Autoritarismo
Dicionário de Política Norberto Bobbio - [Mário Stoppino]
I. Problemas de definição.
O adjetivo "autoritário" e o substantivo autoritarismo, que dele deriva, empregam-se especificamente em três contextos: a estrutura dos sistemas políticos, as disposições psicológicas a respeito do poder e as ideologias políticas.
Na tipologia dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas.
Em sentido psicológico, fala-se de personalidade autoritária quando se quer denotar um tipo de personalidade formada por diversos traços característicos centrados no acoplamento de duas atitudes estreitamente ligadas entre si: de uma parte, a disposição à obediência preocupada com os superiores, incluindo por vezes o obséquio e a adulação para com todos aqueles que detêm a força e o poder; de outra parte, a disposição em tratar com arrogância e desprezo os inferiores hierárquicos e em geral todos aqueles que não têm poder e autoridade.
As ideologias autoritárias, enfim, são ideologias que negam de uma maneira mais ou menos decisiva a igualdade dos homens e colocam em destaque o princípio hierárquico, além de propugnarem formas de regimes autoritários e exaltarem amiudadas vezes como virtudes alguns dos componentes da personalidade autoritária.
A centralidade do princípio de Autoridade é um caráter comum do autoritarismo em qualquer dos três níveis indicados. Como conseqüência, também a relação entre comando apodítico e obediência incondicional caracteriza o autoritarismo. A autoridade, no caso, é entendida em sentido particular reduzido, na medida em que é condicionada por uma estrutura política profundamente hierárquica, por sua vez escorada numa visão de desigualdade entre os homens, e exclui ou reduz ao mínimo a participação do povo no poder e comporta normalmente um notável emprego de meios coercitivos.
É claro, por conseguinte, que do ponto de vista dos valores democráticos o autoritarismo é uma manifestação degenerativa da autoridade. Ela é uma imposição da obediência e prescinde em grande parte do consenso dos súditos, oprimindo sua liberdade. Por outro lado, do ponto de vista de uma orientação autoritária, é o igualitarismo democrático que não está em condições de produzir a "verdadeira" autoridade.
Neste último sentido, diversos autores, especialmente alemães dos anos 1930, propugnaram a doutrina do "Estado autoritário". Do mesmo modo, a "personalidade autoritária" foi em parte antecipada pelo psicólogo nazista E. R. Jaensch, o qual descreveu, em 1938, um tipo psicológico notavelmente semelhante avaliando-o tanto de forma positiva como de forma negativa.
Existe portanto um denominador comum no significado que o termo autoritarismo assume nos três contextos indicados, embora nesse campo haja conveniência de não se ir além dos limites. Um fundo de significado comum não quer dizer identidade, nem tampouco plena coerência de significado.
É fato que o autoritarismo é um dos conceitos que, tal como "ditadura" e "totalitarismo", surgiram e foram usados em contraposição a "democracia", pretendendo-se acentuar num caso ou noutro parâmetros antidemocráticos.
Na verdade, as fronteiras entre esses conceitos são pouco claras e muitas vezes até instáveis em relação aos diferentes contextos. No nosso caso são relevantes sobretudo as relações entre autoritarismo e Totalitarismo e essas relações tendem a ser diferentes nos três níveis de autoritarismo acima indicados. A mais ampla extensão de significado de autoritarismo acha-se nos estudos sobre a personalidade e sobre atitudes autoritárias.
Apesar do conceito de "personalidade autoritária" ter sido criado originariamente para descrever uma síndrome psicológica dos ndivíduos "potencialmente fascistas", investigações posteriores estenderam o conceito ao próprio autoritarismo de esquerda e indagaram os comportamentos autoritários das classes baixas da mesma forma com que analisaram os comportamentos das classes médias ou altas. Em geral, nesse setor de pesquisa não se faz nenhuma distinção entre autoritarismo e totalitarismo. No campo das ideologias políticas, a área de significado do autoritarismo é incerta.
Mas existe uma tendência significativa para limitar o uso do termo para as ideologias nas quais a acentuação da importância da autoridade e da estrutura hierárquica da sociedade tem uma função conservadora. Nesse sentido, as ideologias autoritárias são ideologias da ordem e distinguem-se daquelas que tendem à transformação mais ou menos integral da sociedade, devendo entre elas ser incluídas as ideologias totalitárias.
Em relação aos regimes políticos, enfim, o termo autoritarismo é empregado em dois sentidos: um deles, muito generalizado, compreende todos os sistemas não democráticos caracterizados por um baixo grau de mobilização e de penetração da sociedade. Este último significado coincide em parte com a noção de ideologia autoritária. Mas só em parte, pois existem tanto os regimes autoritários de ordem como os regimes autoritários voltados para uma transformação, embora
limitada, da sociedade.
Em vista de tudo o que acabamos de expor, um fundo de significado comum não quer dizer plena coerência de significado. Mais importante do que isso é sublinhar que a existência de um fundo de significado comum não inclui a necessidade da co-presença fatual dos três níveis de autoritarismo. Razoavelmente pode supor-se que exista uma certa congruência entre eles.
Uma personalidade autoritária, por exemplo, sentir-se-á provavelmente à vontade numa estrutura de poder autoritária e achará provavelmente genial uma ideologia autoritária. Mas isso não significa que os três aspectos do autoritarismo estejam sempre e necessariamente presentes ao mesmo tempo. Em que grau e com que freqüência os três níveis de autoritarismo se acham juntos ou separados nas diversas situações sociais são um quesito cuja resposta não pode ser prejudicada, na partida, pelas definições, mas deve ser pacientemente determinada por meio da investigação empírica.
