a onda de violência é uma hipótese, mas uma hipótese que tem muita lógica. Na quarta-feira, os delegados de São Paulo saíram daqui por volta das cinco tarde depois de terem dado o depoimento. Na quinta-feira, o áudio da gravação estava sendo reproduzido nos presídios. Na sexta-feira à noite, começaram as rebeliões".

Outros trechos dos depoimentos

Quanto aos depoimentos de Godofredo Bittencourt e Ruy Ferraz, não se resumiram à parte gravada. Os deputados conversaram informalmente com eles antes e durante a sessão (que, para isso, foi suspensa por cinco minutos).

Nesses dois momentos, foram repassadas à CPI informações confidenciais a respeito de linhas de investigação perseguidas pela polícia de São Paulo. Entre os dados repassados à comissão, uma lista com 18 advogados vinculados ao PCC. Para os policiais, esses advogados ultrapassam em muito a mera defesa jurídica dos líderes do grupo, agindo como agentes de fato da organização.

Embora agora possa soar irônico, durante a reunião reservada, o presidente da comissão, deputado Moroni Torgan (PFL-CE), demonstrou grande preocupação em evitar vazamentos. No início da sessão, Godofredo chegou a telefonar para um policial que se encontrava do lado de fora da sala - onde faziam plantão dois advogados do PCC - para se certificar de que ninguém estava ouvindo o que se passava lá dentro.

Por três razões o Congresso em Foco teve convicção de que era seu dever levar a público o documento a que teve acesso, embora ele fosse protegido por sigilo. Primeiro, ele já havia chegado ao conhecimento do PCC. Segundo, porque julgamos ser do direito da sociedade ser informada sobre os fatos que ele traz à luz. Terceiro, porque entendemos que sua divulgação pode contribuir para o debate de ações governamentais mais efetivas, num momento em que as autoridades estaduais e federais se mostram incapazes de combater o crime organizado.

Veja aqui a degravação obtida pelo Congresso em Foco

Principais trechos da degravação

Colaborou Paulo Henrique Zarat
A face secreta do PCC

http://www.congressoemfoco.com.br/Noticia.aspx?id=6368

Em depoimento na Câmara, autoridades policiais de SP revelam aspectos estarrecedores sobre a organização e admitem impotência para enfrentá-la

Sylvio Costa


Realização de conferência telefônica por celular para julgar uma pessoa, afinal condenada à morte e assassinada. Entrada de fuzil em presídio por meio do popular Sedex, da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Cobrança de contribuições mensais dos "sócios" (R$ 50 por mês de cada preso e R$ 550 de criminosos que se encontram em liberdade). Caixa para financiar roubos, seqüestros e outras ações violentas mediante concessão de empréstimos, pagos com juros e correção monetária. Fornecimento de "bolsas de estudo" a estudantes de Direito para futuramente defender "juridicamente" a organização.

Tudo isso, e muito mais, consta do relato feito no último dia 10 à CPI do Tráfico de Armas sobre o funcionamento e os métodos do poderoso Primeiro Comando da Capital (PCC). As fontes das informações: o diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) de São Paulo, Godofredo Bittencourt Filho, e Ruy Ferraz Fontes, delegado titular da 5ª Delegacia de Roubo a Banco do Deic.

A comissão, em funcionamento na Câmara dos Deputados, ouviu os dois em reunião reservada, no mesmo dia em que o ex-secretário do PT Silvio Pereira atraía as atenções gerais para um depoimento confuso e praticamente inútil à CPI dos Bingos. Enquanto isso, os delegados descreviam uma entidade criminosa com poder de fogo e grau de organização, em todos os aspectos, impressionantes.

Bem diferente do que costumam fazer em manifestações públicas, as autoridades policiais paulistas se mostraram impotentes diante da capacidade operacional e financeira do PCC. Queixaram-se da falta de cooperação das empresas operadores de celular. Usando com cuidado as palavras, criticaram a condescendência de alguns juízes em relação a líderes da organização. E, a todo tempo, ressaltaram a eficiência e o poder de expansão da maldita sigla de três letras.

"Está muito difícil desmontar essa estrutura"

Entre outras coisas, os delegados revelam a nacionalização do PCC. Segundo Ruy, o grupo ganhou força em Mato Grosso do Sul e também está presente no Distrito Federal e em pelo menos mais quatro estados, Paraná, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, onde é apoiado pelo Comando Vermelho.

