domingo, 17 de junho de 2007

Movimento estudantil está menos politizado que nos anos 'duros'

Estadão Online - Carlos Marchi - Domingo, 17 junho de 2007
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Antigas lideranças acreditam que não existe mais a importância histórica nem eco social de outros tempos

O movimento estudantil de hoje é menos politizado do que era nas décadas de grande enfrentamento ideológico - dos anos 50 ao começo dos anos 80 - opinaram antigas lideranças estudantis das mais variadas tendências ouvidas pelo Estado. A utopia socialista deixou de existir e hoje muitos estudantes trabalham, afirmou o governador José Serra (PSDB), presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1964. “Ficou uma coisa mais amorfa, uma organização mais fluida, mais despolitizada, o que não significa que não tenha energia e generosidade”, afirmou Serra, fundador da Ação Popular (AP), tendência majoritária nos anos 60 e 70.

“Naquela época, certo ou errado, o movimento estudantil tinha mais projeto de sociedade e lógica política na atuação. Não estou avaliando se era ingênuo ou não, se estava dentro das possibilidades históricas ou não. Mas era mais politizado”, disse Serra.

“A mobilização hoje não tem o mesmo sentido histórico daquela época”, reconhece o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), importante liderança da tendência Refazendo e eleito na reconstrução do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP, em 1976. Como Serra - com quem disputou o governo de São Paulo em 2006 -, ele é egresso da AP, a histórica tendência que misturava marxismo com cristianismo e dominou o movimento estudantil (ME) até a fundação do PT, em 1980.

O ex-ministro José Dirceu, presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo em 1967, disse ao Estado que o atual ME está dessintonizado com a universidade e rebateu as críticas à política universitária do governo Lula. Ele lembra que o ME de sua época promovia uma extraordinária agitação cultural. “Fomos a geração da revolução cultural”, disse, reconhecendo que hoje existem muitas formas de participação política e profissional que afastam os jovens da política estudantil.

Dirceu prega um grande debate sobre o papel da universidade pública e aponta caminhos: por meio de parcerias, a universidade pública pode desenvolver pesquisas e promover capacitação profissional para a empresa privada. “As empresas não buscam só o lucro”, advertiu. Ele criticou os que condenam essa aproximação entre a universidade pública e a empresa privada: “Existe uma resistência surda a essa aproximação, que não fere a autonomia universitária.”

Nos anos 50 e 60 - antes da repressão de 1968 - todas as lutas estudantis se concentravam na questão da ampliação de verbas e vagas nas universidades públicas. “Eu ocupei boa parte das minhas lutas corporativas, seja como presidente da UEE, em São Paulo, seja como presidente da UNE, pregando a ampliação de vagas”, lembra Serra. A partir de 1964, a luta se focou contra a reforma universitária que o governo militar queria implantar e, pouco a pouco, o ME passou a expressar a luta pelas liberdades públicas.

Dirceu afirma que depois das prisões de Ibiúna, em outubro de 1968, quando ele próprio, líder mais destacado da UNE, foi preso e depois deportado, houve algum tipo de articulação que permitiu a realização dos “congressinhos”.

Mas, depois de 1971, as sombras desceram sobre o ME e praticamente todas as articulações foram perdidas. A retomada começou a se dar em 1973, a partir da USP e, principalmente, a partir da Faculdade de Filosofia. “A Filosofia e o Crusp (Conjunto Residencial da USP) foram o coração do novo ME”, afirma Dirceu.

O jornalista Frederico Pessoa, da tendência Unidade, que lideraria o DCE em 1979, lembra que os primeiros movimentos foram em 1973 e não puderam contar com os setores de esquerda que tinham optado pelas guerrilhas urbana e rural, dizimadas nos anos anteriores. Lentamente, setores independentes, restos da antiga AP e o PCB começaram a se articular. “O ME se politizou com a repressão”, afirma o hoje deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), à época estudante de Engenharia e importante liderança da AP.

Mercadante demarca o primeiro grande momento: um show em que Gilberto Gil, em 1973, no campus da USP cantou músicas proibidas, nas barbas da censura. “O debate político era muito rico, mas a gente tinha de fazer as coisas da nossa cabeça, porque não tínhamos orientação da geração anterior, que estava presa, no exílio ou morta”, lembra Mercadante. “As nossas assembléias eram de massas e nós tratávamos de questões muito ligadas ao estudante”, completa Jardim.

Em 1975, já estava tudo pronto para remontar o DCE, mas aí foi o PCB que sofreu o duro golpe das prisões em torno do caso do jornalista Vladimir Herzog. Em compensação, as outras tendências se reorganizavam rapidamente; nas eleições para o DCE em 1976, na primeira eleição depois do período cinzento, não havia candidatos para não expor os líderes. Os alunos votaram nos rótulos que nomeavam as chapas (e que encobriam as suas matrizes ideológicas) e que depois se consagrariam em todo o País.

Ganhou a Refazendo de Mercadante e da psicóloga Vera Paiva, hoje professora de Psicologia da USP. Eram tempos em que, apesar da repressão constante, as eleições eram disputadas com quorum altíssimo. Frederico Pessoa lembra que a eleição da Unidade em 1979 teve 16 mil votantes, num tempo em que a USP tinha 43 mil alunos (a última eleição do DCE teve pouco mais de 5 mil votos, num universo de 80 mil alunos).

INSTITUCIONALIZAÇÃO

“A estrutura do ME era semelhante a uma democracia representativa, com centros acadêmicos, DCE, UEE, UNE e executivas nacionais dos cursos”, lembra Serra.

A luta estudantil tinha participação ativa na sociedade, lembra o jornalista Josimar Melo, hoje crítico gastronômico da Folha de S.Paulo e na época liderança máxima da tendência Liberdade e Luta (Libelu). “Éramos levados a assumir a luta contra a ditadura e tínhamos noção da dimensão do ME”, comenta Josimar.

As tendências disputavam espaço, mas conseguiam se unir. “Havia respeito às entidades representativas, ao DCE e às posições políticas de cada um”, afirma o hoje jornalista Alon Feuerwerker, editor político do Correio Braziliense, à época aluno da Medicina e principal liderança da tendência Caminhando.

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