Em linha de princípio, nada exclui que crenças democráticas sejam impostas por meio de métodos autoritários. Ou que entre chefes de um Estado autoritário haja indivíduos não marcados por uma personalidade autoritária; ou que um regime autoritário de fato se acoberte por fora de uma ideologia democrática ou de uma ideologia totalitária que perdeu sua carga propulsiva e se transformou numa simples veste simbólica.
II. As ideologias autoritárias.
Já dissemos que não existe coerência plena de significado entre o autoritarismo ao nível de ideologia e o autoritarismo ao nível de regime político. A estrutura mais íntima do pensamento autoritário acha correspondência não em qualquer sistema autoritário, e sim no tipo puro de regime autoritário conservador ou de ordem. Nesse sentido, o pensamento autoritário não se limita a defender uma organização hierárquica da sociedade política, mas faz dessa organização o princípio político exclusivo para alcançar a ordem, que considera como bem supremo. Sem um ordenamento rigidamente hierárquico, a sociedade vai fatalmente ao encontro do caos e da desagregação.
Toda a filosofia política de Hobbes, por exemplo, pode ser interpretada como uma filosofia autoritária da ordem. Mas é uma teoria autoritária singular e de certo modo anômala, porque toma a iniciativa – da igualdade entre os homens e deduz a necessidade da obediência incondicional ao soberano por meio de um processo rigorosamente racional.
Geralmente, as doutrinas autoritárias, ao contrário, pelo menos as modernas, são doutrinas anti-racionalistas e antiigualitárias. Para elas, o ordenamento desejado pela sociedade não é uma organização hierárquica de funções criadas pela razão humana, mas uma organização de hierarquias naturais, sancionadas pela vontade de Deus e consolidadas pelo tempo e pela tradição ou impostas inequivocamente pela sua própria força e energia interna.
De costume, a ordem hierárquica a preservar é a do passado; ela se fundamenta na desigualdade natural entre os homens. É evidente que o problema da ordem é um problema geral de todo sistema político; e, como tal, não pode ser um monopólio do pensamento autoritário. Também em muitas exposições da ideologia liberal e da ideologia democrática acha-se, entre outros princípios, uma valorização da importância da autoridade como agente da ordem social. Mas o que caracteriza a ideologia autoritária, além da visão da desigualdade entre os homens, é que a ordem ocupa todo o espectro dos valores políticos, e o ordenamento hierárquico que daí resulta esgota toda a técnica da organização política.
Essa preocupação obsessiva pela ordem explica também por que o pensamento autoritário não pode admitir que o ordenamento hierárquico seja um simples instrumento temporário para levar a uma transformação parcial ou integral da sociedade, tal como acontece, pelo menos na interpretação ideológica, em muitos sistemas autoritários em vias de modernização e nos sistemas comunistas.
Para a doutrina autoritária, a organização hierárquica da sociedade acha a própria justificação em si mesma e a sua validade é perene. Além do mais, o autoritarismo, como ideologia da ordem, distingue-se de forma clara do próprio totalitarismo fascista, já que ele apenas impõe a obediência incondicional e circunscrita do súdito e não a dedicação total e entusiástica do membro da nação ou da raça eleita. A ordenação hierárquica do autoritarismo apóia-se essencialmente no modelo que precedeu a época da Revolução Industrial.
O pensamento autoritário moderno é uma formação de reação contra a ideologia liberal e democrática. A doutrina contra-revolucionária de J. de Maistre e de Bonald constitui sua primeira e mais coerente formulação. Mais tarde, com o inexorável avanço da sociedade industrial e urbana, o autoritarismo compactuará com o liberalismo, colorir-se-á de um nacionalismo sempre mais vistoso e procurará respostas para o próprio socialismo. Logo depois da Revolução Francesa, a sociedade poderá ainda aparecer frente a um bívio: de um lado, a continuação das correntes inovadoras; de outro, a plena restauração da ordem pré-burguesa.
Assim, Joseph de Maistre (1753-1821) pode contrapor ao iluminismo revolucionário uma doutrina que é uma reviravolta quase completa dele. Ao racionalismo iluminista ele opõe um radical irracionalismo. Segundo ele, as coisas humanas são o resultado do encadeamento imprevisível de numerosas circunstâncias, por detrás das quais está a Providência divina. É por isso que o homem deve ser educado nos dogmas e na fé e não no exercício ilusório da razão. À idéia de progresso, ele contrapõe a da tradição; a ordem social é uma herança da história passada que a consolidou e experienciou através do curso do tempo.
Toda a pretensão do homem em transformar-se em legislador é perturbadora e desagregadora. À visão da igualdade dos homens contrapõe a da sua insuprimível desigualdade. À tese da soberania popular opõe a de que todo poder vem de Deus. Aos direitos do cidadão, o absoluto dever da obediência do súdito. A ordem do pensamento contra-revolucionário é rigorosamente hierárquica. Como escreve o visconde de Bonald (1754-1840), o poder do rei, absoluto e independente dos homens, é a causa; os seus ministros (a nobreza), que executam a vontade dele, são os meios; a sociedade dos súditos, que obedece, é o efeito.
Bonald e Maistre iniciam um dos principais filões do pensamento autoritário – o católico –, o qual, com o passar do tempo, será enriquecido de novos componentes e assumirá tons inéditos. Por exemplo, pelos meados do século XIX, Juan Donoso Cortés (1809-1853), frente ao desenvolvimento decisivo do liberalismo e da democracia e ao crescimento incipiente do socialismo, vê na raiz de todas essas correntes um pecado contra Deus e uma nostalgia satânica pelo caos.
