segunda-feira, 11 de junho de 2007

A Ocupação da Reitoria da USP rompeu paradigmas
Leonildo Correa - 11/06/2006 - 23:51

O Betinho dizia que o brasileiro é caracterizado por um inconformismo verbal acompanhado de um conformismo prático, ou seja, o brasileiro só reclama e não faz nada. O brasileiro olha para Brasília e vê corrupção, picaretagens, etc. Vê e reclama, mas não faz nada. O brasileiro olha para as florestas e vê o desmatamento se alastrando, os rios sendo poluído, o ar envenenado. Vê e reclama, mas não faz nada. O brasileiro olha para as periferias e vê desigualdades, pobreza, violência, criminalidade. Vê e reclama, mas não faz nada.

E a mesma coisa acontecia aqui na USP. Os estudantes olhavam para o teto da sala de aula e viam a água caindo. As aulas eram interrompidas nos dias de chuva. Viam e reclamavam, mas não faziam nada. Os estudantes olhavam para a assistência estudantil e viam aquele monte de alunos pedindo moradia, alimentação, bolsa trabalho, etc e somente meia-dúzia de bolsas para atender os eleitos. Viam e reclamavam, mas não faziam nada. Os estudantes chegavam na sala de aula e nada do professor aparecer. Tinha aula, mas não tinha professor. Então todos iam para as aulas onde havia um professor. Resultado: salas lotadas. Isso acontecia, todos viam e reclamavam, mas não faziam nada.

O ditador, digo Governador, aproveitando-se da inércia dos movimentos sociais e aplicando o princípio do "se não gritou é porque gostou" resolveu quebrar a autonomia universitária e sair correndo com o cofre das Universidades Públicas. Para isso editou vários decretos inconstitucionais. Os estudantes viram aquilo e reclamaram, mas não fizeram nada.

Então um dia, cansados de não fazer nada, resolveram chamar a Reitora na chincha. Marcaram uma reunião e chamaram a Magnífica. Mas ela não apareceu. Foi para a Europa. Os estudantes viram aquilo e reclamaram. Contudo, dessa vez resolveram fazer alguma coisa. Foram atrás do vice da Magnífica. Chegaram na Reitoria e receberam a porta na cara. E isso fez com que os estudantes fizessem mais uma coisa...

Até aqui os paradigmas se mantinham. O inconformismo verbal era acompanhado de um conformismo prático. E tudo acabava no blá, blá, blá e nada era resolvido. A Reitora contava com o paradigma do inconformismo verbal, acompanhado do conformismo prático, para empurrar os problemas com a barriga. O Governador contava com o paradigma do inconformismo verbal, acompanhado do conformismo prático, para emplacar os decretos inconstitucionais e fugir com o cofre das Universidades públicas. Eles contavam com a inércia da coletividade para perpetuar a dominação, o controle, o autoritarismo, a opressão e a tirania. Mas quebraram a cara.

O paradigma foi rompido na Reitoria naquele dia. Depois da porta na cara, a inércia deu lugar a ação. O inconformismo verbal contaminou o conformismo prático. A porta caiu e com ela o paradigma do Betinho. Bateram a porta na nossa cara. E como resposta nós derrubamos a porta e todos os paradigmas que estavam grudados nela.

A Reitoria foi ocupada e isso significou que a tolerância da coletividade diante da indiferença das autoridades chegou a um limite. Chegou ao fim. Isso significa que o inconformismo verbal, a partir de agora, será acompanhado de um inconformismo prático. Mais do que isso: será acompanhado de ação contra a indiferença. A coletividade resolveu deixar de lado o papel de mero expectador inconformado para assumir o papel de protagonista das mudanças.

