CAPÍTULO 6 - SERÁ NOSSO FUTURO COMO STAR TREK ou NÃO?
O UNIVERSO NUMA CASCA DE NOZ - STEPHEN HAWKING
Como a vida biológica e eletrônica desenvolver-se-á em complexidade com um ritmo cada vez mais rápido.
O motivo pelo qual a série STAR TREK seja tão popular é que apresenta uma visão do futuro segura e reconfortante. Sou um entusiasta desta série, o que resultou fácil persuadir-me a participar de um episódio em que jogava pôquer com Newton, Einstein e o Comandante Data. Ganhei em todos mas, por desgraça, houve um alerta vermelho e não pude recolher o que tinha ganho.
Star Trek mostra uma sociedade muito avançada em relação à nossa em ciência, tecnologia e organização política (este último não é difícil). Do tempo passado até agora, houve grandes mudanças, porém, supõe-se que, no período mostrado na série, a ciência, a tecnologia e a organização da sociedade alcançaram um nível próximo à perfeição.
Quero questionar esta imagem e perguntar se a ciência e a tecnologia chegarão a alcançar um estado final estacionário. Nos dez mil anos transcorridos da última glaciação, em nenhum momento a espécie humana se achou em um estado de conhecimento constante e tecnologia fixa. Inclusive houve alguns retrocessos, como nas idades obscuras posteriores à queda do Império Romano, mas a população mundial, que constitui um indicador de nossa capacidade tecnológica de conservar a vida e nos alimentar, aumentou incessantemente, com poucas quedas como a devida à Peste Negra.
Nos últimos duzentos anos, o crescimento da população fez-se exponencial; quer dizer, a população cresce cada ano a mesma percentagem. Atualmente, a taxa de crescimento é de 1,9 por cento anual. Isto pode parecer pouco, mas significa que a população mundial duplica-se a cada quarenta anos.
Outros indicadores do desenvolvimento tecnológico recente são o consumo de eletricidade e o número de artigos científicos publicados, que também mostram crescimento exponencial, com tempos de duplicação menores que quarenta anos. Não há indícios de que o desenvolvimento científico e tecnológico vá frear-se e deter-se no futuro próximo —certamente não na época do Star Trek, que se supõe ocorrer em um futuro não muito longínquo. Porém, se o crescimento da população e o consumo de eletricidade seguem ao ritmo atual, no ano 2600 a população mundial estará tocando ombro a ombro, e o consumo de eletricidade fará que a Terra fique vermelho vivo (veja-a ilustração da página oposta).
Enfileirando-se todos os novos livros publicados, deveríamos-nos deslocar a cento e cinqüenta quilômetros por hora para mantermo-nos à frente da fileira. Naturalmente, no ano 2600 os novos trabalhos científicos e artísticos terão formato eletrônico, em vez de ser livros e revistas. Entretanto, se continuasse o crescimento exponencial, publicariam-se dez artigos por segundo em minha especialidade de física teórica, e não teria tempo de lê-los.
Claramente, o crescimento exponencial atual não pode continuar indefinidamente. Então, o que ocorrerá? Uma possibilidade é autodestruirmo-nos completamente provocando algum desastre, como por exemplo, uma guerra nuclear. Seria uma triste ironia que o motivo pelo qual não fomos contactados por extraterrestres fora que quando uma civilização alcança nosso estádio de desenvolvimento sucede instável e auto destrutiva. Porém, sou otimista. Não acredito que a espécie humana chegou tão longe só para eliminar-se a si mesmo quando as coisas começassem a ficar interessantes.
A visão de futuro apresentada no Star Trek —quer dizer, alcançando-se um nível avançado, mas, essencialmente estático— pode chegar a ser verdade no que se refere ao conhecimento das leis básicas que regem o universo. Como descreverei no capítulo seguinte, haveria uma teoria última e poderíamos descobri-la em um futuro não muito distante. Esta teoria última, se existir, determinaria se o sonho do Star Trek de viajar pelos atalhos das deformações do universo realizar-se-á. Segundo as idéias atuais, teremos que explorar a galáxia de uma maneira lenta e aborrecida, utilizando naves espaciais que viajam com velocidade menor que a da luz, mas, como ainda não temos uma teoria unificada completa, não podemos desprezar completamente as viagens por atalhos do espaço-tempo.
Por outro lado, já conhecemos as leis que se cumprem em todas as situações, salvo as mais extremas: as que governam a tripulação do Enterprise, se não a espaçonave mesma. Mesmo assim, não parece que tenhamos que alcançar um estado estático na aplicação de tais leis ou na complexidade dos sistemas que possamos produzir mediante elas. Esta complexidade, precisamente, será o objeto deste capítulo.
Os sistemas mais complicados que conhecemos são, quando muito, nossos próprios corpos. A vida parece haver-se originado nos oceanos primitivos que recobriam a Terra faz uns quatro milhões de anos. Não sabemos como se produziu este início. Poderia ser que as colisões aleatórias entre os átomos formassem macro moléculas capazes de auto reproduzir-se e juntar-se para formar estruturas mais complicadas. O que sabemos é que faz uns três bilhões quinhentos milhões de anos, a complicadíssima molécula do DNA (ou ADN) já tinha emergido.
