sábado, 19 de janeiro de 2008

Consciência, Liberdade e Direito Natural
Inicialmente, este texto tinha o nome de "Consciência, Liberdade e Responsabilidade", mas o termo "responsabilidade" não definiu exatamente a realidade que eu expressei. O termo correto para tal realidade é "Direito Natural". Certamente, terei que fazer alguns ajustes na definição tradicional deste termo. Contudo, ele se enquadra como uma luva na realidade descrita. Por isso, o texto foi reescrito.
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Uma questão importante que surge nesta Teoria da Consciência e Liberdade é: qual é a relação entre a consciência, a Liberdade e o Direito Natural ? Agir com consciência significa agir com responsabilidade? Ter liberdade significa ter responsabilidade?

Esta questão fica ainda mais interessante quando eu penso nos nazistas que construíram e operavam o sistema totalitário. Eles agiam de acordo com a própria consciência ? Agiam. Logo, eles eram livres. Além disso, eles tinham informação e conhecimento. Eram pessoas de extensa cultura, amantes da artes e conhecedores dos clássicos do pensamento. Inclusive, Eichmann lia Kant. Portanto, como se enquadra a ação dos nazistas que construíram e operavam o sistema totalitário nesta Teoria da Consciência ?

Vamos pensar, gafanhoto !!! A Teoria da Consciência e Liberdade define a Liberdade como poder de agir de acordo com a própria consciência. Agir de acordo com a própria consciência implica, necessariamente, em respeitar o outro, em respeitar a liberdade do outro, em respeitar a consciência do outro. Caso contrário, a Liberdade não é possível. Não é possível porque o agir de acordo com a própria consciência exige que os outros me deixem agir de acordo com a minha consciência. Se eles não deixarem que eu aja de acordo com a minha própria consciência, a minha Liberdade não é possível. A contrapartida é que eu deixe os outros agirem de acordo com suas próprias consciência.

O mecanismo encontrado pela consciência individual, para impedir os outros de interferirem na minha Liberdade, ou seja, impedir que eles interfiram no meu poder de agir de acordo com a minha consciência, assim como para obrigar-me a respeitar a Liberdade dos outros, respeitar a expressão da consciência dos outros, é o Direito Natural que dissemina normas, a partir da consciência individual, para todas os demais subsistemas, principalmente para a consciência coletiva (no âmbito familiar ou de grupos próximos - normas tácitas e costumeiras - moral, etc) e para a consciência social (no âmbito da sociedade, do país ou da comunidade internacional - normas tácitas e cogentes - Direito, etc).

Portanto, o mecanismo do Direito Natural é um conjunto de normas localizadas fora dos subsistemas, das demais consciências. São normas de rotina da consciência individual que inicializam a própria consciência e a mantém em funcionamento. A melhor ilustração é pensar no Direito Natural como um sistema operacional. Um sistema fundamental que permite o funcionamento de todos os subsistemas. Sem sistema operacional o computador não funciona. Sem Direito Natural, a consciência não tem estabilidade e nem proteção. Logo, o próprio indivíduo é transformado em coisa, perde a sua identidade e a sua individualidade, pois o Direito Natural é a garantia e a proteção da consciência, da identidade e da individualidade.

Inclusive, é válido ressaltar ilustrativamente, que os sistema totalitários quando removem a consciência natural dos indivíduos, substituindo-as pela consciência do sistema, eliminam o Direito Natural e inserem, em seu lugar, normas fundamentais de proteção e funcionamento do totalitarismo.

Hannah Arendt evidencia isto na p. 394-395 da obra "O Sistema Totalitário", tradução portuguesa de "The origins Totalitarianism":

Mas o que é desconcertante no sucesso do totalitarismo é o verdadeiro altruísmo dos seus adeptos. É compreensível que as convicções de um nazi ou bolchevista não sejam abaladas por crimes cometidos contra os inimigos do movimento, mas o fato espantoso é que ele não vacila quando o monstro começa a devorar os próprios filhos, e nem mesmo quando ele próprio se torna vítima da opressão, quando é incriminado e condenado, quando é expulso do partido e enviado para um campo de concentração ou de trabalhos forçados. Pelo contrário: para assombro de todo o mundo civilizado, estará até disposto a colaborar com a própria condenação e tramar a própria sentença de morte, contanto que o seu "status" como membro do movimento permaneça intacto.

