O Caso Slovik
Os que nada possuem estão cansados de ir para uma guerra defender os que tem tudo
Os que nada possuem estão cansados de ir para uma guerra defender os que tem tudo
Enciclopédia Jurídica - Leib Soibelman
Eddie D. Slovik, soldado raso do exército norte-americano, foi fuzilado em 1945, na França, como desertor, tendo declarado em sua confissão que renovaria, se necessário, o seu gesto. Foi o único soldado executado por deserção desde 1864.
Durante a guerra de secessão, Lincoln ordenou a execução de desertores e na segunda grande guerra houve milhares de casos.
Slovik teve uma juventude marcada por pequenos delitos e reformatórios, até que pouco antes de ser convocado casara, trabalhava regularmente e tinha um carro velho, coisas que para ele representavam muito, pois pela primeira vez estava usufruindo algo depois de uma vida de misérias.
Sua reação ao receber o aviso de convocação foi a seguinte: "por que é que antes eles não se interessavam por mim e agora que consegui alguma coisa eles me chamam?" Só tinha encontrado adversidade em sua vida anterior e não tinha nenhuma formação para entender os deveres de um cidadão ou ser grato ao sistema no qual vivia. Além disso era uma pessoa extremamente temerosa, o que já havia sido notado pelos que o conheciam ou examinaram.
Na frente de combate recusou-se a atirar contra qualquer inimigo e não admitia que o governo pudesse exigir de alguém que fosse para uma guerra. Desertou por simples covardia, condição que nunca negou, achando que não tinha constituição para enfrentar o inimigo.
Pouco antes de ser executado declarou: "eles não me fuzilam porque eu desertei, coisa que milhares fizeram, mas pelo pão que roubei quando tinha doze anos", e, desgraçadamente, dizia a pura verdade, porque os militares que participaram do caso achavam que o seu "passado civil" não recomendava a clemência confundindo simples delitos da juventude com uma vida de criminoso endurecido.
Paradoxalmente, enfrentou o fuzilamento com uma grande coragem. Eisenhower, chefe das forças norte-americanas na Europa, recusou a clemência, baseado em relatórios de seus assessores, um dos quais afirmava que Slovik devia ser executado não como "castigo ou sanção, mas para manter a disciplina, que somente ela pode nos assegurar a vitória sobre nossos inimigos".
É verdade que na época os exércitos norte-americanos enfrentavam terríveis batalhas e dificuldades. O processo veio demonstrar mais uma vez o eterno drama ou conflito entre a autoridade e a consciência individual, entre os interesses de uma comunidade e os direitos de cada um.
Slovik pretendia trocar os perigos da frente de batalha pela segurança e relativo conforto de uma prisão, pois desertou deliberadamente como ficou provado. Dias antes de fazê-lo indagara de superiores sobre o que é que podia acontecer no máximo num caso de deserção e todos lhe responderam que era uma corte marcial, ninguém lhe tendo dito que podia arriscar uma pena de morte. Parece que ele mesmo não acreditava na execução até o último momento.
Um dos generais declarou: "se perdoar um tipo desses como poderei encarar meus comandados da linha de frente? se todos pensarem assim, amanhã estaremos sob as botas de Hitler". O azar de Slovik foi ter sido julgado quase que sumariamente por uma corte marcial no teatro da guerra, sem nenhuma defesa que pudesse apelar para exames psiquiátricos ou psicanalíticos e outros recursos de caráter particular.
Anos depois, o número de desertores aumentou tremendamente, como na guerra da Coréia e do Vietnã, mas eram situações totalmente diferentes, guerras de intervenção norte-americana em terra alheia e não em defesa de toda uma civilização como na segunda grande guerra.
Hoje a opinião pública reprova totalmente a execução de um desertor.
Outro azar de Slovik foi ter sido enviado para a frente de luta em vez de prestar um serviço burocrático, falha evidente do serviço de convocação que não soube analisar a sua personalidade. Mas este processo suscita uma questão séria: o que é o dever? Como conciliar um mundo que defende a liberdade pelas armas com os direitos que tem uma pessoa de ser convencida de que o seu sacrifício é justo? como exigir de um indivíduo que defenda um sistema que lhe negou tudo?
É evidente que o melhor seria não existirem guerras, mas dizer isto não resolve nada. Só uma conclusão é possível tirar: a democracia, para exigir com justiça a participação de um indivíduo na guerra, tem de ser social e não apenas formal, porque os que nada possuem estão cansados de ir para uma guerra defender os que tem tudo.
B. - William Bradford Huie, L'exécution du soldat Slovik. Julliard ed. Paris, 1956.
Nenhum comentário:
Postar um comentário