O DNA é a base da vida na Terra. Tem uma estrutura de dupla hélice, como uma escada em caracol, descoberta por Francis Crick e James Watson no laboratório Cavendish de Cambridge em 1953. Os dois fios da dupla hélice estão unidos por pares de bases nitrogenadas, como os degraus de uma escada em caracol. Há quatro tipos de bases: citosina, guanina, timina e adenina. A ordem em que as diferentes bases se apresentam ao longo da escada em caracol contém a informação genética que permite que a molécula de DNA reuna em torno de si um organismo e auto reproduza-se. Quando o DNA faz cópias de si mesmo, produzem-se alguns enganos ocasionais na ordem dos pares de bases ao longo da espiral. Na maioria dos casos, estes enganos de cópia fazem que um novo DNA seja incapaz ou menos capaz de auto reproduzir-se, o qual significa que estes enganos genéticos, ou mutações, são convocados a desaparecer. Mas, em alguns casos, o engano ou mutação aumenta as possibilidades de sobrevivência e reprodução do DNA. Tais mudanças na informação genética serão favorecidas. Sendo assim, é como a informação contida na seqüência das bases nos ácidos nucléicos, evolui e aumenta gradualmente em complexidade.
Como a evolução biológica é basicamente um caminho aleatório no espaço de todas as possibilidades genéticas, foi muito lenta. A complexidade, ou número de bits de informação codificada no DNA, é, aproximadamente, igual ao número de pares de bases contidas na molécula deste ácido nucléico. Durante os primeiros dois milhões de anos, aproximadamente, a taxa de aumento da complexidade deve ter sido da ordem de um bit de informação cada cem anos. Nos últimos milhões de anos, a taxa de incremento de complexidade do DNA aumentou gradualmente até um bit por ano. Mas, faz seis mil ou oito mil anos, houve uma novidade muito importante: desenvolveu-se a linguagem escrita. Significando que a informação podia ser transmitida de uma geração a seguinte sem ter que esperar o processo muito lento de mutações aleatórias e seleção natural que a codifica na seqüência do DNA. O grau de complexidade aumentou enormemente. A diferença entre o DNA dos personagens e dos humanos poderia ser contida em uma novela singela, e a seqüência completa do DNA humano poderia escrever-se em uma enciclopédia de trinta volumes.
Maior importância ainda reveste o fato de que a informação dos livros pode ser atualizada rapidamente. A taxa atual com que o DNA humano está atualizando-se pela evolução biológica é de um bit por ano. Mas cada ano publicam-se duzentos mil novos livros, que supõem uma taxa de nova informação de aproximadamente um milhão de bits por segundo. Naturalmente, a maioria desta informação é lixo, mas mesmo assim, se só um bit por milhão é útil, isto supõe ainda uma rapidez cem mil vezes maior que a da evolução biológica.
A transmissão de dados através de médios externos, não biológicos, levou a espécie humana a dominar o mundo e a ter uma população exponencial crescente. Achamo-nos agora no começo de uma nova era, em que poderemos aumentar a complexidade de nosso registro interno, o DNA, sem esperar o lento processo da evolução biológica. Nos últimos dez mil anos não houve mudanças importantes no DNA humano, porém, é provável que possamos redesenhá-lo completamente nos próximos mil anos. Naturalmente, muita gente opina que a engenharia genética com humanos deveria ser proibida, mas é duvidoso que consigamos impedi-la. A engenharia genética de plantas e animais será permitida por razões econômicas, e cedo ou tarde alguém o tentará com humanos. A menos que tenhamos uma ordem totalitária mundial, alguém, em algum lugar, desenhará seres humanos melhorados.
Claramente, a criação de seres humanos melhorados produzirá grandes problemas sociais e políticos em relação aos humanos não melhorados. Não é minha intenção defender a engenharia genética humana como um desenvolvimento desejável, a não ser dizer que é provável que ocorra querendo ou não. Esse é o motivo pelo qual não acredito na ficção científica como Star Trek, onde dentro de quatrocentos anos seremos essencialmente igual somos hoje. Acredito que a espécie humana, e seu DNA, aumentarão rapidamente em complexidade. Deveríamos admitir esta possibilidade e considerar como reagir frente a ela.
De certa maneira, a espécie humana precisa melhorar suas qualidades mentais e físicas se tiver que tratar com o mundo crescentemente complicado ao seu redor e estar à altura de novas provocações como as viagens espaciais. Os humanos também precisam aumentar sua complexidade se quisermos que os seres biológicos se mantenham diante dos eletrônicos. Na atualidade, os ordenadores têm a vantagem da rapidez, mas ainda não mostram sinais de inteligência. Isto não é surpreendente, já que os ordenadores atuais são menos complicados que o cérebro de uma lombriga de terra, uma espécie não muito notável por seus dotes intelectuais.