Seria ingênuo pensar que essa obstinada convicção, que sobrevive a todas as experiências reais e anula todo o interesse pessoal, seja mera expressão de idealismo ardente. O idealismo, tolo ou heróico, nasce da decisão e da convicção individuais, mas forja-se na experiência. O fanatismo dos movimentos totalitários, ao contrário das demais formas de idealismo, desaparece no momento em que o movimento deixa em apuros os seus seguidores fanáticos, matando neles qualquer resto de convicção que possa ter sobrevivido ao colapso do próprio movimento.

Mas, dentro da estrutura organizacional do movimento, enquanto ele permanece inteiro, os membros fanatizados são inatingíveis pela experiência e pelo argumento; a identificação com o movimento e o conformismo total parece ter destruído a própria capacidade de sentir, mesmo que seja algo tão extremo como a tortura ou o medo da morte. (p. 394-395)

Portanto, o Direito Natural engloba normas essenciais que estão presentes em todas as consciências individuais. Normas que se referem e protegem a consciência e o indivíduo como um todo. E sem estas normas a consciência fica comprometida em seu funcionamento regular. Inclusive a norma fundamental que estabelece: "agir de acordo com a própria consciência" é uma norma do Direito Natural que está na consciência individual de toda pessoa, assim como as normas que protegem a vida.

Nesta perspectiva, de acordo com a Enciclopédia Jurídica Leib Soibelman, verbete "Direito Natural":

A idéia de que acima das leis positivas existe um direito que serve de modelo às leis humanas, vem desde a Grécia. Atravessou a história humana e não vai desaparecer nunca, porque ela se confunde com a própria noção de justiça.

O homem nunca se conformou em reconhecer que a lei tem um caráter puramente estatal, independente de um conteúdo ético.

O direito natural teve a sua concepção apoiada sobre as mais diversas bases: originário de Deus (direito natural teológico), de um contrato social em que os homens convencionaram formar uma sociedade justa, nenhum dos contratantes, enunciando ao direito de resistência à injustiça (direito natural racional) e outras variantes.

Opondo-se aos que alegam o relativismo histórico da moral e das idéias, criou-se um "direito natural de conteúdo variável". Gény falou do "irredutível direito natural", outros falam do "renascimento do direito natural".

O julgamento de Nuremberg foi uma inequívoca vitória do direito natural, pois pelas leis positivas não havia base legal para processar vencidos numa guerra. Em suma, o direito natural é idéia e é sentimento. Não há revolução que não apele para ele. Apoiou revoluções e reações. Nem sempre foi democrático. Mas, seja como for, o dia em que ele desaparecer, morre a filosofia do direito, e talvez não haja mais razão de continuar vivendo como ser humano. É um direito que brilha quando mais se precisa dele: em épocas de crise. É o direito da crise contra a crise do direito.

Inclusive Cícero, no terceiro livro de sua "República" fala do Direito Natural:

"Existe, pois, uma verdadeira lei, a reta razão congruente com a natureza, que se estende a todos os homens e é constante e eterna; seus mandamentos chamam ao dever e suas proibições afastam do mal. E não ordena nem proíbe em vão aos homens bons nem influi nos maus. Não é lícito tratar de modificar esta lei, nem permitido revogá-la parcialmente, e é impossível anulá-la por inteiro.

Nem o senado nem o povo podem excluir-nos do cumprimento desta lei, nem se requer ninguém que a explique ou interprete. Não é uma em Roma e outra em Atenas, uma agora e outra depois, senão uma lei única, eterna e imutável, que obriga a todos os homens e para todos os tempos: e existe um mestre e governante comum de todos, Deus, que é o autor, intérprete e juiz dessa lei e que impõe seu cumprimento. Quem não obedece foge de si mesmo e de sua natureza de homem, e por isso se faz merecedor das penas máximas, embora escape aos diversos suplícios comumente considerados como tais".

Cícero considerava ainda que era uma insensatez acreditar que tudo o que está regulado pelas leis é justo, pois as maiorias podem aprovar leis injustas, como acontece nos regimes tirânicos. A única lei justa é a que segue a natureza das coisas, a lei natural. A vontade dos povos não faz a lei justa, pois os povos podem aprovar atos ilícitos ou criminosos. A natureza das coisas tem uma tendência para seguir a justiça. A única regra para distinguir uma lei boa de outra má é a natureza.