Diz Godofredo: "O PCC é forte na capital, mas ele é apoiado em todo o Brasil, aonde vai. Virou realmente uma febre. Ser do PCC é bom negócio. Agora, veja bem, tamanha é a orientação referente a isso que muitas pessoas vão cometer o crime sem muitas vezes saber o que tem de fazer".

Para o diretor, o governo de São Paulo errou "quando pegou a liderança do PCC e os bandidos mais perigosos e redistribuiu-os pelo Brasil", porque propiciou a articulação do grupo com facções criminosas que atuam em outros estados.

Segundo Godofredo Bittencourt, o PCC tem efetivo controle sobre os 140 mil presos do estado de São Paulo, é apoiado por aproximadamente 500 mil pessoas fora da prisão, e está por trás dos quase cem casos de extorsão via celular ocorridos diariamente apenas na cidade de São Paulo. Ele acrescenta que mais de 70% da ações de extorsão praticadas com realização de seqüestro no estado "são comandadas dentro da cadeia".

Ambos descrevem Marcos Willians Herba Camacho, o Marcola, como líder inconteste da organização. O delegado Ruy conta que "ele pretende agora uma estrutura política; ou seja, ele está, digamos assim, trazendo gente que se interesse pela candidatura e apostando, investindo nessa gente para, evidentemente, tentar sua eleição". E prossegue:

"Eles formam, pagam pela formatura de pessoas nas escolas de Direito. Está lançado no livro, está escriturado em livro. Então, a organização é muito séria mesmo, e a tendência é crescer, porque a gente acaba não tendo como, não conseguindo atingir o objetivo principal que é desmontá-Ia, porque está muito difícil desmontar essa estrutura".

Ruy também confirma que "Marcola com certeza geriu a questão dos concursos públicos". Ou seja, patrocinou, inclusive por meio de fraudes (como compra de gabarito), a inscrição de candidatos em concursos públicos para funções de carreira em órgãos de segurança.

Godofredo narra episódio em que um bandido do Rio, que ficou escondido em São Paulo sob a proteção do PCC, debochou dos policiais por usarem pistolas quando ele e sua turma têm fuzis como armas pessoais. Mas enfatiza: "O celular dentro de cadeia é mais perigoso do que dez fuzis na rua".

Possível estopim

Não bastasse a importância das revelações feitas na reunião reservada, que os leitores do Congresso em Foco estão conhecendo em primeira mão, o encontro acabou se tornando - ele mesmo - parte da história da tenebrosa onda de violência deflagrada em São Paulo.

Ontem, um funcionário terceirizado da Câmara, o operador de aúdio Arthur Vinicius Silva, confessou publicamente que vendeu por R$ 200 dois CDs com a gravação integral (em áudio) dos depoimentos dos delegados. Dizendo-se arrependido, ele fala que o material foi comprado por Maria Cristina de Souza e Sérgio Wesley da Cunha, advogados de Marcola, o líder máximo do PCC.

Arthur, que já perdeu o emprego, conta: "Não tive conhecimento do que tratava o CD. Me ofereceram grana. A idéia do dinheiro me tentou. Infelizmente, não ganho bem. Fui corrompido". De acordo com o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), membro da CPI, o áudio comprado pelo PCC foi reproduzido em pelo menos 40 presídios paulistas.

O Congresso em Foco obteve cópia de 31 páginas de degravação que, conforme parlamentares presentes à sessão, reúnem a quase totalidade dos depoimentos prestados por Godofredo e Ruy. Nelas, não há qualquer referência à decisão do governo paulista de isolar os líderes da organização.

Integrantes da CPI difundiram ontem a versão, reproduzida por toda a imprensa, de que desse modo - isto é, por meio do áudio de R$ 200 - o PCC teria tomado conhecimento da operação planejada pelas autoridades.

A versão é duvidosa. Afinal, 765 presos ligados ao PCC foram transferidos para a penitenciária de Presidente Venceslau (620 km a oeste de São Paulo) na mesma quinta-feira (11) em que o áudio foi levado aos líderes da organização. A função da gravação foi, provavelmente, outra: motivar a organização a reagir, até como forma de intimidar autoridades que demonstraram no depoimento ter muitas informações sobre o seu funcionamento.