Ao longo de toda a História do Brasil, o povo sempre foi mero expectador dos movimentos e das ações políticas. Temos poucos direitos porque nunca lutamos por nossos direitos. Sempre aceitamos as migalhas que a classe dominantes dava para nós. Por isso não temos direitos, temos migalhas de direitos. Por isso não temos Democracia, temos migalhas de Democracia. Por isso não temos justiça, temos migalhas de justiça. Por isso não temos Direitos Humanos, temos migalhas de Direitos Humanos. Só nos deram migalhas e nós, como resposta, só reclamávamos da escassez.

Em cima da nossa inércia construíram a nossa prisão. Montaram os sistemas de dominação e controle. Retiraram a nossa liberdade. Calaram as nossas vozes. Só nos deram migalhas. Nada mais do que isso.

Na teoria tudo é lindo e funciona muito bem. Mas na prática nada funciona. Na teoria funciona porque sempre houve o inconformismo verbal. Na prática nada funciona porque sempre imperou o conformismo prático."Falta efetividade. Falta "enforcement", diriam os Professores do Largo São Francisco. Porém, eu digo: "Faltava efetividade. Faltava "Enforcement". A partir da ocupação da Reitoria o paradigma do conformismo prático se rompeu e a coletividade começou a agir. Por isso, não podemos retroceder e temos que espalhar para todos os movimentos sociais essa nova metodologia: chega de inércia, chega de inconformismo verbal acompanhado de conformismo prático. É hora de agir. É hora da coletividade buscar seus direitos e impor as suas decisões. Chega de migalhas dos grupos dominantes.

Para finalizar esse texto cito alguns parágrafos que anotei de um livro de Direito Ambiental. Não lembro o autor do texto, mas amanhã o colocarei aqui. Cito este texto para reflexão do leitores.

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"Um exemplo típico desse processo mascarador e ilusório é a incorporação, nesse terceiro setor, dos grandes movimentos religiosos, muitas vezes mais preocupados em amortecer ou ocultar os embates do sofrimento humano pela promessa inocente de uma utopia após a morte - ou a pregação da passividade e da tolerância social diante da pobreza e da miséria - do que em fortalecer a conscientização crítica da necessidade de se lutar socialmente para a consecução da justiça real aqui na própria Terra. (...)

A dimensão social não se pode confundir com o interesse do Estado. O Estado, antes era o único representante do valor público. Entretanto, quando se tem uma visão crítica do Estado, percebe-se que ele tem uma função hegemônica muito própria para atender aos interesses básicos do próprio capital, de seu movimento de reprodução e acumulação. (...)

Hoje está claro que o social não se identifica completamente com o Estado, ou seja, o que é público-social pode ser mais do que é o público-estatal. (...)

A efetividade da lei que traria melhor qualidade de vida -já que todos são detentores de direitos conquistados e positivados-, uma espécie de simetria entre direitos conquistados e benefícios sociais, parece ainda longe de uma verdadeira conquista.

É preciso entender que os Estados acabam assumindo, por intermédio de suas Constituições, a defesa de interesses tanto individuais quanto coletivos e difusos para, de uma forma perversa, impedir que a população o faça.

A idéia de que a lei possa garantir os direitos das pessoas atira boa parte das pretensões que nasceriam legitimadas nos movimentos sociais para a mesa de negociação fabricada pelos detentores do modo de produção em conjunto com o próprio Estado. A lei, assim, derruba a utopia.

Se os institutos jurídicos novos sempre causam impacto, e por vezes geram desconforto, é preciso reconhecer que todos os instrumentos surgidos, ao longo de séculos, em defesa dos súditos, germinaram em tempos de regime forte, ditadura e autoritarismo de Estado.

Essa é a sementeira dos institutos nascidos e consagrados pela luta contra os poderosos, especialmente contra o arbítrio do poder político, incrustado nos postos de mando, com ou sem legitimidade.

Intrigante a colocação de Frontini, na medida em que fica, por vezes, difícil reconhecer tempos de regime forte, já que esses tempos vêm camuflados por políticas públicas tendentes mais a confundir uma situação de autoritarismo do capital e do Estado do que resolver situações sociais geradas por movimentos de legitimidade incontestável."

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