Esta visão de Cícero é reforçada pela visão do fenômeno totalitário, principalmente pelo direito criminoso aprovado e utilizado pelo nazismo e pelo stalinismo.

É importante diferenciar o Direito Natural, nesta concepção da Teoria da Consciência e Liberdade, do Direito Positivo. O Direito Natural reúne normas que estão presente e coladas na consciência individual. Normas de rotina que regulam o funcionamento da própria consciência e dos seus subsistemas, ou seja, as demais consciências (política, social, coletiva, etc) estão abaixo do Direito Natural.

O Direito Positivo engloba normas que estão dentro da consciência social, são normas e regras reunidas em um subsistema que passou pelo crivo e foi criado pela reunião de consciências individuais. Como a consciência social depende da sociedade em que está, do país em que se vive, etc. As normas do Direito Positivo pode variar de sociedade para sociedade e de Estado para Estado. Logo, o Direito Positivo, o que é fato, é variável e passageiro. Muda conforme o vento.

Contudo, as normas e regras do Direito Natural não variam e nem mudam de acordo com o vento, pois são normas fundamentais de funcionamento e proteção da consciência. Onde há consciência individual, há Direito Natural. Onde há seres humanos, não consciência individual. Logo, há Direito Natural. São normas relacionadas à consciência individual, ao funcionamento dessa consciência, ao funcionamento do próprio indivíduo como pessoa e como ser humano. Portanto, onde há uma pessoa, onde há um ser humano, aí estão presentes as normas e regras do Direito Natural. Direito Natural, portanto, que é universal e que está acima do Direito Positivo.

Eu posso tirar o Direito Positivo, posso modificá-lo, refazê-lo, etc, e o indivíduo continua funcionando normalmente, sem grandes modificações ou avarias. Contudo, quando afeto, modifico ou elimino o Direito Natural atinjo o indivíduo diretamente no seu âmago, arranco um pedaço dele, corto uma fatia do seu ser, ou então, extermino-o. Um dos Direitos Naturais básicos é o Direito a vida e quando ataco e elimino este Direito, ataco e elimino o próprio indivíduo, elimino o ser humano. Se não há vida, não há pessoa. O segundo Direito Natural básico é o que garante o funcionamento da consciência, logo, determina a Liberdade do indivíduo. Se não há o funcionamento livre da consciência, não há Liberdade.

Portanto, nesta concepção, o Direito Natural engloba regras e normas que garantem o funcionamento natural do homem como ser humano, o funcionamento natural da própria consciência. Por exemplo, que garantem a vida, a saúde, a integridade da consciência e o seu regular desenvolvimento e funcionamento, etc.

A consciência individual de todos os homens necessita do Direito Natural para sobreviver e manter o ser humano vivo e em ação. Esta identidade existente na consciência individual levou à reunião das normas básicas do Direito Natural e à implantação dessas normas, como uma forma de proteção do ser humano, na consciência coletiva. Assim, o Direito Natural se tornou parte da Moral, da ética e dos costumes. O grupo próximo assumiu regras que o obriga a respeitar o Direito Natural. Direito este que é igual para todos e que coloca todos no mesmo nível, ninguém tem mais do que o outro. Com isto, o Direito Natural passou a ser uma norma ou uma regra de contenção da voracidade do grupo em atentar contra a identidade de um dos membros.

O mesmo ocorreu com a consciência social que adotou as normas e regras do Direito Natural, inserindo-as em seu grupo de normas comuns. Assim, o Direito Natural se tornou parte do Direito Positivo e passou a ser protegido com sanção. Quem viola o Direito Natural de um dos membros da sociedade é punido com penas previamente estabelecidas.

Certamente, a entrada do Direito Natural nas demais consciências não foi uma coisa simultânea e nem aconteceu da noite para o dia. É um construção de milênios e milênios. Também não era uniforme. Dependia das convenções e das definições humanas daquilo que era igual e daquilo que era diferente. Assim, em certas sociedade um grupo tinha este Direito, enquanto outros grupos, por exemplo os escravos, não o tinham, pois eram considerados coisas e não gente. Por exemplo, durante o Império Roma.