"O Godofredo me ligou e disse que não foi isso que gerou tudo, mas que pode ter ampliado ou multiplicado a reação do PCC", afirma Faria de Sá. Outro membro da CPI, o deputado Neucimar Fraga (PL-ES), completa: "A ligação entre o vazamento da gravação e a onda de violência é uma hipótese, mas uma hipótese que tem muita lógica. Na quarta-feira, os delegados de São Paulo saíram daqui por volta das cinco tarde depois de terem dado o depoimento. Na quinta-feira, o áudio da gravação estava sendo reproduzido nos presídios. Na sexta-feira à noite, começaram as rebeliões".

Outros trechos dos depoimentos

Quanto aos depoimentos de Godofredo Bittencourt e Ruy Ferraz, não se resumiram à parte gravada. Os deputados conversaram informalmente com eles antes e durante a sessão (que, para isso, foi suspensa por cinco minutos).

Nesses dois momentos, foram repassadas à CPI informações confidenciais a respeito de linhas de investigação perseguidas pela polícia de São Paulo. Entre os dados repassados à comissão, uma lista com 18 advogados vinculados ao PCC. Para os policiais, esses advogados ultrapassam em muito a mera defesa jurídica dos líderes do grupo, agindo como agentes de fato da organização.

Embora agora possa soar irônico, durante a reunião reservada, o presidente da comissão, deputado Moroni Torgan (PFL-CE), demonstrou grande preocupação em evitar vazamentos. No início da sessão, Godofredo chegou a telefonar para um policial que se encontrava do lado de fora da sala - onde faziam plantão dois advogados do PCC - para se certificar de que ninguém estava ouvindo o que se passava lá dentro.

Por três razões o Congresso em Foco teve convicção de que era seu dever levar a público o documento a que teve acesso, embora ele fosse protegido por sigilo. Primeiro, ele já havia chegado ao conhecimento do PCC. Segundo, porque julgamos ser do direito da sociedade ser informada sobre os fatos que ele traz à luz. Terceiro, porque entendemos que sua divulgação pode contribuir para o debate de ações governamentais mais efetivas, num momento em que as autoridades estaduais e federais se mostram incapazes de combater o crime organizado.

Veja aqui a degravação obtida pelo Congresso em Foco

Principais trechos da degravação

Colaborou Paulo Henrique Zarat
Principais trechos da degravação

http://www.congressoemfoco.com.br/Noticia.aspx?id=6370


A FORÇA DO CELULAR

Godofredo Bittencourt Filho, diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado de São Paulo (Deic-SP):
"Na realidade, hoje uma das armas que mais preocupam a polícia no combate ao crime organizado, obviamente não letal, é uma arma que se chama celular. O celular dentro de cadeia é mais perigoso do que dez fuzis na rua. Vou deixar bem claro para o senhor: um celular é mais perigoso do que dez fuzis na rua. Nós fizemos recentemente uma prisão em São Paulo de três pessoas especialistas só em clonar telefone para bandido. Os telefones são danados, 30, 40, 50, 60, 100 telefones, e distribuídos nas cadeias. Nós estamos cansados de ver a imprensa do Estado mostrar bandidos fotografando, inclusive o Sr. Marcola, com um telefone celular, tirando fotografia dentro da cadeia. Os senhores devem ter visto isso na imprensa escrita, está certo? Nós temos uma luta muito grande com as operadoras para que isso não venha a acontecer. Não estamos conseguindo êxito nisso. Estamos reclamando. Enquanto existir essa facilidade de o celular entrar na cadeia, eles vão se comunicar, conversar, falar e dar ordens. Para os senhores terem uma idéia, os seqüestros, as extorsões mediante seqüestro em São Paulo, mais de 70% são comandadas dentro da cadeia. O bandido tem o seu braço fora da cadeia. Ele faz, ele fica sabendo quem é o alvo de que ele precisa, fala com os ... dá ordens, conversa, faz e até orienta a negociação. Então, tudo de dentro da cadeia, e você não consegue chegar à identificação, porque o celular é trocado em dois ou três dias, o chip dele, e vai fora. Há uma necessidade realmente de nós pararmos com o celular. Isso é um fato muito preocupante. Se conseguirmos fazer isso, vamos quebrar a perna de todo criminoso".
"(...) Discutimos ontem, numa reunião com o pessoal da Secretaria Penitenciária, a dificuldade, dentro da lei, que eles têm de fazer até as revistas que são feitas. E as famílias e até advogados levam isso realmente para o preso, e o preso tem, na realidade, um comando lá dentro. Senhores, São Paulo tem 140 mil presos. São 140 mil homens do PCC dentro da cadeia e 500 mil ou mais familiares fora. Eles estão hoje programando inclusive para fazer eleições de políticos, está certo? Então, isso nos preocupa muito. Seria muito importante que essa arma perigosa que é o celular se conseguisse fazer com que as operadoras a bloqueassem e eles não conseguissem entrar mais".