Pronuncia profecias apocalípticas prevendo que a monarquia não será mais suficiente para restaurar a ordem e poderá dar vida a uma ditadura política. E entre os fins do século XIX e o início do século XX, o marquês René de la Tour du Pin (1834-1924) contrapõe aos sindicatos socialistas uma reativação das corporações da Idade Média cristã, que deveriam abranger os proprietários, os dirigentes e os trabalhadores de todos os setores da indústria, esconjurando assim a luta de classes, as quais teriam, de outra parte, uma função consultiva, de modo a não atacar a autoridade absoluta da monarquia hereditária.
O autoritarismo foi uma característica importante e corrente do pensamento político alemão do século XIX. Inicialmente, ele representou uma resistência contra a unificação nacional e contra a industrialização, embora depois tenha acompanhado e guiado estas. Citarei apenas alguns autores, cujas idéias tiveram um peso mais significativo até na política prática: Carl Ludwig Haller (1768-1854), de Berna, que construiu uma teoria contra-revolucionária fundada sobre a idealização do Estado patrimonial da Idade Média e exerceu grande influência no círculo político de Frederico Guilherme IV; Friedrich Julius Stahl (1801-1861), que teorizou sobre a monarquia hereditária legítima de direito divino, contribuindo para dar forma ao programa conservador da monarquia prussiana que terminou na obra unificadora de Bismarck; e Heinrich Treitschke (1834-1896), cujas doutrinas se tornaram parte integrante da ideologia do império alemão até a Primeira Guerra Mundial.
O pensamento de Treitschke é muito interessante porque nele se reflete a situação de um Estado autoritário colocado diante do problema de operar uma forte mobilização social para consolidar a unidade nacional e para dirigir a modernização a partir de cima. De uma parte acha-se nele um nítido nacionalismo com marcantes tendências imperialísticas e um moderado acolhimento das teses liberais para levar a burguesia à colaboração. De outra parte, o cerne da doutrina permanece autoritário, mesmo se a autoridade não se baseia na vontade de Deus e sobre a história, e sim na história e na potência da mesma. O Estado é força, tanto para dentro como para fora, e o primeiro dever dos súditos é a obediência. A melhor forma de Governo é a monarquia hereditária, que se adapta às desigualdades naturais da sociedade, ao passo que a democracia contraria os dados naturais.
O rei detém o poder, dirige o exército e a burocracia e escolhe autonomamente seu Governo. É o modelo da monarquia constitucional prussiana, na qual a função do Parlamento e dos partidos – que Treitschke admite – é pouco mais do que consultiva. Essa estrutura hierárquica do sistema político espelha e preserva as hierarquias naturais da sociedade civil, que têm no vértice a nobreza hereditária, a "camada eminentemente política", que tem em mãos a direção do Estado; no meio, a burguesia, que tem um papel importante na vida da cultura e na vida material, mas que degenera quando quer ocupar-se excessivamente dos negócios públicos; e, na base, a grande massa dos trabalhadores braçais. Entre esses, Treitschke prefere significativamente os amponeses, conservadores e ligados à tradição, e olha com suspeição os operários urbanos, irrequietos e "singularmente sensíveis às idéias de subversão".
Prosseguindo nessa breve resenha exemplificativa, pode lembrar-se como característica da primeira metade do século XX a doutrina de Charles Maurras (1868-1952) que encabeçou o movimento de extrema direita da Action Française na França da III República e procurou depois do próprio pensamento a ideologia oficial do regime de Pétain.
No contexto social em que Maurras teorizava, a industrialização tinha já avançado, a penetração do Estado na sociedade era notável e a eficácia da ação política exigia um alto grau de mobilização. Tudo isso repercute em traços do pensamento maurrasiano, que não fazem parte do autoritarismo tradicional, do tipo do nacionalismo "integral", do anti-semitismo e do estilo de ação política por ele propugnado. Mas, simultaneamente, sua doutrina é fundamentalmente autoritária. Maurras odeia os "bárbaros" internos, armados com palavras de ordem sobre a igualdade e a liberdade; e odeia a democracia como força anárquica e destruidora. A salvação da França está na restauração de uma ordem que dê novo sangue vital às "belas desigualdades".
A ordem de Maurras é necessariamente hierárquica e encarna uma "monarquia tradicional, hereditária, antiparlamentar e descentralizada", que tem o direito à obediência incondicional dos franceses. A descentralização do Estado tornou-se possível graças ao fato de a autoridade da monarquia ser indestrutível. Ela comporta a autonomia das comunidades locais e sobretudo um ordenamento corporativo do tipo do de la Tour du Pin. Uma das pilastras fundamentais da ordem maurrasiana é o exército pelo qual ele nutria um verdadeiro culto e também a Igreja Católica, entendida não em sua mensagem cristã, mas como instituição de ordem e de hierarquia, e tudo, portanto, dentro de uma perspectiva de renovação da aliança do trono e do altar.
Certos aspectos do pensamento de Maurras, como o nacionalismo radical e o anti-semitismo, antecipam claramente o fascismo. Mas o autoritarismo não é o totalitarismo fascista; e quando para ele conflui ou dele se torna um simples componente, perde sua natureza mais íntima.
Na ideologia fascista, o princípio hierárquico já não é instrumento de ordemm mas instrumento de mobilização total da nação para desenvolver uma luta sem limite contra as outras nações. Nesse sentido, no fascismo a ideologia autoritária cessa e torna-se outra coisa. Depois da Segunda Guerra Mundial e das conseqüências que dela derivaram, a ideologia autoritária acha-se frente a um mundo hoje muito estranho para poder lançar raízes profundas. Não faltam regimes autoritários de tipo conservador; mas é difícil que eles encontrem sua justificação numa ideologia autoritária explícita e decisiva.
