sábado, 2 de maio de 2009

"Direito não é fé"
Lendo a edição online das revistas semanais (sempre faço isso...) deparo-me, na Revista Veja, com a entrevista do Dr. José Antonio Toffoli (Entrevista aqui) que, de acordo com a Revista, pretende ser Ministro do STF...

Mas o que chamou a minha atenção foi o título dado à entrevista: "Direito não é fé". Se deram esse título é porque pretendiam chamar a atenção, não tanto para o entrevistado, mas sim para a questão direito x fé... Inegavelmente, é uma questão muito interessante...

Realmente, direito não é fé. Direito é uma codificação material de leis. A fé é um elemento intagível, um conjunto específico de pensamentos, que moldam e movimentam a consciência. Enquanto o direito é um ente externo, limitações comportamentais, introjetado na consciência, através da educação, etc... A fé já é inerente ao indivíduo que a desenvolve por si mesmo... Portanto, direito é uma coisa e fé é outra.

Contudo, agora vem o contudo, a fé movimenta os homens e determina a construção de um direito justo. A fé é um conjunto específico de pensamentos que moldam e movimentam a consciência. Esse conjunto específico de pensamentos são carimbados com a faixa de "inquestionável", ou na linguagem popular, "é nisso que eu acredito e é isso que me movimenta"...

A fé pode envolver elementos religiosos ou não, ou seja, tem gente que tem muita fé em Deus, outros, muita fé na ciência, outros no Ronaldo... etc. E também tem muita gente que muita fé em Deus, na ciência e no Ronaldo, não necessariamente nessa ordem... Cada consciência é um universo de possibilidades...

É preciso acreditar, ter fé, para agir... É preciso acreditar na justiça, para trabalhar/lutar e estabelecer um direito justo... Logo, quem não tem fé na justiça (não confunda justiça com judiciário) é incapaz de construir um direito justo, inclusive, deve ter muita dificuldade para ser justo e agir com justiça... Por isso, digo, claramente, que a fé determina o direito, não qualquer direito, mas o direito justo, uma codificação legal alinhada para a realização da justiça...

Essa questão do direito justo é antiquíssima. É válido observar que nem todo direito é justo, pois nem todo direito está orientado para fazer justiça, para concretizar a justiça. Os melhores exemplos disso são os regimes totalitários... Havia direito na Alemanha Nazista, porém aquele direito não estava orientado para fazer justiça, mas sim para fazer o mal...

Portanto, direito não é fé, mas a fé movimenta os homens e determina a construção de um direito justo... Quem não tem fé na justiça, é incapaz de construir um direito justo... Nem tudo que está na lei, nem tudo que é direito, é justo...

E eu vou além... A fé em um Deus justo, em um Deus defensor da justiça, também determina a construção de um direito justo, de uma sociedade de homens justos... Homens que seguem um Deus justo, que seguem um Deus defensor da justiça, obrigatoriamente, devem ser justos, devem seguir e praticar a justiça...

Certamente, a estratégia do mal, para desvirtuar isso, foi monopolizar, nas mãos de um pequeno grupo, as palavras e a vontade de Deus... Diziam que Deus os tinha feito intermediários e só falava com eles, logo, eles estavam investidos e expressavam a vontade de Deus... A partir de então, a justiça divina passou a ser filtrada e manipuladas pela vontade desses grupos que, muitas vezes, não tinham nenhum contado com Deus e aquilo que diziam ser a vontade Dele era, nada mais, do que a vontade particular de seus grupos...

Nesse contexto, a religião se transformou em uma arma de dominação, uma fonte de opressão, exclusão e tirania e voltou-se contra o próprio Deus....

Certamente, os seguidores dessas religiões, que realmente olhavam para Deus, reconheceram, imediatamente, que sua fé estava sendo usada pelo mal... Um Deus justo não pode ser fundamento, ou justificativa, para a prática de injustiça, arbitrariedades, exclusões e tiranias... Um Deus justo ama a Justiça e ama quem a pratica...
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Verbetes da Enciclopédia Leib Soibelman
Problema da legitimidade
O advento do nazismo, que atingiu o poder sem violar a legalidade constitucional alemã, mas que depois de estar no poder transformou-se no mais terrível regime político conhecido pela humanidade, colocou no terreno da discussão filosófico-jurídica o tema da legitimidade.

