segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Judeus, Cristãos e Gregos na construção do Direito Internacional


Parte do texto: "Estrutura do Direito Internacional", do Prof. Braz de Sousa Arruda. Publicado em 1941 na Revista da Faculdade de Direito da USP.



É importante observar: alguns pontos devem ser entendidos no contexto da época. O texto fala sobre outros povos, porém, os pontos que considero mais importantes estão abaixo. Certamente, há excessos, contudo na forma geral o texto segue uma direção correta.

Além disso, é importante considerar que hoje outras grandes religiões do mundo seguem o caminho do pacifismo, não apenas o Cristianismo, como era em 1941.

A linguagem daquela época tem palavras escritas de forma diferente, se comparadas com a escrita de hoje.



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Compare-se o procedimento dos JUDEUS com o dos outros POVOS antigos e mesmo dos tempos modernos.



E’ verdade, como diz NITTI (Dem. 2, pag. 281), que nenhum povo agiu tanto sobre a civilização moral do mundo como os hebreus: deles é o nosso Deus, e deles tambem a nossa creação religiosa, o Cristianismo. Ainda dos hebreus nos veiu a sua criação moral, o socialismo.



Este povo insignificante que nunca conheceu o repouso, atormentado, perseguido, cada vez mais forte depois da ruína, cada vez maior depois das perseguições, é o que a civilização produziu de mais admirável. E’ não só a maior glória da civilização moral, como também uma das suas maiores fôrças de propulsão e de vida.



A superioridade dos judeus sobre os outros povos é manifesta, e dai o antisemitismo.



Quasi tudo que ha de mais elevado na nossa civilização, na nossa moral, o sentimento de justiça e os mais sábios ideais de fraternidade humana, tudo isto é de origem hebráica (106).



A guerra foi a relação normal entre os povos da antiguidade. Fazia-se ela de uma maneira crudelíssima. Lembremos o modo por que os assírios tratavam os vencidos.



Diz ALBERT MALET (107): Os assírios eram impiedosos para com os vencidos. Infligiam-lhes os mais atrozes suplícios: furavam-lhes os olhos, cortavam-lhes o nariz, as orelhas, e os lábios, arrancavam-lhes a barba e as unhas, ou ainda os empalavam e os esfolavam vivos.



Elevavam troféus com cabeças cortadas. Atiravam os cadáveres às bestas feras. Vangloriavam-se os Reis destes atos de selvageria; de dois matei um, diz ASSURBANIPAL, e levei os sobreviventes como escravos. Construí uma pirâmide diante da porta da cidade. Esfolei vivos alguns dos chefes da revolta e estendi suas peles sobre esta pirâmide. Outros foram emparedados vivos, outros empalados, etc. Sobre as ruínas a minha fisionomia expandiu-se, na satisfação do meu ódio encontrei o meu consôlo.



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(106) V. T. CLOVIS BEVILAQUA — Estudos Jurídicos, p. 60-1.

(107) L’Antiquité, pg. 56.

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Os deuses da antiguidade eram sanguinários. O deus caldeu ou assírio era um senhor exigente e sanguinário, deuses dos seus povos como ISTAR em NINIVE ou MARDUK em BABILÔNIA. Para eles os estrangeiros eram os inimigos (108).



Lembremos uma inscrição de ASSURBANIPAL: os homens cuja boca tramára complots contra ASSUR e contra mim, tiveram a lingua arrancada, etc. Fazendo éstas coisas regosijei o coração dos deuses.



Faziam exceção na antiguidade os PERSAS. Vencedores foram sempre dóceis e clementes para com os vencidos. Lembremos a bondade e a extrema generosidade de CIRO (109). Assim mesmo, podemos dizer que, sendo a guerra a fórma normal das relações entre os povos da antiguidade, ela serviu de ponto de união para as civilizações.



0 comércio era insignificante, e não ligava os povos como atualmente. E’ por uma longa série de guerras que se penetraram as duas civilizações, a do NILO e a do EUFRATES.



Se o problema da paz internacional é, antes de tudo, moral, dependendo da perfeição da alma humana (110), podemos considerar o Decálogo a magna carta da humanidade civilizada.



O Cristianismo iria contribuir no futuro para realizar os ideais de paz e amor entre os homens. Tornando-se religião universal, o cristianismo funde os princípios monoteistas da religião mais severa da antiguidade com o cosmopolitismo grego, obtido através da unidade do império Romano: temos então a PAX ROMANA.



Estava reservado ao Cristianismo tornar as nações conscientes do seu fim político comum, e, em combate de alguns milhares de anos, pela evolução aperfeiçoadora da humanidade, estabelecer o fundamento do Direito Internacional e da Paz mundial.



Diz muito bem J. MILLER (111) que a ação de propaganda intelectual e moral da Igreja cristã pela paz é importantíssima, ao lado do desejo constante de multiplicar as instituições pacificas. Este trabalho de propaganda é valiosíssimo. Só os ignorantes ou os de má fé negarão a importância extraordinária dela.



WELLS, na sua linda obra “Failliie de la Démocratie”, salienta a necessidade e a importância de uma propaganda pacifista, como veremos mais tarde. E’ preciso realmente crearmos uma atmosfera psicológica sinceramente pacifista.



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(108) Sobre a origem do sacrificio, leia-se E. O. JAMES —- Origens of sacrifice — A Study in Comparative Religion.

(109) MALET — citado, pag. 122.

(110) MOLLER — Cours de la Acadéniie de Droil Jnlm’rnalloiiiil de la Hage.

(111) Oeuvre des Êglises pour la Paix.