CRÍTICAS ÀS OPERADORAS DE CELULAR

Godofredo:
"Você se reúne com as operadoras e a cada momento a operadora alega legislação, alega tecnologia, dificuldades, está certo? Não estamos conseguindo, na realidade. Nesta semana nós estamos tentando fazer uma reunião novamente com todas elas, tentando fazer uma pressão em cima delas, porque o governo dá a concessão, e acho eu que ele tem condições de fazer que na legislação a operadora cumpra isso, mas está na mão dela. E, pior que isso, neste caso que está aqui nós temos envolvimento de pessoas dentro da operadora. Então, aqui nós prendemos o pessoal na rua que faz e a pessoa de dentro da operadora que dá o (ininteligível), quer dizer, o número do seu rádio para ser clonado".

Delegado Ruy Ferraz Fontes, titular da 5ª Delegacia de Roubo a Banco do Deic:
"Para sugestão: exigir da operadora - isso já passou da hora - que ela agregue tecnologia ao seu sistema para que forneça à polícia, no telefone interceptado, a localização desse telefone. Eles fornecem esse serviço comercialmente. Eles têm a possibilidade de oferecer esse serviço comercialmente e oferecer para a polícia prender o seqüestrador que está com o sujeito no cativeiro, e eles não dão. Eles dizem assim: "Olhe, está aqui na área da estação rádio base nQ 10", que que agrega 5 quilômetros de distância! Como é que nós vamos achá-Ia dentro de São Paulo, com uma população de 15 milhões de habitantes, em 5 quilômetros?"

Deputado Moroni Torgan: "Na verdade, era para haver alguém da polícia em cada operadora dessas, para..."

Delegado Ruy: "... para fazer a representação. Eu acho que seria excelente se acontecesse um negócio desses. (...) Nós pegamos três celulares cadastrados com nome de ltamar Franco! Isso é uma gozação. E numa mesma operação. Ele ligava lá e dizia: "Itamar Franco, rua 12, nQ 4".

GOVERNO DE SÃO PAULO ERROU

Godofredo:
"Houve uma época em que o governo do estado cometeu um erro, quando pegou a liderança do PCC e os bandidos mais perigosos e redistribuiu-os pelo Brasil, entre Brasília, Rio Grande do Sul e outros estados, como Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Bahia. Então, isso, na realidade, acabou fazendo um acasalamento, está certo? E todo estado tem, de certa maneira ou de outra, alguma organização criminosa que se protege. Então, o Comando Vermelho, por exemplo, começou a ter muito contato com o PCC, a ponto até de liberar por si droga no Rio para que o PCC pudesse até explorar em briga de ponto de droga. Então, na realidade, o PCC é forte na capital, mas ele é apoiado em todo o Brasil, aonde vai. Virou realmente uma febre. Ser do PCC é bom negócio. Agora, veja bem, tamanha é a orientação referente a isso que muitas pessoas vão cometer o crime sem muitas vezes saber o que tem de fazer. Se não vai, morre. Nós prendemos há tempos atrás um tesoureiro do PCC, o Dr. Ruy prendeu, ficou, em seguida mataram-no, em questão de dez ou 15 dias. Não é isso? Mataram-no porque ele não interessava mais".

EXTORSÕES VIA CELULAR

Godofredo:
"Criam uma situação de... uma sensação de insegurança. E a cada momento, pela dinâmica do próprio crime, eles vão inventando uma coisa; a última que inventaram no Rio de Janeiro foi da seguinte maneira. Atendemos pessoalmente a vítima em São Paulo: ele ligou, o sujeito pagou R$ 1 mil; ligou de novo, e com medo de seqüestrar alguém da família, ele pagou o segundo R$ 1 mil; na terceira, o sujeito foi nos procurar e lhe dissemos: 'Não faça. Não adianta. Pare.' Aí veio a ligação. O sujeito disse para ele: 'Olhe, o senhor por duas vezes pagou, fez um depósito aqui para nós, para o meu traficante aqui. Eu estou com um jornalista aqui que está sabendo da história. Se você não pagar, nós vamos colocar, porque tem uma prova de depósito, como uma associação ao tráfico de drogas.' E o cara continuou pagando, está certo? Então, o senhor vê: 100 ligações dessas chegam a São Paulo quase que por dia. Hoje já diminuiu, porque nós fomos à televisão e informamos que não se faça, que não aconteça. Deu para entender? Mas ninguém está preparado para receber esse tipo de telefonema e ter a firmeza de segurar e não tomar nenhuma providência".