Como veremos abaixo, Juan Linz afirma que os atuais regimes autoritários, incluindo os conservadores, são caracterizados não pela ideologia, mas por simples "mentalidade". Essa diferenciação é talvez muito explícita e poderia ser formulada de maneira diferente, distinguindo entre ideologias de alto e de baixo grau de articulação simbólica e conceptual. Entretanto, fica sempre a verdade de que as ideologias autoritárias de hoje têm um modesto nível de elaboração. E isso, por sua vez, depende do fato crucial da perspectiva da conservação de uma ordem hierárquica estabelecida definitivamente e essencialmente ligada ao passado pré-burguês que foi inexoravelmente marginalizada como uma antiqualha inútil, por um mundo que é dominado, de fato e pelas expectativas dos homens, pela industrialização, pelo urbanismo e pela idéia de progresso e de mudança contínua da
sociedade.
Parece portanto que a ideologia autoritária não tem futuro. Parece ainda que para ressurgir deverá adaptar-se aos novos tempos e corrigir de forma substancial sua filosofia. Na base de conjecturas, poderá imaginar-se que num mundo industrializado ela não poderá deixar de juntar à preservação da ordem um tipo de administração da mudança social; e também que nessa alteração de rota poderá fazer reviver parcialmente o autoritarismo comtiano e um certo filão elitístico que propugnou ou fantasiou uma elite dos intelectuais e dos competentes. A forma mais provável é talvez a de uma tecnocracia coerente levada até as últimas conseqüências.
III. Personalidades e atitudes autoritárias.
Muitos aspectos da personalidade autoritária foram já enucleados na descrição do "caráter autoritário" feita por Eric Fromm em Fuga da liberdade (1941). O texto fundamental nesse campo é, todavia, a pesquisa monumental de Theodor W. Adorno e dos seus colaboradores, A personalidade autoritária, publicada em 1950. Essa pesquisa tem em mira descrever o indivíduo potencialmente fascista cuja estrutura da personalidade é tal que o torna particularmente sensível à propaganda antidemocrática.
Os autores procuram na verdade demonstrar que o anti-semitismo, que constituía o tema inicial
da pesquisa, é um aspecto de uma ideologia mais complexa caracterizada, entre outras coisas, pelo conservadorismo político-econômico, por uma visão etnocêntrica e, mais em geral, por uma strutura autoritária da personalidade. Nesse quadro, a personalidade autoritária é descrita como um conjunto de traços característicos inter-relacionados. Cruciais são as assim chamadas "submissão" e "agressão" autoritárias: de uma parte, a crença cega na autoridade e a obediência voltada para os superiores e, de outra, o desprezo pelos inferiores e a disposição em atacar as pessoas débeis que socialmente são aceitáveis como vítimas. Outros traços relevantes são a aguda sensibilidade pelo poder, a rigidez e o conformismo.
A personalidade autoritária tende a pensar em termos de poder, a reagir com grande intensidade a todos os aspectos da realidade que tocam, efetivamente ou na imaginação, as relações de domínio. É intolerante para com a ambigüidade, refugia-se numa ordem estruturada de modo elementar e inflexível e faz um uso marcado de estereótipos tanto no pensamento como no comportamento. É particularmente sensível em relação à influência de forças externas e tende a aceitar supinamente todos os valores convencionais do grupo social a que pertence. A essas características, Adorno e seus colaboradores juntaram outras que podemos passar adiante nessa exposição.
A interpretação que Adorno e seus colaboradores deram da personalidade autoritária é profundamente psicanalítica. Uma relação hierárquica e opressiva entre pais e filhos cria no filho um comportamento muito intenso e profundamente ambivalente em relação à autoridade. De um lado, existe uma forte disposição para a submissão; de outro lado, poderosos impulsos hostis e agressivos. Estes últimos impulsos são porém drasticamente eliminados pelo superego. E a extraordinária energia dos impulsos contidos, enquanto contribui para tornar mais cega e absoluta a obediêncià autoridade, é, em sua maior parte, dirigida para a agressão contra os débeis e inferiores. É portanto um mecanismo por meio do qual o indivíduo procura inconscientemente superar seus conflitos interiores, o que desencadeia o dinamismo da personalidade autoritária. O indivíduo, para salvar o próprio equilíbrio ameaçado em sua raiz pelos impulsos em conflito, agarra-se a tudo quanto é força e energia e ataca tudo quanto é fraqueza. A esse dinamismo fundamental estão ligados todos o outros traços da personalidade autoritária: desde a tendência a depender de forças externas até a preocupação obsessiva pelo poder e desde a rigidez até o
conformismo.
O estudo de 1950 foi sujeito de várias críticas relativas tanto ao método usado com aos esultados obtidos. Entre as críticas de método lembraremos aquela segundo a qual a tendência dos sujeitos examinados a dar respostas "altas", isto é, a declarar-se de acordo com as proposições do questionário, pode depender mais do que de uma escolha de valores a respeito do conteúdo da proposição, da propensão a não discordar de uma afirmação já formulada. Essa propensão pode estar ligada principalmente a pessoas de baixa renda e com um baixo nível de instrução. Essa crítica é importante porque as diversas escalas empregadas na pesquisa (escalas do anti-semitismo, do etnocentrismo, do conservadorismo político-econômico e das tendências antidemocráticas) foram todas construídas de modo que as respostas "altas", ou seja, do consenso mais ou menos destacado a respeito das proposições-teste, constituíssem uma medida direta dos parâmetros politicamente "negativos": o anti-semitismo, o etnocentrismo, o conservadorismo político-econômico e as tendências antidemocráticas.
