A luta por Assistência Estudantil (espécie), assim como a luta por direitos sociais (gênero), sempre foram fortes e intensas. Isso porque esses movimentos constituíram e constituem pequenas batalhas da guerra de classes. Uma guerra de dominados contra os dominantes, de pobres contra os ricos, do cidadão contra o Estado, da coletividade contra os grupos dominantes. Observa-se isto, inclusive, na pauta de reivindicações do movimento de ocupação da reitoria da USP. Certamente, se houvesse justiça social, se as desigualdades fossem reduzidas e as exclusões não existissem nenhuma luta seria necessária. Viveríamos em paz e harmonia. Mas não há. Além de nos escravizarem querem que sejamos escravos com alto índice de produtividade.

Por isso em todas as épocas e em todos os tempos as revoltas populares explodiram. Algumas foram controladas e dizimadas, porém outras tomaram o poder dos grupos dominantes e os rebaixaram a oprimidos. Conquistas sociais só foram obtidas quando os oprimidos encostaram a faca no pescoço dos senhores. O capitalismo só cedeu e aprovou conquistas sociais quando teve que escolher entre entregar o anel ou perder o dedo.

As esquerdas fizeram muita besteira no mundo. Contudo, somente temos direitos sociais hoje por causa das revoluções socialistas. Não porque essas revoluções prosperaram e implantaram esses direitos, mas sim porque a explosão dessas revoluções levou o sistema capitalista a criar mecanismos que impedissem o surgimento desses movimentos. A idéia era dar a metade para não ter que dar tudo, ou seja, concedendo alguns direitos sociais à população, assim como fazendo algumas políticas públicas, etc, o Estado deixava o povo feliz, enfraquecendo os movimentos sociais evolucionários que visavam instalar a ordem proletária. Era o Estado capitalista do bem-estar social contra o avanço do Estado Socialista. E isso funcionou bem, pois conseguiram conter a disseminação das revoluções de esquerda.

Assinalo que não uso os termos socialista e comunista com o sentido de partido político, pois tem muito partido de esquerda que são mais neoliberais que os próprios partidos de direita. Pior do que isso, na China Comunista faltam direitos sociais e sobram opressão e tirania. A foice e o martelo foram utilizados para muitas coisas, principalmente contra a coletividade. Por isso, temos que recuperar o sentido original de tais termos.

Voltando, tiraram o sangue da revolução quando eliminaram parte das causas que as motivavam, porém cometeram um erro estratégico. Com o enfraquecimento e queda do socialismo russo, os capitalistas, agora conhecidos por neoliberais, passaram a atacar, reduzir ou eliminar as politicas e conquistas sociais, iniciando um movimento de privatização e redução do Estado. A idéia dos neoliberais é tomar de volta o que foi dado e não dar mais nada no plano das políticas sociais. Fazem isso porque acreditam que a ameaça vermelha foi extinta e não correm mais o risco de perder o dedo. Contudo, enquanto olham para o dedo não observam que suas cabeças está embaixo de uma quilhotina.

A evolução histórica não é cíclica, mas sim em espiral. Nós retornamos a um ponto onde o capitalismo não tem um inimigo capaz de enfrentá-lo e de dominá-lo, ou seja, na vertical estamos em um ponto anterior à revolução russa. Contudo, na horizontal esse ponto não é o mesmo, ele está num patamar ou nível muito superior. Basta ver que o capitalismo avançou e evoluiu vários estágios. Hoje vivemos numa sociedade pós-industrial e numa era globalizada. Vivemos numa sociedade de tecnologia e informação.

Se Deus fez todas as coisas, o Diabo também é filho de Deus e foi criado para algum propósito. O mesmo se aplica aos neoliberais. São filhos do capitalismo e foram criados para algum próposito. E esse propósito parece ser, justamente, eliminar todos os direitos sociais e reduzir ao mínimo o poder do Estado. É irônico dizer, mas fazendo isso os neoliberais reacendem a chama comunista, ressuscitam das cinzas os revolucionários de esquerda e iniciam o cumprimento da profecia dos teóricos socialistas. É impossível ir de uma sociedade agrária direto para um mundo socialista,
porém uma sociedade pós-industrial, globalizada, integrada pela tecnologia e pela informação é diferente.

Entretanto, não escrevo este texto para mostrar que o capitalismo evolui naturalmente para o socialismo e comunismo e que esses estágios posteriores são inevitáveis, uma vez que a história corre em espiral e eles constituem um dos níveis superiores; mas sim para dizer que a sociedade avança quando as classes se chocam na luta incessante contra a dominação instaurada pelo poder vigente, seja de direita, seja de esquerda. Onde houver uma maioria oprimida ou uma minoria escravizada, aí haverá razão para hastear a bandeira de luta contra a tirania, a opressão e as injustiças. Bandeira que significa mais direitos sociais, não apenas no papel, mas direitos efetivos. Portanto, toda acomodação social deve ser combatida, principalmente onde há um grupo oprimido e excluído. Por isso hasteamos a nossa bandeira na reitoria da USP.

Isso significa que a nossa luta e as nossas ações são legítimas e necessárias. Significa que paramos de aceitar as migalhas dos grupos dominantes e que resolvemos exigir mais direitos. Não direitos para nós, pois já temos moradia estudantil e já estamos em uma universidade pública e gratuita, mas sim direitos para os outros. Queremos que a universidade pública, gratuita e de qualidade seja um direito de todos, tanto daqueles que sonham em fazer uma universidade quanto das próximas gerações que estão vindo atrás de nós. Queremos que a moradia estudantil, assim como a assistência estudantil, esteja disponível para aqueles que precisam e que seja reconhecida como um direito do aluno e não uma liberalidade da instituição. Queremos que os cursos da USP sejam ótimos, não só nas unidades burguesas, mas em todas as unidades desta universidade. Queremos mais justiça, mais coerência e mais sensatez dos dirigentes da universidade.

Esse movimento parece pequeno, uma gota d'agua no oceano das injustiças sociais, mas ele é fundamental, pois desencadeia um sentimento de que a mudança é possível e de que a luta é necessária. Sem luta não conquistamos direitos, aceitamos a opressão e a tirania. Pior do que isso, sem luta nos tornamos colaboradores do mal, agentes das desigualdades e das injustiças. Lembro que a resignação e a indiferença do homem justo mata mais gente do que as ações dos homens
maus. Nós somos os verdadeiros revolucionários que nascem das cinzas de uma época na qual as causas pareciam perdidas e nada mais poderia ser feito. O futuro está sendo escrito agora...

Deus salve a ocupação.

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Essa é para o Papa:

A santíssima trindade

O mundo atual é controlado pela santíssima trindade: o capitalismo, o cristianismo e a democracia. A Democracia garante a liberdade. O capitalismo explora. E o cristianismo ameniza. A Democracia garante a liberdade de ação, a livre iniciativa. O capitalismo usa a liberdade democrática para explorar e para oprimir, pois o que importa é o lucro infinito e tudo está a venda. E o cristianismo acalenta as almas, impede as revoltas e condena os revolucionários e subversivos ao inferno. Enfim, a Democracia dá o porrete, o capitalismo bate e o cristianismo assopra.

Leonildo Correa
Faculdade de Direito - USP
CRUSP - Bloco E