quinta-feira, 17 de maio de 2007

O judiciário, o direito e a opressão

O juiz deveria ter mandado os procuradores da USP resolverem a questão social, pois a ocupação do prédio é apenas um meio de pressão. Não temos interesse em adquirir a propriedade do prédio da reitoria. Queremos os direitos que reivindicamos. Mas não, deu a reintegração e tentou reduzir todos os problemas a uma violação do direito de propriedade.

A decisão de reintegração de posse dada pelo juiz contra os alunos da USP que ocuparam a reitoria é coerente. Ela está de acordo com o papel do judiciário dentro da estrutura de dominação do sistema vigente.

É um órgão de controle que tem por finalidade reduzir questões complexas e problemas sociais a violações de institutos jurídicos.

Institutos jurídicos que foram criados e arquitetados pelos grupos dominantes como um meio de se auto-protegerem dos ataques da coletividade contra a sua tirania e opressão

Nós pedimos assistência estudantil, refomas nas unidades universitárias, contratação de professores e a manutenção da autonomia universitária e o sistema nos responde dando reintegração de posse. Querem usar a reintegração de posse para não concederem direitos, para continuarem oprimindo e excluindo.

Isso não acontece só aqui, com essa ocupação. Isso acontece com todos os movimentos sociais que tentam usar algum meio de pressão para alcançar os direitos que pleiteiam. Inclusive já tiraram dos movimentos sociais quaisquer capacidade efetiva de pressão para torná-los inócuos e inofensivo. É por isso que eu defendo que todos os movimentos sociais devam ter um braço armado. Não para utilizarem, mas terem capacidade de barganha e pressão.

O juiz deveria ter mandado os procuradores da USP resolverem a questão social, pois a ocupação do prédio é apenas um meio de pressão. Não temos interesse em adquirir a propriedade do prédio da reitoria. Queremos os direitos que reivindicamos. Mas não, deu a reintegração e tentou reduzir todos os problemas a uma violação do direito de propriedade.

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O Direito na visão Marxista

O marxismo não considera o direito como uma categoria ideal, objetiva, normativa ou metafísica, nem mesmo autônoma. Para o marxismo não existe filosofia ou ciência do direito, porque o jurídico não encontra explicação em si mesmo. O direito só pode ser compreendido através da análise da realidade econômico-social de uma coletividade em determinada época da história.

O que se chama "normatividade" do direito não passa de ser um reflexo das condições de vida material da sociedade, uma forma que recobre o conflito que existe em toda sociedade de classes, entre o modo de produção e as forças de produção. A luta de classes é o verdadeiro motor que impulsiona a formação do direito.

O direito não evolui nunca, o que evolui é o modo de produção social, não se podendo falar em evolução do direito romano, medieval ou moderno, mas tão-somente em sistemas diversos de propriedade: escravidão, servidão, capitalismo. As transformações sociais sempre foram seguidas servilmente pelas transformações do direito.

Todas as divergências doutrinárias entre juristas pouco adiantam à humanidade no caminho de uma justiça perfeita, porque esta só será conseguida numa sociedade sem classes, que o proletariado irá instaurar de futuro, e também porque essas discussões não afetam a infra-estrutura social, não passam de ser ideologia de um regime de produção. Não se pode descrever uma história do direito ou fazer direito comparado, porque o direito não é norma mas apenas relação entre forças de produção antagônicas. O conteúdo do direito nunca é "jurídico", mas econômico, político ou social.

O direito é sempre uma forma desse conteúdo e inexplicável sem ele. É uma forma de opressão socialmente organizada, que se revela com toda clareza nos choques entre classes que pretendem o poder. É a ideologia da classe dominante, sem nenhum valor transcendental. É a forma de impor a uma sociedade um determinado modo de produção. Não existe justiça que não seja de classe, porque a fonte de todo direito é a vontade da classe dominante.

Essa vontade também não é livre, mas submetida ao jogo dialético das forças sociais. Uma classe quando toma o poder, usa da violência para instituir o seu direito, mas esse uso não é arbitrário, mas condicionado e determinado por imposições da própria realidade social, e esse direito assim instituído não é obedecido pela maioria por ser mais "justo" que o interior, mas porque reflete uma nova e mais adiantada acomodação entre as classes sociais.

Só há um momento em que o direito representa os interesses de toda a sociedade: é quando a classe revolucionária toma o poder. Mas logo depois da tomada do poder, tanto pela burguesia como pelo proletariado, o direito retoma o seu caráter classista. Só na sociedade socialista do futuro é que desaparecerão tanto o Direito como o Estado, passando a haver apenas uma administração ou governo das coisas. Direito e Estado surgiram quando a sociedade se dividiu em classes e desaparecerão com a extinção delas.

A ditadura do proletariado, na revolução socialista, é apenas uma fase transitória que serve ao proletariado para fortalecer o seu domínio, mas como ele irá instituir a sociedade sem classes, não terá mais razão de ser a existência do Direito e do Estado, que sempre serviram de instrumento de exploração de uma classe contra outra, e sendo ele a maioria da nova sociedade, não irá explorar a si mesmo.

Não tem sentido a discussão sobre Estado de Polícia e Estado de Direito na sociedade burguesa, porque nesta todo estado é Estado de Polícia. Direito e Estado se identificam de forma absoluta, um não sobrevive ao outro, não há distinção cronológica entre eles.

Pode haver sociedade sem Estado, mas este só surge onde existe divisão de classes. Juízes, tribunais, corpos legislativos e métodos de interpretação da lei, não passam de instrumentos da classe dominante, estão a seu serviço, sendo ilusórias todas as chamadas "técnicas jurídicas" de aplicação do direito e todas as "garantias" de permanência no cargo para as pessoas encarregadas de aplicá-lo.