FRAUDES EM CONCURSOS PÚBLICOS

Deputado Paulo Pimenta (PT-RS), relator da CPI:
"Delegado, não sei se os senhores chegaram a acompanhar: a Polícia do Distrito Federal, junto com a Polícia Federal, desbaratou uma quadrilha que era especializada em fraude de concursos públicos, e naquele concurso para agente penitenciário federal ficou absolutamente claro - não sei se os senhores chegaram a ter acesso a esse material - que havia ligações de São Paulo, do Rio de Janeiro, para esse grupo de Brasília, que fraudava o concurso no intuito de fazer com que pessoas ligadas ao PCC tivessem acesso prévio ao gabarito. Foram mais de 90 prisões em cinco estados. Então, isso aí, no meu ponto de vista, está ramificado em todas as esferas da instituição. Nesse caso do concurso, eu não tenho nenhuma dúvida de que eles tinham a clara intenção de garantir a presença de um número significativo de pessoas entre os aprovados no cargo de agente penitenciário federal, da carreira nova que estava sendo criada, não é?"

Ruy Ferraz:
"Ele [Marcola] com certeza geriu a questão dos concursos públicos. Eles formam, pagam pela formatura de pessoas nas escolas de Direito. Está lançado no livro, está escriturado em livro. Então, a organização é muito séria mesmo, e a tendência é crescer, porque a gente acaba não tendo como, não conseguindo atingir o objetivo principal que é desmontá-Ia, porque está muito difícil desmontar essa estrutura".

CONDENAÇÃO À MORTE EM CONFERÊNCIA TELEFÔNICA

Delegado Ruy Ferraz:
"Eu gostaria, para ilustrar, de fazer primeiro uma observação: nós temos gravada uma conferência de chamadas entre 12 presos - esses 12 presos pertenciam na ocasião à alta hierarquia do PCC - decidindo sobre a vida de um indivíduo que já estava retido e custodiado com alguns criminosos em São Vicente; nós não sabemos exatamente onde, mas em São Vicente. Eles julgaram, através da conferência de chamada, esse camarada, condenaram esse sujeito à morte, e ouviram os tiros que mataram esse sujeito. Isso está gravado, para demonstrar a arma eficiente que é o telefone celular".
"(...) Então, eu quero demonstrar o quão é difícil para a gente acompanhar uma situação dessas, a gente enfrentar duas crises: a primeira porque tem gente em conferência de chamada decidindo sobre a vida de alguém, ainda que um criminoso, tá? Decidindo sobre a vida de alguém. A nº 2: a operadora não nos dá condição de identificar o local de onde está partindo a chamada para a gente tentar salvar a vida do cidadão. Não conseguimos! O cidadão foi efetivamente morto. O corpo dele desapareceu no mangue de São Vicente, e até hoje nós não encontramos o cadáver. Isso faz parte de uma investigação sobre o PCC. Isso foi gravado. Encontra-se gravado e juntado num dos 12 inquéritos policiais sobre o PCC. Isso para demonstrar o quanto é fatal a presença do telefone celular dentro da cadeia. Isso é um exemplo".

