domingo, 3 de agosto de 2008

"O Sonho" de August Strindberg
A peça "O Sonho" de August Strinberg foi uma das primeiras peças teatrais que assisti em minha vida. Assiste essa peça quando era aluno do Curso de Física Computacional da USP em São Carlos. A peça foi encenada por um grupo experimental de teatro formado por alunos que estudavam naquele Campus da USP.

Esta peça me marcou profundamente. Não só pelo tema que sempre me atrai intensamente, mas pelos diálogos e pela dúvida que marcam a obra de Strindberg.

Fragmentos da peça "O Sonho" de August Strindberg
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O Poeta: ... tenho uma prece... uma súplica a fazer-te, Inês. Uma súplica a favor da Humanidade, dirigida, por um sonhador, ao senhor do mundo.

Por que é que nasceste em dor ?
Por que é que fazes sofrer a tua mãe,
Filho dos homens, no momento mesmo
Em que lhe dás a alegria da maternidade,
A alegria de todas as alegrias ?
Por que é que despertas para o dia,
Por que é que saúdas a luz
Com um grito de dor e raiva?
Por que é que não sorris à vida,
Filho dos homens, se o dom da vida
Mais não é do que alegria ?
Por que nascemos nós como animais,
Nós que somos de raça divina e de descendência humana ?
O espírito, porém, exigira outras vestes
Que não estas, feitas de pó e sangue ?
A imagem de Deus deverá mudar de dentes ?
E eis que se inicia a corrida
Por sobre as sarças, os cardos e as pedras,
E se, por vezes, um caminho se abre,
É logo considerado proibido,
E se quiseres colher uma flor
Dir-te-ão que pertence a outro
E se um campo te corta o caminho
E se precisares de seguir em frente
Pisarás as sementeiras de alguém
Antes que outros pisem as tuas.
E assim se faça justiça.
Qualquer alegria que possas ter
Representará um desgosto para os demais
E a tua mágoa não fará a alegria seja de quem for;
E assim será o teu caminho até à morte
Quando outros homens vierem tomar o teu lugar.
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Inês - Canto dos ventos:

Nascemos debaixo das nuvens do céu.
E os raios de Indra expulsaram-nos
Para a terra poeirenta.
E o restolho dos campos feriu-nos os pés.
E a poeira das estradas
E o fumo das cidades
Tivemos de suportar.
Cheiros pestilentos,
O bafio das cozinhas, os eflúvios do vinho...
Corremos sobre as águas do imenso oceano
Para agitar as asas
Encher os pulmões
E lavar os pés.

Indra, Senhor do céu,
Escuta-nos !
Escuta os nossos suspiros!
Não, a vida não é pura
Se não for boa.
Os homens não são maus,
Mas também não são bons.
Vivem como podem,
Dia após dia.
Os filhos do pó caminham sobre o pó,
Pois dele nasceram
E a ele volverão.
Para pisar o chão dispõem apenas dos pés.
Mas não lhes foram dadas asas para voar.
E se estão cobertos de pó
De quem é a culpa ?
Será mesmo deles, ou tua ?
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O Advogado:

De manhã levanto-me com dores de cabeça.

É nessa altura que começo a fazer a revisão de tudo o que se passou no dia anterior, a recapitulação em sentido contrário, e tudo o que então me pareceu belo, tudo o que tinha sido agradável e espiritual, toma, na minha memória, um aspecto repugnante e estúpido !

O prazer apodrece, a alegria desvanece-se. Aquilo a que os homens chamam êxito acaba sempre por ser a causa das suas futuras contrariedades.

Foram os êxitos que conheci os causadores da minha perda ! Por instinto, os homens sentem sempre horror pela felicidade dos outros.

Acham injusto que o destino favoreça outro indivíduo em vez deles, e para restabelecer o equilíbrio deitam pedras para o jardim daquele...
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Inês:
És capaz de me dizer porque é que as flores crescem rápido no estrume?

O vidraceiro:
Crescem melhor assim, vê tu, porque tem horror ao estrume. A idéia delas é afastarem-se, o mais depressa possível, e aproximarem-se da luz, a fim de desabrocharem... e morrerem.
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Inês:
Queres, realmente, conquistar a tua liberdade, ou não ?

O Oficial:
Para dizer a verdade... não sei. Em qualquer dos casos, terei de sofrer ! Todas as alegrias da vida se pagam com um desgosto duas vezes maior. Não sou feliz aqui, mas se tiver de comprar a minha liberdade, terei de pagar três vezes o seu preço... em moeda de dores !
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