Foi observado também que as proposições-teste refletem de maneira acentuada a posição de esquerda moderada dos autores, de tal maneira que o que se conclui não é o autoritarismo tout court, mas apenas o autoritarismo de tipo fascista. Segundo essa crítica, Adorno e seus colaboradores trocaram a dicotomia preconceito-tolerância pela de direita-esquerda, com a conseqüência de ignorar totalmente os preconceitos associados às ideologias de esquerda e mais em geral o autoritarismo de esquerda. Na verdade, pode afirmar-se que, com base nas respostas aos questionários preparados por Adorno e pelos seus colaboradores, uma pessoa autoritária de esquerda teria verossimilmente obtido um total de pontos muito baixa e teria sido considerada não autoritária. Pesquisas posteriores, levadas a cabo até mesmo por alguns colaboradores de Adorno, procuraram corrigir esse "tendenciosismo" da personalidade autoritária.
Mas a crítica mais comum e mais importante é talvez aquela que diz respeito à base exclusivamente psicanalítica da interpretação da personalidade autoritária.
Observou-se que uma interpretação mais completa desse tipo de personalidade requereria uma consideração exaustiva do ambiente social, das diversas situações e dos diversos grupos que podem influenciar a personalidade. Isso porque muitos fenômenos que à primeira vista aparecem como fatores de personalidade, depois de uma análise mais cuidada, podem revelar-se apenas como efeito de específicas condições sociais. Nessa linha foi-se constituindo, por parte de vários autores, uma segunda explicação da formação da personalidade autoritária: a do chamado "autoritarismo cognitivo".
Segundo essa colocação, os traços da personalidade autoritária baseiam-se simplesmente em certas concepções da realidade existentes numa determinada cultura ou subcultura. Essas concepções são apreendidas pelo indivíduo por meio do processo de socialização e correspondem de forma mais ou menos realística às efetivas condições de vida de seu ambiente social. Na realidade, essas duas interpretações da personalidade autoritária não se excluem necessariamente entre si. Numerosas pesquisas empíricas feitas recentemente parecem mostrar que em certas situações ou em certas classes sociais encontram-se muitos dos fatos mencionados pela teoria do "autoritarismo cognitivo", enquanto em outras situações e em outras classes sociais a interpretação psicanalítica mantém uma maior eficácia explicativa.
Indubitavelmente inclinada para uma interpretação sociológica mais do que psicológica dos comportamentos autoritários é a tese do "autoritarismo da classe trabalhadora", destacada principalmente por Seymour M. Lipset. Essa tese não nega a existência de tendências autoritárias nas classes elevadas e médias, mas sustenta que na sociedade moderna as classes mais baixas se tornaram pouco a pouco a maior reserva de comportamentos autoritários. Por autoritarismo não se entende aqui a síndrome da personalidade autoritária em toda a sua complexidade, mas de preferência uma série de atitudes individuais condizentes com uma disposição psicológica autoritária: uma baixa sensibilidade em relação às liberdades civis, a intolerância, baixa inclinação para sustentar um sistema pluripartidário, intolerância frente aos desvios dos códigos morais convencionais, propensão para participar de campanhas contra os estrangeiros ou minorias étnicas ou religiosas, tendência para apoiar partidos extremistas, etc. Numerosas pesquisas mostraram que esses comportamentos estão presentes mais acentuadamente nas classes baixas.
Lipset imputa essa correlação à situação social da classe trabalhadora, caracterizada por um baixo nível de instrução, por uma baixa participação na vida de organismos políticos e de associações voluntárias, por pouca leitura e escassa informação, pelo isolamento derivado do tipo de atividade desenvolvida (um fator que age em grau máximo no caso dos camponeses e de outros trabalhadores, como os mineiros), pela insegurança econômica e psicológica e pelo caráter autoritário da vida familiar.
Todos esses fatores contribuem para a formação de uma perspectiva mental pobre e indefesa, feita de grande sugestionabilidade, de falta de um senso do passado e do futuro, de incapacidade de ter uma visão complexa das coisas, de dificuldade de elevar-se acima da experiência concreta e de falta de imaginação. É exatamente dentro dessa perspectiva mental que deve ser procurada, segundo Lipset, a complexa base psicológica do autoritarismo.
Também à tese de Lipset foram dirigidas diversas críticas quer quanto ao método quer quanto à interpretação. No plano do método foi observado, por exemplo, que, em algumas pesquisas utilizadas por Lipset, o modo de calcular os percentuais, que em certos casos equiparava as respostas "não sei" àquelas que eram abertamente intolerantes, era desfavorável às classes baixas, nas quais existe maior quantidade de respostas incertas ou ausência de opinião. Além disso, o tipo de perguntas dirigidas aos entrevistados favorecia a classe média, já que tais perguntas se referiam a argumentos que poderiam ser interessantes e compreensíveis para as pessoas de classe média, mas não da mesma maneira para os trabalhadores.
No plano da interpretação, e com referência especial à classe operária, objetou-se que deveria ser levada em conta não apenas a condição de operário, mas a proveniência social do operário. E uma tentativa de reelaborar os dados nesse sentido parece mostrar que o autoritarismo deveria ser atribuído sobretudo aos operários de imediata roveniência campesina. Foi notado ainda que os estudos sobre o autoritarismo da classe operária deveriam ter em conta a mobilidade vertical, uma vez que há razões para acreditar que são sobretudo autoritários os elementos que descem da classe média para a classe operária; e também que, ao contrário, são tolerantes aqueles que vão da classe operária para a classe média.
IV. Regimes e instituições autoritárias.
Em sentido generalíssimo, fala-se de regimes autoritários quando se quer designar toda a classe de regimes antidemocráticos. A oposição entre autoritarismo e democracia está na direção em que é transmitida a autoridade e no grau de autonomia dos subsistemas políticos (os partidos, os sindicatos e todos os grupos de pressão em geral). Debaixo do primeiro perfil, os regimes autoritários se caracterizam pela ausência de Parlamento e de eleições populares, ou, quando tais instituições existem, pelo seu caráter meramente cerimonial, e ainda pelo indiscutível predomínio do poder executivo. No segundo aspecto, os regimes autoritários se distinguem pela ausência da liberdade dos subsistemas, tanto no aspecto real como no aspecto formal, típica da democracia.