A ORGANIZAÇÃO FINANCEIRA DO PCC

Ruy Ferraz:
"É assim. Já vou dizer de cara o que está acontecendo e que muito assustou a gente também. Logo depois que eu estive na CPI, no ano passado, nós desencadeamos uma operação em cima do PCC, e nós descobrimos que eles tinham um tesoureiro central. Hoje eles mudaram a tática. Eu vou explicar qual a tática atual. Mas, naquele caso passado, coisa de oito meses ou um ano atrás, nós descobrimos que eles tinham um tesoureiro central. Nós conseguimos interceptar o número do tesoureiro. Ele fazia toda a arrecadação, ele escriturava esse livro, todas as entradas e saídas. O livro está apreendido. Nós achamos o livro. Achamos R$ 157 mil que também faziam parte daquela entrada daquele dia, no dia que nós desencadeamos a ação, e isso também está apreendido. Nós prendemos em torno de 20 pessoas e apreendemos o maior arsenal que o PCC tinha, que estava discriminado, em parte, no livro, como arsenal do PCC. Isso é manuscrito. O grafotécnico foi positivo para o tesoureiro, que já morreu, mas nós colhemos o material e deu positivo. Todo o arsenal que nós apreendemos, e que aparece numa fotografia que está encadernada aqui, foi apreendido com esse grupo. A organização de entrada e saída de dinheiro deles é uma coisa absurda! Eles arrecadam do tráfico. Eles têm diversos pontos de venda de entorpecentes, e arrecadam desses pontos de venda. Eles arrecadam dos sócios ou dos associados que estão na rua R$ 550 e arrecadam R$ 50 de quem está dentro da cadeia. Todo esse dinheiro, na época dessa prisão, oito meses atrás, gerava uma receita bruta mensal de R$ 750 mil. Está lançada lá essa somatória, está lançada lá, por mês, era a média, às vezes R$ 750, às vezes R$ 600. O que eles faziam? Parte do dinheiro eles destinavam a empréstimo a grupos que pertenciam ao PCC, para que eles investissem na prática do crime. Estava lá lançado assim: fulano de tal vai fazer um roubo; ele precisa de R$ 20 mil. Eles faziam um empréstimo para o cara de R$ 20 mil; aí ele fazia o roubo e devolvia com juros e correção monetária para o caixa do PCC. Isso era lançado também na devolução. E ele dava as saídas: pagamento de ônibus das visitas, o quanto era pago de ônibus das visitas, compra de armas, e vinha lançado lá qual a arma comprada, quanto foi pago por aquela arma e onde está a arma custodiada, com quem, em nome de quem a arma está custodiada, e assim por diante. Eles centralizaram tudo nesse camarada!"

A TESOURARIA ATUAL

Ruy:
"Ele [Marcola] funciona assim: ele é o principal líder e ele elegeu um representante em cada região de São Paulo. Cada representante tem poder sobre aquela região. E dentro da capital, ele dividiu a capital em quatro áreas de influência, está certo? É sul, norte, leste, oeste. E tem um representante em cada área, que determina tudo o que acontece ali. Determina de quem ou como é que vão ser comercializados entorpecentes. Quando o crime é cometido, qual é a parte que cabe ao PCC - tem que ser entregue uma parte que cabe ao PCC. E cada um deles é encarregado da tesouraria, de fazer a arrecadação. Antigamente, era um tesoureiro central; hoje são 4 tesoureiros, 4 ou 5 tesoureiros, para que a polícia não consiga atingir, como atingiu a tesouraria no passado, de uma vez só, centralizada. Ele descentralizou isso daí. Ele repassa a ordem através de quem os visita. Nunca por telefone celular. Nunca. Se ele for pego talando em telefone celular, ele é pego falando bobagem, coisas triviais. A ordem é repassada ou através da visita ou através do advogado.

A ECT E O TRANSPORTE DE ARMAS

Ruy Ferraz:
"Eles tentaram fazer o ingresso de armas pesadas em presidiárias, e fizeram a tentativa através do Correio. Eles depositaram as armas no Sedex, em grandes caixas, e só foi descoberto por acaso, porque o Sedex chegou a entrar na cadeia, e um fuzil muito pesado rompeu o fundo da caixa e caiu; foi assim que a segurança do presídio percebeu que o conteúdo das caixas do Sedex eram armas. Eles colocaram recentemente 60 televisores que foram adquiridos em Avaré, provavelmente com dinheiro do partido, do PCC, e o Correio foi que se encarregou de introduzir no presídio os televisores.

TELEVISORES E UNIFORMES

Paulo Pimenta:
"Sessenta televisores?"

Ruy:
"Sessenta televisores de uma vez".

Paulo Pimenta:
"Para o pessoal assistir à Copa'.

Ruy:
"É, justamente, é para isso mesmo, é para o pessoal assistir à Copa".

Godofredo:
"Trocaram até as cores do .uniforme. Não estavam contentes com as cores do uniforme; então, eles pediram a troca do uniforme laranja. Passou a ser agora cinza.

Ruy:
"Eles achavam que a cor laranja era muito rotuladora, expunha muito.