Agora vamos ver como o Direito Natural opera dentro das consciências. A consciência coletiva e a consciência social, subsistemas da consciência individual, possuem um conjunto de normas, regras e valores que emitem sentenças prontas, em determinados casos ou diante de certas ações, para a consciência individual, inibindo comportamentos, ações e vontades que contrariem os interesses da coletividade, ou interesses da sociedade, ou que violem a liberdade do outro (Direito Natural). Este mecanismo de auto-proteção são regras do Direito Natural.

Além disso, as regras de proteção do grupo, por afetarem a vida do indivíduo, também podem ser consideradas regras de Direito Natural. Violando as regras da família, dissolve-se o grupo familiar. E a dissolução do grupo familiar implica em menos proteção, em menos alimento, em menor possibilidade de sobrevivência do indivíduo. Se todas as famílias abandonarem ou abortarem os bebês, a espécie humana se extingue. Portanto, o Direito Natural também protege o grupo.

O costume do Direito Natural, inegavelmente, é cultural. Porém, a regra cultural foi potencializada pela ação biológica. Mas como isso pode ter acontecido ? Biologicamente falando, quem atua contra o grupo tende a se isolar, a viver separado. Vivendo sozinho e separado tende a ser atacado e exterminado mais rapidamente, não passando adiante os genes que o induziu ao isolamento. Já quem vive em grupo tem uma maior chance de sobrevivência e de passar seus genes adiante. Há uma propensão genética nisso. E esta propensão genética, biológica, é potencializada pela propensão cultural. Basta lembrar que foi a sobrevivência em grupo, o trabalho em conjunto e a troca de informações que salvou os cerca de mil humanos (variedade genética existente) que sobreviveram ao cataclisma do vulcão Toba da Ilha de Sumatra, a cerca de setenta e cinco mil anos atrás. Você podem ver isto no documentário da BBC de Londres - "Aventura da Vida" - sobre o desenvolvimento e a evolução da vida na Terra (http://www.guba.com/user/pfilosofia).

Além disso, na evolução cultural, assim como na evolução biológica,a s normas que facilitam e melhoram a vida, seja individual ou em grupo, tende a ser perpetuada. Enquanto que as normas que inibem ou prejudicam a vida individual ou do grupo, tendem a ser abandonadas pelas gerações.

Enfim, o Direito Natural é um dos fundamento da Teoria da Consciência e Liberdade, pois é este Direito que garante o funcionamento adequado da consciência e dos seres humanos. São normas e regras que inicializam e mantém o sistema funcionando, são normas e regras de auto-proteção, ou seja, somente terei liberdade se respeitar a liberdade do outro; somente expressarei a minha consciência, se respeitar a expressão da consciência do outro.

Evolutivamente, primeiro, o Direito Natural entrou na consciência coletiva e se tornou parte do costume e, a partir deste costume, na mesma consciência coletiva, passou a ser uma crença do grupo. Antigamente, o Direito Natural era uma crença.

De acordo com o Prof. Celso Lafer (A Reconstrução dos Direitos Humanos, 1991, p. 16-17):

"O Direito Natural se contrapõe ao Direito Positivo, localizado no tempo e no espaço, e funciona, neste paradigma, como um ponto de Arquimedes para a análise metajurídica: tem como pressuposto a idéia de imutabilidade de certos princípios, que escapam à História, e a universalidade destes princípios, que transcendem a Geografia.

A estes princípios, que são dados e não postos por convenção, os homens têm acesso através da razão comum a todos, e são estes princípios que permitem qualificar as condutas humanas como boas ou más - uma qualificação que promove uma contínua vinculação entre norma e valor e, portanto, entre Direito e Moral.

No mundo moderno o paradigma do Direito Natural foi capaz de lidar, até o século XVIII, com os problemas da crescente secularização, sistematização, positivação e historicização do Direito, mas a intensidade destes processos levou à sua erosão. Daí o aparecimento de um novo paradigma: o da Filosofia do Direito.

O novo paradigma da Filosofia do Direito é uma resposta ao processo da crescente positivação do Direito pelo Estado - um processo que realçou o papel do Direito como instrumento de gestão e comando da sociedade através da técnica das ordens e proibições, dos estímulos e desestímulos às condutas humanas.

Por isso, o Direito deixou de ser encarado como algo dado pela razão comum e que permite qualificar condutas como boas ou más. Passou a ser visto como algo posto e positivado, direta ou indiretamente, pelo poder que estabelece, para distintas sociedades, de maneira não-uniforme, a diferença entre o lícito e o ilícito, e que assegura a governabilidade por meio da efetividade desta diferença garantida através do mecanismo da sanção.