A oposição política é suprimida ou obstruída. O pluralismo partidário é proibido ou reduzido a um simulacro sem incidência real. A autonomia dos outros grupos politicamente relevantes é destruída ou tolerada enquanto não perturba a posição do poder do chefe ou da elite governante.
Nesse sentido, o autoritarismo é uma categoria muito geral que compreende grande parte dos regimes políticos conhecidos, desde o despotismo oriental até o império romano, desde as tiranias
gregas até as senhorias italianas, desde a moderna monarquia absoluta até a constitucional de tipo prussiano, desde os sistemas totalitários até as oligarquias modernizantes ou tradicionais dos países em desenvolvimento. Se tivermos presentes apenas os sistemas políticos atualmente existentes e concentrarmos a atenção sobre o papel que neles têm os partidos, podemos distinguir três formas de regimes autoritários, segundo observações de Samuel P. Huntington e de Clemente H. Moore: os regimes sem partidos, que correspondem habitualmente a níveis bastante baixos de mobilização social e de desenvolvimento político (Etiópia de Hailé Selassié, por exemplo); os regimes de partido único – no sentido real e não formal da expressão – que são os mais numerosos (a União Soviética, por exemplo); e, mais raramente, os regimes pluripartidários em que diversos partidos convencionam não competir entre si, produzindo resultados funcionais muito semelhantes àqueles que encontramos no monopartidarismo (caso da Colômbia).
Todavia, na classificação dos regimes políticos contemporâneos, o conceito de autoritarismo é empregado muitas vezes para designar não todos os sistemas antidemocráticos, mas apenas uma sua subclasse. Nesse sentido, distingue-se entre autoritarismo e totalitarismo. A propósito dessa distinção, devemos dizer, em termos preliminares, que enquanto o uso estrito que se faz de autoritarismo é útil e legítimo, o uso amplo de "totalitarismo" traz consigo inconvenientes sérios, sendo vivamente criticado. Na verdade, o que se contrapõe aos regimes autoritários são todos os regimes monopartidários com índices de alta mobilização política. No verbete Totalitarismo (v.) encontraremos uma discussão explícita desse ponto.
Na exposição presente, para simplificar, continuaremos falando, embora com a devida cautela, de regimes "totalitários". Para isso, deveremos voltar à nossa distinção: ela poderá ser levada ao grau da penetração e da mobilização política da sociedade e aos instrumentos a que a elite governante especificamente recorre. Nos regimes autoritários a penetração-mobilização da sociedade é limitada: entre Estado e sociedade permanece uma linha de fronteira muito precisa. Enquanto o pluralismo partidário é suprimido de direito ou de fato, muitos grupos importantes de pressão mantêm grande parte da sua autonomia e por conseqüência o Governo desenvolve ao menos em parte uma função de árbitro a seu respeito e encontra neles um limite para o próprio poder.
Também o controle da educação e dos meios de comunicação não vai além de certos limites. Muitas vezes é tolerada até a oposição, se essa não for aberta e pública. Para alcançar seus objetivos, os Governos autoritários podem recorrer apenas aos instrumentos tradicionais do poder político: exército, polícia, magistratura e burocracia. Quando existe um partido único, também acontece que ele não assume o papel crucial tanto no que diz respeito ao exercício do poder como no que se refere à ideologia, tal como acontece nos regimes "totalitários".
Nestes últimos regimes, a penetração-mobilização da sociedade, ao contrário, é muito alta: o Estado, ou melhor, o aparelho do poder, tende a absorver a sociedade inteira. Neles, é suprimido não apenas o pluralismo partidário, mas a própria autonomia dos grupos de pressão que são absorvidos na estrutura totalitária do poder e a ela subordinados.
O poder político governa diretamente as atividades econômicas ou as dirige para seus próprios fins, monopoliza os meios de comunicação de massa e as instituições escolares, suprime até manifestações críticas de pequeno porte ou de oposição, procura aniquilar ou subordinar a si as instituições religiosas, penetra em todos os grupos sociais e até na vida familiar. Esse grande esforço de penetração e de mobilização da sociedade comporta uma intensificação muito destacada da propaganda e de arregimentação. Daqui nasce a importância central do partido único de massa, portador de uma ideologia fortemente dinâmica; e, em certos casos extremos, comporta também uma intensificação muito forte da violência; e daí nasce a importância, em casos extremos, da polícia secreta e dos outros instrumentos de terror.
O sociólogo político Juan Linz, que é dos autores que mais contribuíram para precisar a distinção entre "autoritarismo" e "totalitarismo" na tipologia dos sistemas políticos contemporâneos, propõe essa definição: "Os regimes autoritários são sistemas políticos com um pluralismo político limitado e não responsável; sem uma ideologia elaborada e propulsiva, mas com mentalidade característica; sem uma mobilização política intensa ou vasta, exceção feita em alguns momentos de seu desenvolvimento; e no qual um chefe, ou até um pequeno grupo, exerce o poder dentro dos limites que são formalmente mal definidos, mas de fato habilidosamente previsíveis".
O primeiro ponto diz respeito ao pluralismo político: um pluralismo limitado de direito e de fato, mais tolerado do que reconhecido e não responsável, no sentido de que o recrutamento político de indivíduos provenientes das diversas forças sociais não se baseia em um princípio operante de representatividade dessas forças sociais, mas sobre escolha e preferência do alto. O segundo ponto destaca o baixo grau de organização e de elaboração conceptual das teorias que justificam o poder dos regimes autoritários e, por conseqüência, a sua modesta dinâmica propulsiva. O terceiro ponto acentua a escassa participação da população nos organismos políticos e parapolíticos, que caracteriza os regimes autoritários estabilizados, mesmo quando em certas fases de sua história, especialmente em fases iniciais, a mobilização pode ser muito maior. Finalmente, o quarto aspecto torna claro o fato de que o poder do chefe ou da elite governante se exerce dentro de limites bastante definidos, mesmo quando não estão estabelecidos formalmente.