FUZIS CONTRA PISTOLAS

Godofredo:
"Vou contar uma história para o senhor: durante três ou quatro anos, o Rio de Janeiro vem procurando Robinho Pinga, famoso traficante do Rio de Janeiro. (...) Ele ficou dois ou três anos em São Paulo, de uma certa forma acobertado pelo PCC, de uma maneira ou de outra, e quando ele entrou na minha sala tinha uma pistola no canto, e ele disse: "Os senhores ainda esta o usando essa pistolinha? No Rio de Janeiro só usamos fuzil, não existe mais pistolínha." Era uma 40, que é a arma oficial nossa. Ele riu na cara de todo o mundo e disse: "Isso aí a gente não usa mais lá. Lá só usa fuzil". E ele ficou dois anos escondido! Nós tivemos que fazer um trabalho para poder pegá-Io, mas de uma certa maneira acobertado pelo pessoal do PCC".

A ATITUDE DE ALGUNS JUÍZES

Delegado Ruy:
"(...) Quem foi preso na época, junto? A mulher de Marcola, Cíntia. Por que é que ela foi presa? Por que nós prendemos essa moça? Porque ela vinha ao telefone, ela falava com os presos, os principais líderes do PCC, dando recados de Marcola (...) Aí o pessoal que ficava na cadeia determinava que se fizesse depósito na conta dela. Noventa mil reais foram depositados na conta dela em seis meses, para que ela gastasse com quê? Com os gastos pessoais e viagens que ela fazia para visitar Marcola. Os R$ 90 mil ou vinham de depósitos não identificados em dinheiro ou vinham de contas que depois descobrimos que eram laranjas. Está dentro da conta da irmã dela, que ela usava. Isso foi gravado, e as contas foram monitoradas, e devidamente instruído o processo. Vinte e tantas pessoas presas. O armamento, eu não consigo lembrar quantas armas foram apreendidas; foi muito maior que essa apreensão que nós fizemos agora. Surpreendentemente, todos estão presos até hoje, menos Cíntia. Cíntia foi solta logo em seguida. (...) Hoje ela se encontra morando em Avaré e ajudou nessa operação que quase culminou com o resgate de Marcola".

Deputado Paulo Pimenta:
"Esse caso de Cíntia, doutor? Por que ela está solta?"

Ruy:
"Não sei informar. Para mim foi uma surpresa. Foi uma surpresa. (...) Houve um relaxamento da prisão na fase do processo. (...) Na esfera judicial".

Deputado Paulo Pimenta:
"Tínhamos de ouvir é o juiz que relaxou essa prisão. Esse, sim, vale a pena ouvir".

Ruy:
"Recentemente, de forma equivocada, um juiz que estava julgando Marcola como participante do crime organizado, do PCC, absolveu Marcola, dizendo que não havia nos autos prova suficiente de que ele participaria. Mas fez isso de forma equivocada, porque o Ministério Público recorreu e apontou onde estavam os equívocos que o juiz tinha cometido na sentença. Está em grau de recurso. Mas ele absolveu. Absolveu assim, desconsiderando todas as provas que existiam nos autos".

PCC NA POLÍTICA

Moroni Torgan:
"Eu ouvi falar também que o PCC está organizando-se para entrar na política. É verdade isso?"

Ruy:
"É. A gente já tem algumas informações de que eles estão investindo em algumas pessoas que têm interesse numa carreira política, para que façam ou promovam a candidatura e a tentativa de eleição".

Godofredo:
"Houve um, no passado, que nós prendemos a dois meses da eleição, Anselmo..."

Ruy:
"É um advogado chamado Anselmo. Eu não lembro o sobrenome dele. Ficou dois anos preso, e era candidato a deputado federal".

Moroni:
"O PCC hoje controla o quê? Cento e quarenta mil presos? É isso?

Ruy:
"Com toda a certeza. Ou é do PCC ou morre".

Ruy Ferraz:
"(...) o principal responsável político por isso é o próprio Marcola. É um camarada que se dedica à leitura de todo o aparato leninista; todos os livros relacionados com Lenin e Trotsky ele leu e fazem parte da biblioteca dele. O livro de cabeceira dele é Arte da Guerra. Eu tenho a cópia da dedicatória que a namorada fez para ele no livro que deu de presente, eu tenho a cópia da dedicatória, eu xerocopiei do livro dele mesmo. E ele é que bolou toda essa estrutura e a descentralização de tesouraria para evitar que a polícia pudesse atingir, foi ele quem fez, foi ele quem bolou tudo, essa estrutura foi ele quem bolou. E ele pretende agora uma estrutura política; ou seja, ele está, digamos assim, trazendo gente que se interesse pela candidatura e apostando, investindo nessa gente para, evidentemente, tentar sua eleição. Nós estamos tentando identificar quem são essas pessoas".

