sexta-feira, 7 de setembro de 2007

A doxa, a vida na polis e a internet

Eu nunca leio um livro inteiro de uma vez. Assim que pego o livro vou direto na parte que me interessa. Nos capítulos que me interessam. Portanto, primeiro leio os índices. Isso é o que eu mais faço: ler índices de livros, teses, dissertações, monografias, etc. Se não tem índice, folheio o livro procurando as coisas que quero saber. Eu gosto de ir direto no ponto que interessa, sem rodeios. Ler o índice das coisas economiza um tempão, sem contar que você exclui um monte de informações inúteis, que não servem para você naquele momento. Digo naquele momento porque em um outro momento futuro, isso já ocorreu muito comigo, você tem que voltar ao livro para ler os capítulos que deixou de ler na primeira vez.

Além disso, nem sempre as coisas fazem sentido na primeira vez que você lê. Eu leio certas coisas e fico pensando: o que será que esse autor quis dizer com isso ??? Não entendi nada do que ele disse... Mas de repente, um ano depois, acontece alguma coisa e aquilo que eu li começa a fazer sentido.

Por exemplo, estou desenvolvendo uma Teoria da Liberdade para explicar a escravidão nos regimes totalitários (Clique aqui para ler o esboço dessa Teoria) e por isso estou lendo mais coisas sobre totalitarismo, nazismo, etc. Não só lendo, como assistindo filmes e documentários. O conhecimento e o saber estão colados em vários tipos de dados e informações. Por conta disso li dois capítulos do livro "Política e Liberdade em Hannah Arendt", escrito por Francisco Xarão - Ed. UniJuí - RS - 2000. E da leitura desses dois capítulos descobri uma coisa interessante: a relação entre a política e a internet pode ser explicada pela visão ateniense.

Vou explicar melhor a coisa. De acordo com o livro citado:

"Persuadir não era, para os atenienses, tão somente sujeitar por palavras a opinião de outros à sua própria opinião. Persuasão era o meio pelo qual os atenienses trocavam as suas 'doxai'. Para Sócrates, como para seus concidadãos, a 'doxa' era a formulação em fala daquilo que 'dokei moi', daquilo que me parece. A 'doxa' não era algo que seria provável ou semelhante em referência a algum padrão definido, mas sim a forma pela qual o mundo se revela aos olhos de cada um. O pressuposto dos habitantes da 'polis' era de que um mesmo mundo se abre a todos de maneira diferente pelo fato de que cada um ocupa nele um lugar distinto. Consequentemente, apesar das variedades de opinião, pela multiplicidade de posição que os homens ocupam em um mundo comum, era natural para os atenienses que todos os que possuissem 'doxai' fossem considerados humanos." (pag.60).

"A palavra 'doxa'significa não só opinião, mas também glória e fama. Como tal, relaciona-se com o domínio político que é a esfera pública em que qualquer um pode aparecer e mostrar que é. Nesta possibilidade de aparecer e brilhar dos outros, considerada pelos atenienses como privilégio do domínio público, é que os homens atingem sua plena humanidade. Todos aqueles que viviam somente no domínio privado - a família (mulher e filhos) e os escravos - não eram, por isso, reconhecidos como plenamente humanos." (pag.60).

"Vida na 'polis': esta constituía-se no aparecer, com atos e palavras, em um espaço público projetado para isso, onde os cidadãos podiam trocar as suas 'doxai'."(pag.86)

"A 'polis' era o lugar do agir e falar em conjunto, o espaço de aparição, no mais amplo sentido da palavra, ou seja, o espaço no qual eu apareço para os outros assim como os outros aparecem para mim, onde os homens existem não meramente como coisas vivas ou inanimadas, mas fazem sua aparição explicitamente."(pag.86).

Como é que eu relaciono isso com a atualidade. A internet nada mais é do que a polis grega, ou seja, um espaço onde nós aparecemos para defender as nossas idéias, as nossas visões, etc. Um espaço onde, através dos nossos sites, blogs, orkut, chat, videos, etc formulamos aquilo que 'dokei moi', aquilo que nos parece.

E assim, como a polis grega, a internet nos dá a possibilidade de falar e sermos ouvidos, de falar e sermos rebatidos, de falar e sermos questionados. Não há indiferença na internet. Há sempre interação, pois todo texto é lido. Podem até não respondê-lo ou não comentá-lo, mas o texto é lido. E aquela leitura irá aparecer em algum outro lugar, na fala de alguém...

Mas o mais interessante é que a internet está aberta para todos. É uma 'polis' universal. Não faz distinção, nem vê diferenças. Todos tem a mesma possibilidade de trocar as suas 'doxai', expressar o seu 'dokei moi', aquilo que lhe parece... É isso que fazemos aqui com os nossos textos, com as nossas idéias, etc.

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