Esses limites estão evidentemente ligados a outros aspectos dos regimes autoritários: o pluralismo moderado, a falta de uma ideologia propulsiva, escassa mobilização e ausência de um eficiente partido de massa.
O grau relativamente moderado da penetração no tecido social dos regimes autoritários depende sempre do atraso mais ou menos marcante da estrutura econômica e social. Mas, nesse contexto, a elite governante pode ter dois papéis diversos: pode reforçar o modesto grau de penetração do sistema político, escolhendo deliberadamente uma política de mobilização limitada, ou escolher uma política de mobilização acentuada cujos limites serão definidos pelas condições do ambiente. Com base no comportamento desses fatores, G. A. Almond e G. B. Powe distinguem, no âmbito dos regimes autoritários, entre regimes autoritários de tipo conservador e regimes autoritários em vias de modernização.
Os regimes autoritários conservadores, como os de Franco e de Salazar, surgem dos sistemas políticos tradicionais dinamizados por uma parcial modernização econômica, social e política, e têm em vista limitar a destruição da ordem social tradicional usando algumas técnicas modernas de organização, de propaganda e de poder. O poder de mobilização, porém, é muito limitado. O regime não procura entusiasmo e sustentação, contenta-se com a aceitação passiva e tende a desencorajar a doutrinação ideológica e o ativismo político. Os regimes autoritários em vias de modernização que podem ser encontrados em vários países do terceiro mundo surgem em sociedades caracterizadas por uma modernização ainda muito débil e obstaculizada por vários estrangulamentos sociais. Eles pretendem reforçar e tornar incisivo o poder político para superar os impasses no caminho do desenvolvimento.
A caminhada para a mobilização é por isso muito mais forte do que nos regimes de tipo conservador; mas a força de penetração do regime é limitada pela consistência das forças sociais conservadoras e tradicionais e pelo atraso geral da estrutura social e da cultura política. Nessa situação, a elite governante se esforça por introduzir os instrumentos modernos de mobilização social, mas não está em condições de organizar um partido de massa verdadeiramente eficiente.
Essas dificuldades que a elite governante enfrenta são ainda maiores nos regimes autoritários pré-mobilizados, já que o ambiente que os caracteriza é uma sociedade ainda quase inteiramente tradicional, tanto na estrutura social como na cultura política. Num certo sentido, tais regimes não são senão "meros acidentes históricos, isto é, sistemas nos quais, em conseqüência do influxo do colonialismo e da difusão das idéias e das atividades existentes em países mais desenvolvidos, criou-se uma elite modernizante e uma estrutura política diferenciada, muito antes que se tenha sentido a necessidade ou o impulso de desenvolver tais estruturas e culturas por própria conta". Os enormes obstáculos que se opõem à mobilização política e à modernização, em casos como esses, ficaram bem ilustrados com os acontecimento de Gana na época de Nkrumah.
Uma tipologia dos regimes autoritários contemporâneos, mais minuciosa e articulada, é a proposta por J. Linz. Prevê cinco formas principais e duas secundárias, sete tipos ao todo.
1) Os regimes autoritários burocrático-militares são caracterizados por uma coalizão chefiada por oficiais e burocratas e por um baixo grau de participação política. Falta uma ideologia e um partido de massa; existe freqüentemente um partido único, que tende a restringir a participação; às vezes existe pluralismo político, mas sem disputa eleitoral livre. É o tipo de autoritarismo mais difundido no século XX: são disso exemplo o Brasil e a Argentina em alguns períodos de suas histórias, a Espanha de Primo de Rivera e os primeiros anos de Salazar em Portugal.
2) Os regimes autoritários de estatalismo orgânico são caracterizados pelo ordenamento hierárquico de urna pluralidade não competitiva de grupos que representam diversos interesses e categorias econômicas e sociais, bem como por um certo grau de mobilização controlada da população em formas "orgânicas". Existe também amiúde um partido único, com um papel mais ou menos relevante, ao mesmo tempo que a perspectiva ideológica do regime assenta numa certa versão do corporativismo. Exemplo típico do estatalismo orgânico encontramos no Estado Novo português; mas também há tendências corporativas na Itália fascista, na Espanha franquista e em alguns países da América Latina.
3) Os regimes autoritários de mobilização em países pós-democráticos se distinguem pelo grau relativamente mais elevado de mobilização política, a que corresponde o papel mais incisivo do partido único e da ideologia dominante, e por um grau relativamente mais baixo de pluralismo político permitido. São os regimes usualmente chamados "fascistas" ou, pelo menos, a maior parte deles. O caso mais representativo é o do fascismo italiano.
4) Os regimes autoritários de mobilização pós-independência são os resultantes da luta anticolonial e da conquista da independência nacional, especialmente espalhados pelo continente africano. Caracterizam-se pelo surgimento de um partido único ainda débil e não apoiado pelas formações paramilitares típicas dos regimes fascistas, por uma leadership nacional muitas vezes de caráter carismático, por um incerto componente ideológico e por um baixo grau de participação política.