Daí a mutabilidade do Direito no tempo e o seu particularismo no espaço, situação que, ao ser generalizada, diluiu a relevância do paradigma do Direito Natural."

Contudo, adotando a concepção desta Teoria da Consciência e Liberdade, percebe-se que, inegavelmente, houve uma quebra de paradigma entre as consciências coletiva e social. As normas e regras que eram crenças (consciência coletiva) foram positivadas pelo Direito (consciência social). Entretanto, esta positivação foi um movimento que aconteceu no âmbito dos subsistemas da consciência individual. Foi uma ampliação das garantias, não uma redução do Direito Natural. Isto porque as raízes das normas e regras de Direito Natural estão situadas fora da consciência social. Estão na consciência individual, logo, acima do Direito positivo.

A positivação também foi uma ampliação porque ocorreu fora da consciência coletiva, onde está a crença no Direito Natural, ou seja, o Direito Natural não deixou de ser crença do grupo, ele continua existindo como crença, e, além de crença, também passou a fazer parte da consciência social, integrando as normas aplicadas por toda uma sociedade ou Estado. A positivação não elimina a crença, pois estão em consciência diferentes.

A minha crença pode ser positivada ou não. Uma coisa não exclui a outra, pois estão em subsistemas diferentes. E no caso do Direito Natural, ele não está só nos subsistemas, as suas raízes estão na consciência individual. Portanto, pode-se eliminar a consciência coletiva, ou seja, as crenças, os costumes, a moral, etc; pode-se eliminar a consciência social, o Direito Positivo, os costumes da sociedade/Estado, etc, que o Direito Natural continua existindo. Ele pode perder força em sua aplicação, pois não é crença e nem está positivado, mas continua permeando a consciência individual como norma de estrutura, pois são normas e regras que dizem respeito ao ser humano como pessoa e ao funcionamento de sua própria consciência. Normas e regras que estão introjetadas e coladas no sistema operacional da própria consciência individual. Logo, acompanham o indivíduo onde quer que ele esteja.

Certamente, as normas e regras do Direito Natural se revelam e se tornam mais evidente com a evolução cultural do indivíduo e da sociedade. Por isso, todas as sociedades humanas possuem, mesmo que seja em nível rudimentar ou elementar, normas e regras de Direito Natural. Nestas sociedades rudimentares estas normas e regras estão mais ligadas às crenças e menos à razão, porém existem e são observadas. E, conforme estas sociedades evoluem, a sua cultura evolui e a sua percepção do mundo também evolui, assim como a consciência individual. Nessa evolução surgem os subsistemas, as outras consciências. Por isso, caminhamos para uma consciência cosmopolita onde as normas e regras do Direito Natural serão uniformes, reconhecidas e aplicadas, para todas as pessoas em todas as sociedades.

Portanto, com o advento da Filosofia do Direito, ocorreu uma mudança de paradigma no âmbito da consciência coletiva e da consciência social. O Direito Natural foi positivado, porém, ele não deixou de ser crença, no âmbito da consciência coletiva, e nem teve sua força reduzida no âmbito da consciência individual, que está acima de todos os subsistemas da consciência. Isto porque se refere a normas e regras que tratam do funcionamento da consciência e do ser humano como pessoa. Logo, a positivação do Direito Natural apenas ampliou o campo de atuação deste Direito, tornando-o mais evidente e mais obrigatório.

E, mais recentemente, o Direito Natural entrou na consciência social, tornando parte do Direito Positivo. Na consciência social recebeu o nome de Direitos Humanos.

O Direito Natural insere na Teoria a característica da responsabilidade, pois a partir da consciência coletiva e da consciência social, expressar a própria liberdade, agir de acordo com a própria consciência, significa também agir com responsabilidade, respeitando o outro, para que o outro me respeite. E a violação dessa responsabilidade, significa violação do Direito Natural que acompanha todos os indivíduos por todos os lugares. Significa violação da consciência coletiva e social. Logo, é uma violação das regras da Consciência Individual. Portanto, uma forma de inibição da liberdade. Isto significa que violar a liberdade do outro significa violar a minha própria liberdade. Desrespeitar a liberdade do outro é desrespeitar a minha própria liberdade. Atingir a consciência do outro é atingir a minha própria consciência. Atingir o Direito Natural é atingir a minha própria pessoa.

