Quando eu li a notícia da promoção de Lamarca pela primeira vez pensei: "Foi uma estupidez !!!" Mas não disse nada, pois às vezes é melhor ficar quieto do que criar confusão desnecessária. E digo isso sem estar engajado na defesa dos militares ou seja lá de quem for. Digo isso, simplesmente observando a realidade dos fatos. Mas não é só isso, também considero insignificante a argumentação do advogado dos militares no pedido encaminhado à justiça, assim como a fundamentação da decisão judicial que concedeu a liminar suspendendo a promoção. Fizeram a coisa mais ou menos certa, porém usaram uma fundamentação sem relevância.

Vamos aos fatos. Primeiro, inegavelmente, Lamarca é um herói brasileiro. Ele lutou contra a ditadura e contra os militares que controlavam o país. Isso é fato e independente da vontade das partes. Porém digo isso da perspectiva de uma pessoa que abomina ditaduras que escravizam a coletividade e a sociedade. Certamente, existem pessoas que defendem esse tipo de coisa argumentando que as pessoas existem para servir ao Estado. E, como diz a propaganda, "cada um na sua".

Além disso, ele morreu lutando contra a ditadura, logo a sua família tem direito de receber indenização, pois foi o Estado que o matou. As famílias de todos aqueles que morreram lutando contra a ditadura devem ser indenizadas, pois o Estado matou seus familiares.

Segundo, Lamarca desertou das fileiras militares. Isso quer dizer que ele saiu, foi embora, escafedeu-se, etc. Logo, perdeu todos os direitos que tinha naquela instituição. O que ele foi fazer não deve ser analisado aqui, pois ele saiu de livre e espontânea vontade. Se foi lutar na resistência ou se foi plantar batatas, pouco importa. O que importa é que ele saiu e se saiu quebrou o vínculo que o ligava à carreira militar. Portanto, não tem nenhum direito a ser promovido em uma carreira da qual deixou de fazer parte. Promovê-lo em uma carreira da qual desertou é uma coisa sem sentido que contraria a realidade das coisas.

Além disso, essa promoção conseguiu contrariar todo mundo, inclusive o defunto Lamarca que deve estar se revirando no além. Contrariou os militares que vêem em Lamarca um traidor e um desertor e contrariou o povo da esquerda que vêem um herói da resistência recebendo uma promoção do inimigo. Ilustrativamente, é como dar uma promoção de oficial nazista para um judeu que era militar alemão, mas que fugiu ao longo da guerra para lutar na resistência.

Portanto, na minha visão, a melhor solução para o caso é pagar à família de Lamarca a indenização devida e justa, pois certamente ele merece e morreu lutando na resistência contra os militares, e anular a promoção. Inclusive é direito dos militares considerá-lo um traidor e um desertor, assim como é direito das esquerdas e do povo que é contra a ditadura considerá-lo um herói. Isso tudo é apenas uma questão de perspectiva e a uniformidade não pode ser imposta nessas questões. O Estado deve ser laico não só na religião, mas também na ideologia.

A história deve ser contada de todas as perspectivas e de todos os ângulos. Uns dirão que os personagens são heróis, outros que são vilões. Isso é mera questão de perspectiva. As diferentes visões e opiniões devem ser respeitadas, certamente, desde que não signifiquem oprimir, explorar e excluir a coletividade e as minorias.

Leonildo Correa
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Mais um texto censurado e escondido no CMI:

http://prod.midiaindependente.org/es/blue/2007/10/397245.shtml