segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O Professor Milton Santos ...
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Milton Santos não era filiado a partido político, religião, grupos internos da universidade.

Mas foi um militante, no sentido de dedicar toda a sua energia, até poucas semanas antes de morrer de câncer, em junho de 2001, à causa “dos de baixo” – como se referia às classes espoliadas. Tinha ojeriza à bajulação e nunca seria pego bajulando alguém.

Chegava a ser ríspido, quando tinha de ser. Conta-se que, numa palestra, um contendor, arrotando deleuzes, tentou desacreditá-lo perante platéia atenta de uma universidade do sudeste, com citações difusas e pouco acessíveis.

Pacientemente, Milton Santos esperou que o doutor concluísse. Retomando a palavra, objetou com trechos daqueles mesmos autores, mas contextualizando as citações.

Depois, virou-se para o sujeito e concluiu: “O senhor, para debater comigo, deve, antes, treinar dois dos seus músculos – o cérebro e a bunda”. Isto é: vá ler mais e com mais atenção! Generoso ele era. Testemunhei algumas de suas generosidades porque vieram em socorro deste que escreve. Convidado para ser membro da banca para meu título de mestrado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ao tentar ingressar no prédio da escola, foi barrado pelo porteiro na catraca de entrada.

O servidor terceirizado de uma dessas empresas prestadoras de serviço interceptou o seu caminho, exigindo-lhe identificação.

Discreto, ele, que já havia sido laureado internacionalmente com uma espécie de Prêmio Nobel da Geografia, mostrou a identidade. O incidente logo chegou aos ouvidos dos dirigentes da escola, que, constrangidos, foram em fila lhe pedir desculpas. Ele humildemente as aceitou.

Outra vez, ajudou a organizar e compareceu a almoço no Clube dos Professores da USP, em uma espécie de “ato de desagravo” a este escrevinhador, ameaçado pelo então reitor, em 1997, de expulsão dos quadros do doutorado da ECA. A reitoria movera “processo disciplinar” depois de uma série de manifestações políticas a favor de cotas para negros naquela universidade, culminando em nossa prisão em flagrante pela guarda universitária durante pichação no campus.

Milton Santos levantou a voz e defendeu, durante o almoço, que não aceitássemos a proposta do reitor, que exigia o reconhecimento de um suposto “crime” (o de pichar muros, degradando o “patrimônio público”) para que a ameaça de expulsão cessasse. “Não ceda, mantenha sua opinião!”, orientou.

Professor da USP desde o final dos anos 1970, quando regressou do exílio, foi graças a pessoas como Maria Adélia de Souza, então professora na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas daquela universidade, que ali foi aceito. Os defensores do seu contrato enfrentaram resistências departamentais internas, posto que os conservadores permaneciam fortes no âmbito acadêmico uspiano, como até hoje – e não apenas ali.

Agora mesmo, no âmbito da Universidade Federal da Bahia – onde Milton Santos lecionou, foi cassado e depois, em meados dos anos 90, reintegrado –, enfrenta-se o debate entre os que querem democratizar o acesso e permanência de alunos provenientes “de baixo” e os que se agarram ao discurso da meritocracia.

Aqui, fala-se em mérito para se manter privilégios de “raça” e classe, que fazem da universidade brasileira um antro de branquitude submisso a uma epistemologia do conhecimento que nega a diversidade dos baianos e se dobra a interesses e temas alienígenas. Milton Santos faz falta a esse debate.
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Os dois últimos parágrafos também se aplicam à USP.
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