5) Os regimes autoritários pós-totalitários são representados pelos sistemas comunistas após o processo de desestalinização. São o resultado combinado de diversas tendências: formação de interesses em conflito – portanto de um pluralismo limitado –, despolitização parcial das massas, atenuação do papel do partido único e da ideologia, acentuada burocratização. São tendências que provocam uma transformação considerável e sólida do anterior modelo totalitário. A esses cinco tipos principais de regimes autoritários Linz acrescentou ainda o
6) totalitarismo imperfeito, que constitui geralmente uma fase transitória de um sistema cuja evolução para o totalitarismo é sustada e tende depois a transformar-se em qualquer outro tipo de regime autoritário, e
7) a chamada democracia racial, domínio autoritário de um grupo racial sobre outro grupo racial que representa a maioria da população (Àfrica do Sul), embora internamente ele seja regido pelo sistema democrático.
Em analogia com os regimes políticos, pode-se atribuir o caráter do autoritarismo também a outras instituições sociais familiares, escolares, religiosas, econômicas e outras. Nesse campo, o conceito de autoritarismo torna-se muito genérico e pouco preciso, ainda que seja claro que, para as outras instituições sociais, tal como acontece com os regimes políticos, ele se refere à estrutura das relações de poder.
Seria lícito dizer que uma instituição é tanto mais autoritária quanto mais as relações de poder que a distinguem são confiadas a comandos apodíticos e ameaças de punição e tendem a excluir ou a reduzir ao mínimo a participação de baixo na tomada de decisões. Mas se pode ser relativamente fácil concordar em geral sobre os parâmetros do autoritarismo das instituições, é muito mais difícil concordar sobre sua aplicação concreta a essa ou àquela instituição. Nesse campo tornam-se claramente relevantes, mais do que em qualquer outra circunstância, as orientações de valor das diversas correntes. Isso pode ser facilmente observado considerando as respostas que de costume são dadas aos dois principais problemas que emergem no setor.
O primeiro problema pode ser formulado da seguinte maneira: até que ponto é legítima a analogia entre os conceitos de democracia e de autoritarismo ao nível dos regimes políticos e os mesmos conceitos ao nível das diversas instituições sociais? De uma parte, alguns tendem a levar a analogia muito à frente, querem democratiza as várias instituições sociais, introduzindo parlamentos e assembléias com o máximo poder de decisão, na escola, na fábrica, na igreja, etc. e chamam de autoritárias todas as instituições que não se conformam com tais critérios. O alvo de ataque dessa tendência radical é, em particular, a estrutura hierárquica das grandes unidades econômicas contemporâneas, para as quais a analogia com os regimes políticos não poderia ser negada desde o momento em que apenas as instituições sociais estão em condições de tomar decisões do mesmo alcance que o Governo.
De outra parte, há aqueles que refutam essa extensão do significado de autoritarismo, o quais defendem o princípio da pluralidade das estruturas de poder nas diferentes instituições, afirmando que uma excessiva difusão dos processos democráticos de derivação política só leva a desnaturar a fisionomia específica e a minar o bom funcionamento dos diversos setores institucionais. Afirma-se, por exemplo, que nas instituições que dizem respeito às relações entre adultos e jovens, como a família e escola, existe uma desigualdade de base que não permite uma total analogia com o sistema político; ou que a democratização dos problemas econômicos as privaria da sua eficiência.
Conexo com a resposta radical ou moderada que se dá ao primeiro problema é o tipo de solução do segundo problema que diz respeito à conexão entre a democracia e o autoritarismo das instituições sociais e a democracia e o autoritarismo do sistema político. Para os moderados, a conexão não existe ou então é mínima. Não só a organização hierárquica da família e da unidade econômica, mas também a estrutura oligárquica dos próprios partidos, não atinge a democracia. Por um lado, a oligarquia ao nível de partido político se converte na democracia ao nível de sistema em seu conjunto, se existe uma pluralidade de partidos .que periodicamente e livremente lutam pelo poder de Governo por meio do voto popular.
Nesse quadro, um certo grau de apatia política das massas é compatível com a democracia e pode até ser útil para a sua estabilidade. Para a posição radical, ao contrário, a democracia de um sistema político é avaliada com base na real participação dos cidadãos na formação das decisões; e nas atuais democracias liberais, a participação política é realmente insuficiente, porque os homens não são educados para uma tal participação, que muitas vezes diz respeito a problemas longínquos e abstratos, pormeio da oportunidade de participar das decisões que os tocam de perto na sua experiência concreta. Nessa perspectiva, a conexão entre o autoritarismo ou a democracia das outras instituições sociais e o autoritarismo ou a democracia do sistema político torna-se bastante estreita. Um sistema político democrático pressupõe uma sociedade democrática; e por isso as atuais democracias liberais devem sujeitar-se a uma profunda transformação, no sentido de uma nítida democratização das instituições sociais que, tal como acontece com as instituições econômicas, envolvem mais diretamente os interesses dos homens que nelas trabalham dia a dia.
Uma posição intermediária a respeito do problema da conexão está implícita na teoria da estabilidade dos sistemas políticos de Harry Eckstein. Segundo esse cientista político, a estabilidade se apóia na "congruência" entre o modelo de autoridade do regime político e os modelos de autoridade vigentes nas instituições sociais. Nesse sentido, a estabilidade da democracia inglesa e da norueguesa depende do fato de que uma análoga dosagem de democracia e de autoridade caracteriza tanto o Governo como as instituições sociais; enquanto a derrubada da República de Weimar se atribui ao contraste claro entre a organização democrática do Governo e a estrutura marcadamente autoritária das instituições sociais.
Aqui, todavia, "congruência" nem sempre quer dizer um pleno "isomorfismo", mas muitas vezes indica uma semelhança "gradativa", mais relevante nas instituições mais próximas do Governo (partidos, grupos de pressão, associações voluntárias entre adultos) e muito menos significativa nas instituições mais distantes, como a família, a escola e forças de produção. Segundo Eckstein, o insuprimível componente autoritário de diversas instituições sociais torna mais estáveis os sistemas políticos nos quais a democracia do Governo é atenuada por uma certa "impureza".
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