domingo, 21 de dezembro de 2008

O sistema totalitário -- Hannah Arendt
Pag 409

O governo bolchevista empreendeu então a liquidação das classes e começou, por motivos ideológicos e de propaganda, com as classes proprietárias, a nova classe média das cidades e os camponeses do interior. Por serem numerosos e possuírem propriedades, os camponeses haviam sido até então, potencialmente, a classe mais poderosa da URSSS, conseqüentemente, a sua liquidação foi mais meticulosa e cruel do que a de qualquer outro grupo, e foi levada a cabo por meio de fome artificial e deportação, a pretexto de expropriação dos kulaks e de coletivização.

A liquidação das classes média e camponesa terminou no início da década de Trinta; os que não se incluíam entre os muitos milhões de mortos ou milhões de deportados sabiam agora "quem mandava neste país" e haviam compreendido que as suas vidas e as vidas das suas famílias não dependiam dos seus concidadãos, mas apenas dos caprichos do governo, aos quais tinham de enfrentar em completa solidão, sem qualquer tipo de auxílio do grupo a que pertencessem.

Pag 411

Nenhum desses imensos sacrifícios de vida humana foi motivado por uma "raison d'etat" no antigo sentido do termo. Nenhuma das camadas sociais liquidadas era hostil ao regime, nem era provável que se tornasse hostil num futuro previsível. A oposição ativa e organizada havia cessado de existir por volta de 1930 quando Stálin, no seu discurso no XVI Congresso do Partido, declarou ilegais as divergências ideológicas dentro do Partido, sendo que mesmo essa frouxa oposição mal pudera basear-se em alguma classe existente.

O terror ditatorial - que difere do terror totalitário por ameaçar apenas adversários autênticos, mas não cidadãos inofensivos e carentes de opiniões políticas - havia sido suficientemente implacável para sufocar toda a atividade política, ostensiva ou clandestina, mesmo antes da morte de Lênin.

Nenhum comentário:

Postar um comentário