Então, alguém dirá: este é o tal do contrato social ? Eu respondo: não. Não existe contrato social. Isto é um paradigma cultural. Qual é a diferença ? Bem, a diferença é que contrato começa com c e paradigma começa com p (brincadeirinha... disse isto só para o meu cérebro chato parar de fazer perguntas.). A diferença é que um contrato é um acordo de vontades, estabelecido com a aceitação da partes e uma paradigma é uma ação padronizada que se perpetua no tempo, neste caso é um comportamento cultural, que pode ter começado com apenas duas pessoas e, a partir daí, se espalhou para todas as demais, independentemente de aceitação ou de acordos. Você assinou, quando nasceu, algum contrato social que transferia parte de sua vontade/liberdade ao governante para criar normas para te proteger? Não, não e não... O teste do pezinho não era um contrato...

Contudo, aprendemos, desde criancinhas, as regras e o comportamento social. Aprendemos a respeitar o outro. A respeitar a Liberdade do outro, a consciência do outro. As normas e regras fundamentais do Direito Natural são passadas/ensinadas naturalmente, são paradigmas sociais que passam de geração para geração. Certamente, este paradigma cultural começou com o desenvolvimento da consciência coletiva, com o desenvolvimento das regras na família. Em seguida, vieram as regras de convivência em uma tribo. Da consciência coletiva desenvolveu-se a consciência social. A consciência social exigiu o surgimento da consciência política. Esta levará ao desenvolvimento de uma consciência cosmopolita. Há uma evolução cultural da consciência. As regras vão sendo construída e aprimoradas ao longo dos séculos e milênios. E o Direito Natural passa de geração para geração, algumas vezes relativizado, outras mais duro e conservador.

Com isto, podemos retornar ao caso dos nazistas que operavam o sistema totalitário. Agora já temos as respostas para as indagações. Primeiro, há uma íntima relação entre consciência, liberdade e responsabilidade. Esta relação é permeada pelo Direito Natural que pertence à esfera da consciência individual dos seres humanos, pois são normas e regras de rotina que regem e regulam o próprio funcionamento da consciência e do indivíduo como sistema. Este Direito disseminou suas normas e regras pelas consciências coletiva e social, que são subsistemas da consciência individual. Logo, agir de acordo com a própria consciência significa, necessariamente, agir de acordo com o Direito Natural. E agir de acordo com o Direito Natural é agir com responsabilidade. Isto fica evidente quando se pensa que a consciência, para o seu funcionamento, exige informações e conhecimentos. E que o funcionamento da consciência consiste em processos analíticos. Processos analíticos são, pela própria natureza, lógicos, razoáveis e responsáveis.

Mas se os processos analíticos são lógicos, razoáveis e responsáveis, o que aconteceu no nazismo ? O primeiro acontecimento do nazismo foi a deturpação da informação e do conhecimento que atribuiu relevância social máxima a patologias/aberrações sociais. Lembre-se que no âmbito da consciência as informações e os conhecimentos são catalogados, por cada indivíduo, de forma diferente e em graus diferentes. O anti-semitismo tinha uma grande relevância na cabeça de Wagner e de Hitler e ele generalizou isto para a sociedade. O anti-semitismo é uma patologia social e não um elemento da sociedade. Os nazistas transformaram o anti-semitismo em uma política do Estado.

Portanto, neste primeiro ponto o Direito Natural foi violado, pois a generalização para toda a sociedade de visões particulares significa a violação da consciência individual do outro, violação da consciência alheia. É uma imposição anti-natural, imposição de mentiras e aberrações sociais como verdades absolutas.

Com estas deturpações, a consciência, como sistema analítico, foi contaminada e passou a operar com dados falsos e a considerar aberrações sociais como comportamento comum e necessário. Com isto, o sistema totalitário começou a entrar na cabeça das pessoas e a dissolver as consciências naturais que possuíam e que não consideravam o anti-semitismo importante. Os mecanismos de uniformização das consciências tratou de disseminar as regras do sistema totalitário para todas as demais consciências.