O Direito Internacional nasceu, a princípio, no solo católico, é obra dos mestres espanhois do Direito Natural, fundado na sabedoria de ARISTÓTELES e no trabalho filosófico de SANTO AGOSTINHO e de SÃO THOMAS DE AQUINO. Mas depois de Grócio, sua formação foi feita quasi exclusivamente pelos protestantes.



Realmente, todo movimento pacifista contemporâneo foi inspirado pelos protestantes ingleses e americanos.



Não desprezando, conquanto menor, a importância da Igreja Ortodoxa, que teve no seu seio Dostoiewsky e Tolstoi, somos forçados a reconhecer a ação formidavel das diversas seitas protestantes.



Vejam-se a respeito as páginas eloquentes escritas sobre a política inglesa nas Indias pelos protestantes a Pio IX, e lembrem-se da ação de DAVID URQUHART, inspirador da petição do Sínodo patriarcal dos Bispos aramênios de Constantinopla ao CONCILIO DO VATICANO (112).



Ainda hodiernamente causam admiração os ideais messiânicos (Isaias, II — 2-4): “E nos últimos dias estará preparado o monte da casa do Senhor no cume dos Montes, e se elevará sobre os outeiros, e concorrerão a ele todas as gentes.



E irão muitos Povos, e dirão: vinde e subamos ao monte do Senhor, e á Casa do Deus de Jacob, e ele nos ensinará os seus caminhos, e nós andaremos pelas suas veredas: porque de Sião sairá a Lei, e de Jerusalem a palavra do Senhor.



E julgará as nações, e arguirá a muitos Povos: e das suas espadas forjarão relhas de arados, e das suas lanças fouces; não levantará a espada uma nação contra outra nação, nem daí por diante se adestrarão mais para a guerra”.



Os Gregos



As nações, ou melhor as cidades gregas, independentes, e, ao mesmo tempo, inter-dependentes, dão-nos o primeiro exemplo de um Direito baseado no consentimento comum, regulando as relações recíprocas dos Estados soberanos (113).



Antes da conquista macedônica, encontramos a Grécia dividida em uma porção de cidades independentes Mas os gregos não se podiam esquecer de que tinham a mesma língua, a mesma raça, adoravam os mesmos deuses, eram animados por idênticos ideais de civilização.



Por isso eram essas cidades independentes ou soberanas, inter-independentes, formando uma comunhão internacional, uma verdadeira “Família de Nações”.



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(112) David Urquhart, some Chapters in the life of a victorian Knigth - errant of justice and liberty, by Gertruude Robison, Oxford 1920.



113) Catellani : Dir. Int. — p. 15; OPPENHEIM — 1, § 39.

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Conquanto crueis nas guerras com os bárbaros, observavam entre si regras restritas de proceder, e tinham usos internacionais muito brandos e humanos.



Reconheceram sempre a SANTIDADE DOS CONTRATOS, e se observarmos que a religião era tudo na antiguidade, concluiremos que uma regra baseada em uma sanção religiosa estava muito mais garantida até do que atualmente quando certos govêrnos declaram os tratados “trapos de papel”.



Como faz notar NIPPOLD, confundiam-se outrora o Direito e a Moral, mas essa confusão era menos nociva do que a invenção de um Direito Internacional amoral (114).



Ao lado das Federações políticas gregas como a Liga AnphyctiôniCa, desenvolveu-se o belo INSTITUTO DO ARBITRAMENTO (115). As práticas guerreiras, entre gregos, eram brandas, e não se fazia a guerra sem prévia declaração.



Pela neutralização de certas pessoas e lugares, contribue a Grécia para tornar a guerra menos deshumana. Não conhecem os gregos o cortejo triunfal dos orientais e dos romanos, nem os troféus tomados no campo de batalha, e que perpetuam a lembrança da guerra.



O modo de guerra dos helenos é muito mais civilizado do que o dos outros povos da antiguidade. Salienta J. Mioller (116) que em relação aos orientais e aos Judeus a concepção grega da justiça e da guerra internacional justifica e representa um grande progresso.



Os gregos não conhecem inimigos de Deus, no sentido oriental. Quanto ao destino dos povos, adotam de antemão a fórmula de Frederico Schiller: “A História é o Tribunal do Mundo”. Este ponto de vista é favorecido pelo fato de reinar entre os Estados gregos uma inconstância perpétua da fortuna militar. Uma tirania fundada unicamente na força das armas não se podia prolongar muito tempo (117).



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(114) A esse propositO diz GuMPL0vICZ “A Moral é a própria vida, é a fonte do Direito. O que hoje é Direito, ontem foi Moral, dai toda a moralidade tender a tornar-se Direito. A moralidade é o direito que domina na vontade popular” (Dr. Pollit. Fil. 3). Não é outra a lição de AXEL MOLLER: “Like all other law, international Law rests, in the last instance, upon an ethical basis"" (1, p. (15).

(115) Tod, International Arbitration amongst the Greeks (1913).

Ralston, InternaltiOnal arbitration from AthenS lo Locarnoo (11)29).

(116) Curso de Haya, vol. 31.

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A classe sacerdotal não era favoravel ás guerras.



A sacerdotisa Theano (118), cinco séculos antes de CRISTO, na época da guerra do Peloponeso, recebe oficialmente a ordem de pronunciar fórmulas de maldição. Mas responde com dignidade: “Sou sacerdotiza para abençoar, e não para amaldiçoar”.



Praticaram as cidades gregas a extradição de criminosos. Mesmo quanto aos estrangeiros, deram o exemplo de instituições tendentes a protegê-los. Lembremos os proxenes, guarda da hospitalidade, e os tribunais para estrangeiros.



Não nos devemos esquecer do cosmopolitismo grego. Sócrates já dizia: “Sou um cidadão do mundo”; e, quatro séculos antes de CRISTO, Sóphocles coloca na boca de sua Antigone a lei fundamental do amor ao próximo.

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