Dúvida não existe de que todo regime ilegal é ilegítimo, mas será legítimo todo governo legal?

Este é o problema, cuja solução ainda não foi encontrada. Pétain chegou ao poder legalmente, mas exerceu-o ilegitimamente. De Gaulle criou um governo ilegal no exílio, mas foi considerado legítimo pela opinião pública internacional.

A discussão envolve todo o conceito de direito e de justiça, e nela os jusnaturalistas estão bem mais à vontade que os positivistas, pois estes, ao contrário daqueles, partem da lei para diante, sem querer indagar das origens ou fins da lei.

Democraticamente falando o fundamento do poder está na opinião pública que o consagra. Ilegítimo é todo poder que não se baseia no consenso dos governados. Mas, e por aí se vê como a questão é espinhosa, após certo tempo de poder Ilegítimo os seus detentores conseguem também criar uma vasta opinião pública ou até mesmo mais de uma geração que o aceita e defende.

O critério menos duvidoso seria considerar como legítimos apenas os governos que defendem a liberdade humana através de eleições livres pluri-partidárias, garantindo o direito da minoria manifestar-se. Em épocas de crise vale a opinião popular espontânea.

B. - Paulo Bonavides, Ciência Política. F. G. Vargas. Rio, 1967.

Problema da lei injusta
Lei injusta é a que viola os princípios fundamentais da vida moral do homem, os valores sobre os quais se assenta uma sociedade. Há uma tremenda discussão entre os autores para saber até que ponto se distinguem leis injustas, opressivas, ilegais.

Uns e outros se digladiam para demonstrar que nem toda lei injusta é por isto mesmo opressiva, ou sendo opressiva não é ilegal. Ao lado desse problema, distinguem também as formas de resistência a estas leis, defendendo uns a idéia de que para reagir contra as leis injustas só se justifica a resistência passiva, porque a resistência ativa, que seria a chamada resistência à opressão (havendo também os autores que sinonimizam resistência às leis injustas ou resistência à opressão) caracteriza-se paradoxalmente pelo seu caráter conservador, isto é, pelo restabelecimento do direito violado, ao passo que para a instauração de uma nova ordem o instrumento não seria a resistência mas a revolução.

Esta, porém, não é admitida no estudo do direito pela maioria dos publicistas, apesar de que o jurista francês Burdeau vem insistindo em que ela deve ter o seu lugar nos tratados de direito constitucional. De tudo resulta que somente admitindo-se o direito natural, somente admitindo-se que os direitos subjetivos do homem são anteriores ao Estado e que não é ele que os cria, é que podemos concordar e devemos sustentar cada vez mais este direito de resistência.

No verbete "direito de resistência à opressão", o fato de afirmarmos o caráter utópico dos dispositivos constitucionais que o consagram não significa que não devamos lutar para a efetiva realização deste direito. V. também "problema da lei arbitrária".

B. - Georges Burdeau, Manuel de droit constitutionnel. Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence. Paris, 1947; Claude-Albert Colliard, Précis de droit public. Dalloz ed. Paris, 1950.

Direito justo
Todo direito positivo se pretende justo. Mas saber se é ou não é justo, é um problema crítico de todo direito em todas as épocas. O direito se orienta pela idéia da justiça, mas esta também sofre variações históricas. Todavia, como ideal, a justiça nunca encontrará a sua realização perfeita em época alguma, e daí só se poder falar em direito justo de uma determinada época, com o que se concilia o caráter absoluto da idéia da justiça e a relatividade das suas manifestações na história.

Mas até aí, ainda não resolvemos um problema que continua persistindo: como sabemos que o direito de uma época era o justo para aquela época? Pelo exame do conjunto dos valores que nortearam a vida daquela época e nunca pelo erradíssimo critério de tomar como guia a nossa concepção atual e considerar justas ou injustas as diversas épocas conforme se aproximem ou se afastem desta concepção.

Stammler, partindo de premissas da sua particular teoria do direito justo, que não podemos expor aqui, estabelece quatro princípios do que seria um direito justo, embora reconhecendo que todo direito é historicamente determinado e imperfeito:

a) uma vontade não depende nunca do arbítrio de outra;

b) toda exigência jurídica deverá ser de tal modo que se veja no obrigado o nosso próximo;

c) ninguém pode ser excluído da comunidade de homens livres por arbítrio de outrem;

d) o excluído seguirá sendo o nosso próximo, mesmo que a sua exclusão se tenha feito de acordo com as disposições legais.