OS ADVOGADOS DO PCC

Ruy Ferraz:
"Para os senhores terem uma idéia, prendi um advogado dentro do parlatório de Avaré traçando um plano de morte de diversas pessoas com Marcola. O advogado está condenado como integrante do PCC, porque estava traçando esses planos com Marcola. Eles foram filmados e gravados. Isso fez parte da prova contra o advogado. Só que não pude indiciar Marcola, porque Marcola já estava indiciado nesse caso anterior. E Marcola foi absolvido no caso anterior porque surgiu uma discrepância. O advogado, posteriormente, que conversou com ele, está condenado, e Marcola, porque estava indiciado no caso anterior, foi absolvido! É algo maluco. Por isso é que o advogado adota esse tipo de postura que os senhores viram agora aqui. Ele acha que pode mandar".

QUEM É MARCOLA

Ruy:
"Marcola hoje tem 35 anos de idade. O nome dele é Marco Willians Herbas Camacho. Ele vem de uma família criada no bairro do Glicério, entre Glicério e Mooca, em São Paulo. Aos 18 anos ele já foi preso por roubo a banco. Voltou para rua e se especializou no crime a tal ponto de praticar um roubo contra a empresa Transbank, que é uma empresa transportadora de valores. Ele seqüestrou a família de um gerente da Transbank, conseguiu ingressar na empresa, e na época, em 1996, conseguiu subtrair R$ 9 milhões da empresa, ele e irmão, JúnÍor, e algumas outras pessoas que também foram presas. Ele mudou para o Paraguai, morou no Paraguai durante um ano, mais ou menos, mas só que conseguimos provas contra ele, conseguimos a prisão preventiva dele, nós da delegacia mesmo, pelo roubo da Transbank. Ele voltou do Paraguai de carro, em 1997, no carro do sócio dele nos roubos, cuja alcunha era Sócio. Hoje esse sujeito já faleceu. Por um incidente, passávamos pela Marginal Tietê, vimos um carro que era muito estranho à época, em 1997, um Dodge Stratus, era incomum, e nós vimos que era Marcola que estava dirigindo, que estava chegando do Paraguai, e conseguimos prendê-Io. Desde então ele está preso. Isso aconteceu em 1999, 2000 mais ou menos, se não me engano, mas quando esteve preso, no começo da carreira criminosa, ele esteve no Piranhão; em Taubaté, onde se formou o PCC. Ali conseguiu agregar-se à ideologia daquelas pessoas que estavam em Taubaté, e simpatizou com essa ideologia. A partir de então, ele começou a estudar diversas, digamos assim, questões políticas, sejam do Brasil, sejam do exterior, e se tomou um letrado na área; leu mais de 3 mil livros, que ingressaram nesses últimos sete anos no presídio. E os livros, naturalmente eram uns livros de Esquerda. Ele optou pela leitura dos livros de Esquerda, principalmente Lenin, Trotsky, Marx, Karl Marx..."

Godofredo:
"Nós tivemos situações que estavam invadindo presídio, invadindo delegacias e tudo o mais. Eu mandei buscá-Io pra gente poder... tinha que ser indiciado e ter uma conversa meio de homem pra homem, dizendo pra ele que nós... que já tinham morrido dez pessoas do lado dele e da polícia tinham morrido só duas. Até quando ia morrer jovem pra poder satisfazer essa liderança dele? Ele falou: "O senhor, quando fala na televisão, o senhor representa o governo; eu sou o líder do PCC, pô, então, somos duas lideranças, entende?" E o que está acontecendo? Aí, ele tinha umas reclamações de piloto que nós tínhamos feito, entendeu? Que ele achava que estava injustamente, teria ido para um regime especial, coisa e tal, pá, pá, pá, entende? Aí ele falou: "Eu gostaria só que constasse um depoimento meu nesse caso, que eu sou contra essas invasões'. Aí, nós tomamos o depoimento dele e... (...) Parou. (...) Naquele dia, não teve nem mais nenhuma invasão em nenhuma cadeia, nem nada, ao longo de um certo período. (...) Uma palavra dele, somente. Ele te encara. Ele fala. E realmente ele é uma liderança".



ATUALIZADA EM:18/05/2006