Mas os ordenadores seguem o que se chama lei de Moore: sua velocidade e complexidade se duplicam a cada dezoito meses. É um dos crescimentos exponenciais que claramente não podem seguir indefinidamente. Entretanto, provavelmente continuará até que os ordenadores alcancem uma complexidade semelhante a do cérebro humano. Alguns afirmam que os ordenadores nunca mostrarão autêntica inteligência, seja qual for. Todavia, parece-me que se moléculas químicas muito complicadas funcionam nos cérebros e fazem-nos inteligentes, então, circuitos eletrônicos igualmente complicados conseguirão que os ordenadores atuem de maneira inteligente. E se chegarem a ser inteligentes, presumivelmente, desenharão ordenadores que tenham inclusive maior complexidade e inteligência.
Esse aumento de complexidade biológica e eletrônica prosseguirá indefinidamente, ou existe algum limite natural? Do lado biológico, o limite da inteligência humana foi estabelecido até o presente pelo tamanho do cérebro que passa pelo conduto materno. Como vi o nascimento de meus três filhos, sei quão difícil é que saia a cabeça. Mas espero que no século que acabamos de iniciar conseguiremos desenvolver bebês no exterior do corpo humano, de maneira que esta limitação ficará eliminada. Em última instância, entretanto, o crescimento do tamanho do cérebro humano mediante a engenharia genética encontrar-se-á com o problema de que os mensageiros químicos do corpo responsáveis por nossa atividade mental são relativamente lentos. O que significa que aumentos posteriores na complexidade do cérebro se realizarão às custas de sua velocidade. Podemos ser muito rápidos ou muito inteligentes, mas não ambas as coisas de uma vez. Mesmo assim, acredito que chegaremos a ser muito mais inteligentes que a maioria dos personagens de Star Trek, embora isto, em realidade, não seja muito difícil.
Os circuitos eletrônicos apresentam o mesmo problema de compromisso entre complexidade e velocidade que o cérebro humano. Neles, entretanto, os sinais são elétricos em vez de químicos, e se propagam com a velocidade da luz, que é muito mais elevada. Entretanto, a velocidade da luz já é um limite prático no desenho de ordenadores mais rápidos. Podemos melhorar a situação reduzindo o tamanho dos circuitos, mas em última instância, haverá um limite fixado pela natureza atômica da matéria. Mesmo assim, ainda fica um bom trecho de caminho por percorrer antes de chegar a esta barreira.
Outra maneira de aumentar a complexidade dos circuitos eletrônicos mantendo sua velocidade é copiar o funcionamento do cérebro humano. Este não tem uma só unidade central de processamento —CPU— que processe em série todas as instruções, a não ser milhões de processadores que trabalham em paralelo simultaneamente. Este processamento maciço em paralelo será também o futuro da inteligência eletrônica.
Caso que não nos auto destruirmos nos próximos séculos, é provável que nos disseminemos primeiro pelos planetas do sistema solar e a seguir pelos das estrelas próximas, mas não passará como no Star Trek ou Babylon 5, em que há uma nova raça de seres quase humanos em quase cada sistema estrelar. A espécie humana teve sua forma atual só durante uns dois milhões de anos dos quinze milhões de anos, aproximadamente, transcorridos da grande explosão inicial.
Portanto, inclusive se desenvolver vida em outros sistemas estelares, as possibilidades de encontrá-la em um estádio reconhecidamente humano são muito pequenas. É provável que qualquer vida extraterrestre que achemos seja muito mais primitiva ou muito mais avançada. Se for mais avançada, por que não se disseminou pela galáxia e visitou a Terra? Se tivessem vindo extraterrestres, seriam notados: seria mais como o filme Independence Day que como E.T.
Assim, como explicarmos a ausência de visitantes extra-terrestres? Poderia ser que uma espécie avançada conhecesse nossa existência, porém, deixaram-nos cozer em nosso molho primitivo. Entretanto, é duvidoso que seja considerada uma forma inferior de vida: preocupamo-nos de quantos insetos ou vermes esmagamos? Uma explicação mais razoável é que a probabilidade de que se desenvolva vida em outros planetas ou de que a vida chegue a ser inteligente seja muito baixa. Como afirmamos que somos inteligentes, possivelmente sem muita base para isso, tendemos a ver a inteligência como uma conseqüência inevitável da evolução. Entretanto, podemos nos questionar isto, já que não resulta claro que a inteligência tenha muito valor para a sobrevivência. As bactérias as arrumam muito bem sem inteligência, e sobreviverão a nós se nossa chamada inteligência leva-nos a exterminarmo-nos em uma guerra nuclear. Assim, pode ser que quando explorarmos a galáxia encontremos vida primitiva, mas não é provável que achemos seres como nós.
O futuro da ciência não será como a imagem reconfortante apresentada em Star Trek-. um universo povoado por muitas espécies humanóides, com uma ciência e uma tecnologia avançadas, porém, essencialmente estáticas. Acredito, em vez disso, que seguiremos nosso próprio caminho, com um rápido desenvolvimento em complexidade biológica e eletrônica. No presente século, que é até onde podemos aventurar predições com mais ou menos confiabilidade, não ocorrerão muitas destas coisas. Mas para o fim de milênio, se chegarmos a ele, a diferenças com Star Trek serão fundamentais.
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