B. - Rudolf Stammler, Tratado de filosofia del derecho. Reus ed. Madri, 1930; Luís Recasens Siches, Tratado general de filosofia del derecho. Porrua ed. México, 1970.

Teoria do direito justo
Rodolfo Stammler (1856-1938), grande figura do direito alemão, defrontou-se com o problema de como é possível conciliar a razão com a história: o racionalismo sustentando que o direito pode ser uma criação absoluta da razão, válida para todos os tempos, e o empirismo mostrando que a idéia da justiça varia historicamente.

Partindo da filosofia kantiana, ele escreveu que a justiça é o elemento formal de qualquer ordenamento jurídico, é a idéia ordenadora da vida coletiva, e a matéria ou conteúdo de cada direito é produto da realidade histórica e social de cada época ou local. Daí poder existir um direito natural ou direito justo de conteúdo variável, cada época tendo o seu ideal de justiça em relação ao qual se organiza o direito.

Toda idéia da justiça representa sempre uma comunidade de homens de vontade livre, autônoma, na qual o indivíduo é sempre um fim em si mesmo e nunca meio a serviço dos fins alheios, uma comunidade pura e harmônica da vida humana. Sendo a justiça um ideal, não é possível traduzir este ideal em urna fórmula concreta, mas no máximo estabelecer alguns princípios formais que sirvam de fundamento para avaliar se um direito é justo, isto é, se ele tem validez absoluta ou universal.

Estabeleceu os seguintes princípios para esta avaliação: princípios de respeito (uma vontade não deve ficar nunca à mercê da vontade arbitrária de outrem e o obrigado nunca perde a categoria de nosso próximo) e princípios de solidariedade (nenhum partícipe da comunidade humana pode ser excluído arbitrariamente dela e mesmo quando essa exclusão ocorra por força de um direito absoluto o excluído continua sendo nosso próximo).

B. - Abelardo Torré, Introducción al derecho. Perrot ed Buenos Aires, 1972; James Goldschmidt, Problemas generales del derecho. Depalma ed. Buenos Aires, 1944.

Drama de consciência do juiz perante a lei injusta
O direito natural sempre sustentou que o direito injusto não é direito: lex injusta non est lex. São Tomás de Aquino, Suárez, De Soto, Molina, Vitória, Alfonso de Castro, Vives, Vázquez de Menchaca, Quevedo e outros muitos não tinham dúvida em afirmá-lo. São Tomás de Aquino somente fazia uma restrição: é melhor cumpri-las quando o desobedecê-las pode trazer conseqüências piores ainda, sendo esta posição também seguida pela maioria dos jusnaturalistas, inclusive Dabin.

Todos igualmente admitem como última ratio o direito de resistência. Mas o juiz, que é um homem que por função tem de ser o primeiro a obedecer à lei, pode resistir individualmente ou aderir a uma resistência coletiva? Eis aí um problema desgraçado.

As soluções dos autores são as seguintes:

a) tendo de decidir contra a sua consciência, tem o dever de demitir-se: Taparelli, Cathrein;

b) o juiz tem de aplicar a lei injusta, pois ele tem de dar o exemplo da confiança no direito: Stammler;

c) tem de aplicar a lei, porque a segurança da sociedade está acima da justiça: Radbruch;

d) em geral tem de aplicar a lei, mas pode vez por outra contrariá-la para não sacrificar um inocente: Sauer;

e) somente os indivíduos atingidos pela lei injusta é que podem revoltar-se, mas nunca os servidores do Estado e o juiz é um deles: Geny;

f) dar direito ao juiz de nestes casos enviar o processo ao tribunal superior, que julgará livre dos preceitos legais: Angel Ossorio, que assim propôs no anteprojeto do C. Civ. Boliviano de 1943, de sua autoria;

g) tem de aplicar a lei como se fosse o direito, para evitar maiores males e preservação da segurança: Castan Tobeñas. Entenda-se como lei injusta em toda esta exposição a que viola os direitos inatos do homem por ser homem.