Portanto, ocorreu uma violação do Direito Natural, violação da consciência, logo violação da liberdade. Esta violação ocorreu, primeiramente, na generalização/imposição para toda a sociedade das aberrações sociais que existiam na cabeça dos líderes nazistas, por exemplo, as idéias anti-semitas foram espalhadas e disseminadas, na sociedade alemã, através da mídia e da propaganda, como verdades absolutas. Idéias que por si sós, já constituíam violação da liberdade do outro. Com isto, os operadores nazistas, violaram os princípios básicos da consciência, as normas e regras do Direito Natural. E esta violação foi dirigida inicialmente, não contra os judeus, mas contra o próprio povo alemão que foram bombardeados com informações e conhecimentos falsos e que tiverem suas consciências individuais invadidas pelas aberrações nazistas.

Lembre-se que primeiro o nazismo dominou os alemães, tornando-os instrumentos do totalitarismo. Depois usou estes instrumentos para exterminar os inimigos nas fábricas da morte. Logo, o extermínio dos Judeus é a última e a mais monstruosa das violações que os nazis promoveram. Este extermínio começa a se concretizar quando o sistema totalitário já está no domínio completo da maioria das consciência e as pessoas comuns atuam como zumbis, movidas por desejos totalitários, ou seja, os indivíduos já são instrumentos totalitários de dominação e destruição.

Além disso, é válido dizer que a única forma de se retirar completamente a liberdade de um indivíduo é retirando a sua consciência. Não basta apenas criar normas que inibam ou impeçam a consciência de se manifestar, pois a consciência pode, perfeitamente, contrariar a norma ou ignorá-la, ou seja, as normas não retiram a liberdade do indivíduo, pois não podem e não conseguem retirar a consciência. As normas simplesmente reorientam ou condicionam a consciência do indivíduo exteriormente, limitando a liberdade.

Contudo, as normas e regras do Direito Natural podem remover a consciência do indivíduo, logo a sua liberdade, se forem removidas, pois são normas de auto-proteção da consciência e do ser humano. Normas e regras que o salvam do outro, do grupo coletivo, da ação da sociedade e do Estado. Portanto, retirar normas de Direito Natural atinge a consciência e a liberdade do indivíduo.

Retirar a consciência do indivíduo significa contaminar o funcionamento natural da consciência, modificando a base de análise. É uma espécie de lavagem cerebral que modifica o banco de dados analítico da consciência. O banco de dados formado com informações, conhecimentos, costumes, valores, etc, que o indivíduo captou ao longo da vida naturalmente, é substituído por um banco de dados artificial, introjetado pelo sistema, dentro da consciência da pessoa. Assim, a consciência, ao invés de analisar o banco de dados natural, analisa o banco de dados artificial. E é em cima deste último banco de dados que a consciência passa a operar, emitindo sentenças (vontade). Logo, a liberdade oriunda desta vontade viciada e contaminada não é a liberdade do indivíduo, mas sim a liberdade do sistema.

É importante observar que a consciência introjetada pelo sistema totalitário no indivíduo não tem Direito Natural na rotina. As normas e regras de auto-proteção da consciência individual da pessoa e do ser humano são transformadas em normas e regras de proteção do sistema totalitário. Assim, o indivíduo se torna um zumbi cumpridor das leis do sistema, morre defendendo o sistema e o sistema se torna a coisa mais importante do mundo, mais importante do que a sua própria vida. Logo, há um Direito Natural do sistema totalitário que torna o indivíduo parte do sistema. Ele perde a sua identidade e a sua individualidade e passa a ser uma peça da grande máquina totalitária.

Eichmann tinha vontade, ele seguia a sua vontade, mas ele não era livre, pois a sua consciência estava contaminada pelo nazismo. Os pensamentos que circulavam na consciência de Eichmann e que emitia ordens, formando a sua vontade, eram pensamentos do sistema totalitário. Logo, a liberdade de Eichmann era a liberdade do sistema totalitário. Isto porque a vontade dele era formada por uma consciência movida a informações e conhecimentos introjetados pela doutrinação e propaganda nazista. A consciência de Eichmann era a consciência do sistema, pois os pensamentos de Eichmann eram sentenças prontas, fórmulas prontas emitidas pelo nazismo. Eichmann não questiona as sentenças e nem as fórmulas. Não processava informações e nem os conhecimentos que tinha adquirido naturalmente. Apenas executava as ordens originadas nos altos escalões do Reich.