B. - K. Stoyanovitch, La pensée marxiste et le droit, Presses Universitaires de France. Paris, 1974.
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Justiça de Classe

In: Enciclopédia Jurídica Leib Soibelman

Para os marxistas, toda justiça é justiça de classe, toda a maquinaria judicial existe em função de defender os interesses de uma classe, evidentemente a classe dominante, a que detém os instrumentos de produção. Segundo eles ainda, a classe dominante trata de generalizar para toda a sociedade o seu conceito do "justo", ocultando atrás desse conceito assim universalizado os seus interesses ideológicos.

Se considerarmos que o direito é normalmente acatado, razão pela qual o número de litígios levados aos tribunais é infinitamente pequeno em razão da proporção de negócios que se fazem diariamente numa nação, o que concluiremos? Simplesmente que o aparelho judiciário existe para funcionar a serviço da classe dominante, aquela que pode pagar o preço da máquina judiciária.

A grande maioria da população não tem como pagar esse preço e a justiça é para ela um objeto de luxo. Não são os litígios que são poucos, poucos são os que podem pagar para sustentá-los em juízo. Litígios existem aos milhares, mas por uma injunção econômica a maioria dos prejudicados é obrigada a subordinar o seu interesse ao interesse alheio.

Carnelutti talvez não tenha percebido o quanto foi feliz em definir uma realidade sócio-econômica quando definiu a pretensão como a subordinação de um interesse alheio ao nosso próprio interesse, e a lide processual como a reação ou resistência de alguém em não subordinar esse interesse próprio ao de outrem. Este, não conseguindo fazer predominar o seu interesse, recorre ao judiciário para fazê-lo.

Teoricamente esta construção é linda, mas Carnelutti parece ter pressuposto dois antagonistas da mesma situação social, como tendo as mesmas chances de usar dos serviços judiciários, o que não acontece na realidade que inconscientemente ele definiu de forma perfeita. A justiça não tem um conteúdo próprio, o seu conceito varia no tempo e no espaço, ela é e será sempre uma idéia a serviço de uma classe, razão pela qual o direito natural tenta pelo menos salvar alguns princípios fundamentais da vida humana com validade em qualquer tempo ou latitude, mesmo admitindo essa variação.

Como idéia, a justiça será sempre uma esperança humana, será sempre um objetivo do homem, talvez o aspecto mais dignificante da existência. Mas a sua prática constante será sempre deficiente e falha, e para não ter maiores ilusões, o melhor é reconhecer o fato e conduzir-se por ele do que ficar no mundo das nuvens procurando uma justiça que não tem nenhuma condição de realizar-se de forma perfeita enquanto esperarmos demais dos homens e das instituições.

Não tem nada a ver com a justiça a organização judiciária e policial, os grandes interesses que são defendidos em juízo, a classe dos advogados que ganha e vive desses interesses, não representando coisíssima nenhuma para o homem da rua vitórias e derrotas forenses.

Justiça verdadeira para o homem comum é tão-somente a justiça social, pouco lhe importando a justiça jurídica propriamente dita, e a grande verdade é que ele não acredita nos tribunais, o que qualquer um pode comprovar com uma simples conversa de esquina. É de se sorrir quando se diz que a razão da pletora do Supremo Tribunal Federal é porque o povo gosta do tribunal...

Quando fui levar de presente modesto livro a um grande mestre do direito, homem que lecionou cinqüenta anos e formou duas gerações de advogados e juízes, depois de folhear por alguns minutos, virou-se para mim e disse: "Olha, eu vou te confessar uma coisa, mas você não diz que eu disse porque eu vou te desmentir: Eu não acredito em justiça". E justificou a assertiva com o exame dos fatos diários de caráter deprimente da justiça de classe, mas foi ainda além, considerando que toda a ciência do processo não passa duma masturbação intelectual que abafa o verdadeiro senso de justiça.

Tão decepcionado no fim de uma longa vida estava o mestre, que negava até a existência da idéia da justiça, que para ele não passava de uma grande balela. Não endossamos a posição do grande professor, apenas separamos a idéia da justiça da sua realização prática, considerando que esta é e será sempre de classe, qualquer que seja o regime social, considerando que a verdadeira missão do jurista é trabalhar no sentido de, sempre que possível, servir à idéia mas sem grandes ilusões para não ter grandes decepções.

A grande e verdadeira justiça não é obra do jurista, o que o desculpa de muita coisa. Não é ao jurista que se deve pedir a reforma social, pois ele está diretamente ligado aos interesses que impedem ou não desejam esta reforma, ele é homem que trabalha bem em qualquer regime desde que não lhe exijam que seja algo mais que jurista, que abandone a dogmática jurídica pelo exame crítico da estrutura social. Nem o fato de haver grandes campanhas de juristas em prol das liberdades públicas infirma o que acima se disse, porque, embora altamente louváveis e honrosas, merecedoras de todo o apoio, ainda são, na essência, uma reivindicação estritamente baseada na noção de justiça da classe dominante.

Em suma, a justiça é uma idéia absoluta, de realização prática relativa. Não existe justa distribuição da prestação jurisdicional do Estado onde proliferam as grandes desigualdades sociais, e estas não são corrigidas pela assistência judiciária, pela defensoria pública ou pela justiça do trabalho ou ainda por tribunais de economia popular.

Todas estas instituições não passam de paliativos da fachada de um regime social que justamente delas necessita porque não funciona bem.
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Outros textos:
http://leonildoc.orgfree.com/marx.htm

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