B. - J. Castan Tobeñas, Teoria de la aplicación y investigación del derecho. Reus ed, Madri, 1947.

Problema da lei arbitrária
O grave problema deste verbete consiste no seguinte: há leis que são perfeitas do ponto de vista formal, elaboradas com todas as regras constitucionais, comumente leis chamadas especiais porque passam a reger casos que fogem ao comum dos casos gerais, que são regulados por normas regulares que não apresentam problema algum. Mas, e aí começa a dificuldade, muitas vezes estas leis especiais contrariam todos os princípios gerais do ordenamento jurídico da nação.

Não se nega ao legislador o direito de regular casos especiais, mas o que não se pode permitir é que ele fira a consciência jurídica do país a pretexto de fazer leis deste tipo. Como distinguir a lei arbitrária da lei especial justificada?

O problema se complica porque o Judiciário não tem dificuldade alguma em anular os atos administrativos que violem as leis, mas quando se trata de atos legislativos só pode intervir quando eles firam preceito constitucional. Trata-se de um conflito entre o princípio da igualdade de todos perante a lei e os limites que deve ter o poder legislativo mesmo quando faz leis adequadas a casos particulares.

Nos países da common-law não existe o problema, porque para eles lei e direito não se identificam, como pensam os positivistas, havendo a admissão pacífica de que a lei pode ser contrária ao direito, e que esta interpretação os juristas norte-americanos usaram amplamente da doutrina do due process of law, que de simples garantia processual das liberdades individuais, evoluiu para se converter numa limitação constitucional dos poderes do Estado.

É hoje um dos grandes standards jurídicos usados pela Suprema Corte, na contenção ao arbítrio do legislativo, e que depende do tempo, da opinião pública e do lugar em que o ato terá de ser aplicado.

A solução do problema consiste em três premissas fundamentais:

a) a democracia é um Estado de Direito, no qual todos os poderes estão submetidos à lei;

b) toda lei tem que ter generalidade, isto é, aplicar-se a todos quantos se encontrem na mesma situação;

c) que a classificação ou diferenciação feita pela lei seja racional, corresponda ao sentido jurídico total do ordenamento da sociedade sem eiva de arbitrariedade, cabendo amplamente ao Judiciário o exame de todas as violações do princípio da igualdade proporcional dos homens perante a lei.

Todo este verbete foi baseado em San Tiago Dantas, Problemas de direito positivo. Rev. For. Rio, 1953.

Justo por lei
Desde Aristóteles e São Tomás de Aquino, passando por Hobbes, Montesquieu e Rousseau, que se vem sustentando que cabe à lei definir o que é justo e injusto. Justo é o que está permitido em lei, e injusto o que está proibido. Mas modernamente não se admite mais isso, depois que o fascismo mostrou o que é possível fazer de uma sociedade usando do poder legislativo de forma ilegítima. No passado esta concepção tinha um fundamento, que era o de acreditar que jamais o governante usava do poder para prejudicar o bem público ou o bem comum.

Não se tinha ainda noção de que uma classe social usa do poder em seu proveito exclusivo, instaurando um ordenamento jurídico que mais lhe convém, embora aparentando falar em nome de toda a sociedade.

Hoje não há mais dúvida alguma de que não cabe tão somente à lei definir o que é o justo, reconhecendo-se ao juiz moderno amplos poderes de interpretação dessa mesma lei face às circunstâncias sócio-políticas do caso concreto e das conjunturas históricas, como se sabe também que nem todo o direito de uma coletividade está nas leis, e que não é pelo fato de existir uma lei que toda situação ou hipótese que ela prevê passa a ser automaticamente justa.

Os filósofos do direito partidários do direito natural, tanto quanto outros, negadores desse direito, coincidiam em fazer do contrato social a fonte do poder do governante ou príncipe, vendo neste mesmo contrato a segurança de que o detentor do poder executivo não iria abusar do poder contra o povo.

Para os jusnaturalistas que acreditavam na existência de direitos naturais anteriores ao estado, o direito estabelecido pelo contrato social mais não era que a positivização desses direitos, e para os que não admitiam direitos naturais pré-estatais, como Hobbes por exemplo, a segurança de que o governante faria tudo em prol do bem comum estava no princípio de obediência ao contrato (pacta sunt servanda).

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