Eichmann chama este comportamento de obediência cadavérica (Kadavergehorsam). Isto é contado por Hannah Arendt na obra Eichmann em Jerusalém:

"Assim sendo, eram muitas as oportunidades de Eichmann se sentir como Pôncios Pilatos, e à medida que passavam os meses e os anos, ele perdeu a necessidade de sentir fosse o que fosse. Era assim que as coisas eram, essa era a nova lei da terra, baseada nas ordens do Führer; tanto quanto podia ver, seus atos eram os de um cidadão respeitador das leis. Ele cumpria o seu dever, como repetiu insistentemente à polícia e à corte; ele não só obedecia ordens, ele também obedecia à lei. (...)

Como além de cumprir aquilo que ele concebia como deveres de um cidadão respeitador das leis, ele também agia sob ordens - sempre o cuidado de estar "coberto" -, ele acabou completamente confuso e terminou frisando alternativamente as virtudes e os vícios da obediência cega, ou a "obediência cadavérica" (kadavergehorsam), como ele próprio a chamou. (p. 152)"

E como dissemos anteriormente, aceitar sentenças prontas significa não processar nada, apenas executar aquilo que veio pronto. Este é o truque do sistema: introjetar sentenças prontas nos indivíduos que integram o sistema. Por isso, fala-se em vazio de pensamento. Vazio de pensamento de um ser humano normal. Porém consciência repleta de pensamentos do sistema totalitário: anti-semitismo, extermínio, ordens do Führer, câmara de gás, etc.

E é justamente nesse ponto que entra a razão de ser dessa teoria, ou seja, a novidade totalitária. O totalitarismo faz uma coisa que nenhum outro sistema tinha conseguido fazer antes. E que coisa é essa ? O totalitarismo retirou a consciência dos indivíduos. Logo, retirou completamente a liberdade dos Seres Humanos que pertenciam àquele sistema. Todos os movimentos anteriores atingiam a indivíduo criando regras e normas que condicionavam as consciências e limitavam a liberdade, mas nenhum sistema jamais havia retirado a consciência das pessoas. Retirando a consciência, ele retirou completamente a liberdade dos indivíduos.

Contudo, o totalitarismo foi além, muito além disso, ele não só retirou a consciência, mas a substituiu por outra consciência: a consciência do sistema totalitário. As pessoas perderam a sua consciência individual, logo, perderam a sua liberdade individual; e receberam, em troca, a consciência do sistema, logo, passaram a ter a liberdade do sistema (poder de agir de acordo com a consciência do sistema). A consciência do sistema gera a liberdade do sistema.

Mas o que exatamente quer dizer perda de consciência, seguida de substituição de consciência ? Em termos excessivamente genéricos é uma espécie de lavagem cerebral em massa. Retira a consciência do indivíduo, fazendo-o perder a sua identidade e individualidade, imergindo-o em uma multidão de iguais.

Por isso, em um sistema totalitário a doutrinação, a propaganda e o terror são tão importantes. Por isso, o vazio de pensamento, a mediocridade e a indiferença são essenciais para o sucesso inicial do sistema. São características que facilitam e garantem o sucesso de substituição de consciência dos indivíduos. Pessoas com tais características tem suas consciências facilmente arrancada e substituída por outra. São pessoas dóceis, facilmente controladas e dominadas. Pessoas que não percebem que seus pensamentos são pensamentos do sistema, que suas idéias e ideais são idéias e ideais do sistema, que suas ações são ações do sistema. A consciência que possuem é a consciência do sistema. Pensam igual o sistema. Falam igual o sistema. Agem igual o sistema. Fazem o que o sistema faz.

É um sistema que não admite questionamentos. Quaisquer questionamentos põe o sistema em risco, podendo romper a estrutura e mostrar as reais intenções e os objetivos da coisa. O todo é visto apenas por quem estrutura e controla o sistema.

Um outro ponto interessante desta Teoria é que o totalitarismo entra pela consciência política, dominando e modificando as regras desta consciência. Em seguida ele vai para a consciência social. Ele modifica e domina as regras do Direito Positivo. E o próximo passo é entrar na consciência coletiva, na moral, na ética, nas relações de amizade e na família. E por último, quando já tem o domínio desses subsistemas da consciência, ele ataca e contamina a consciência individual, eliminado o Direito Natural e substituindo a consciência individual natural pela consciência do sistema.

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