terça-feira, 6 de maio de 2008

Terras, aqui e nos EUA
Carlos Lorena / Tamás Szmrecsányi - Retratos do Brasil, Ed. Política, 1984, Vol. II, p. 489-492

O modo democrático como se constituiu a posse das terras nos EUA, comparado com o autoritarismo no caso brasileiro, ajuda a explicar as duas histórias.

O estudo comparativo de situações em dois ou mais países contribui para a compreensão dos problemas de cada um deles. É com essa idéia que faremos uma comparação entre os problemas e as soluções fundiárias nos Estados Unidos e os mesmos problemas e soluções encontrados no Brasil.

No País, as lutas pela Independência, pela libertação dos escravos e pela República não foram marcadas por grandes conflitos armados de extensão nacional. Mesmo as diversas modificações que tivemos na estrutura governamental desde 1930 até os anos 80 se deram de forma mais ou menos pacífica. Os golpes militares - como em 1937 e 1964 - praticamente não encontraram resistência e portanto não houve grandes modificações nas classes dominantes, sempre constituídas, com pequenas modificações, pela mesma elite.

A proclamação da Independência foi liderada por dom Pedro I, rodeado da mesma corte que o apoiava como representante da metrópole; foi apoiada pela esquadra inglesa, o que nos custou assumir uma dívida de mais de 3 milhões de libras esterlinas, em parte contraída por Portugal para - ironia - combater a independência do Brasil e em parte para pagar indenização pelos "direitos" da Coroa portuguesa, dívida gostosamente aceita pelo príncipe poruguês.

A libertação dos escravos não lhes deu o direito a um pedaço da terra que desbravaram com seu sangue, nem sequer o direito ao trabalho remunerado, permitindo que eles fossem simplesmente expulsos das fazendas que construíram.

A proclamação da República foi mais um episódio com pouquíssima participação popular, realizada por uma fração da própria elite dominante.

Pretexto: salvar a cafeicultura. Mas salvam-se os cafeicultores

Na revolução de 30 chegou a haver ameaça de luta, e até algumas escaramuças; mas em pouco tempo víamos Getúlio Vargas salvando os barões da cafeicultura. Com a crise de 1929, muitos fazendeiros de café não apresentavam condições de sobrevivência; terras passavam para as mãos de colonos e empregados laboriosos em pagamento de dívidas; pequenas propriedades começavam a surgir e eis que um decreto de Vargas perdoa a metade das dívidas dos cafeicultores e estabelece prazos enormes para pagamento da outra metade.

O pretexto era a necessidade de salvar a cafeicultura, base da economia nacional; na realidade, salvou os cafeicultores, que puderam continuar a produzir e a ganhar, sem muita preocupação com melhor tecnologia e sem mais cuidados.

A revolução de 1964 foi feita também para impedir a reforma agrária embora de início ainda pretendesse mudar realmente alguma coisa, chegando a editar o Estatuto da Terra. Do Estatuto, porém, foram cumpridos apenas os dispositivos referentes à política agrícola, favoráveis aos grandes donos de terra, ecompletamente engavetados aqueles que levariam à reforma agrária.

Com todas essas mudanças que nada mudaram, é natural que o problema da posse da terra não se tenha resolvido; ao contrário, a concentração da posse da terra aumentou de forma constante. A legislação sobre terras, começando pelas capitanias hereditárias - a partir de 1534 -, passando pela lei das sesmarias - pela qual governadores ou capitães-gerais podiam ceder faixas de terras a quem se dispusesse a cultivá-las -, pelo período 1822-1850 - em que não houve legislação específica sobre a propriedade rural -, até a Lei Vergueiro, de 1850 - que dispunha que as terras públicas só poderiam ser vendidas em hasta pública -, apresentou sempre a tendência de impedir a posse da terra por pequenos lavradores e a aquisição da propriedade pelo esforço e trabalho.

A situação na década de 1980 persistia: pequenos proprietários eram constantemente esbulhados em seus direitos, constituindo o registro da propriedade em cartório verdadeira piada. Essa insegurança sobre a propriedade foi cuidadosamente preservada, apesar dos levantamentos aerofotogramétricos existentes no País, do conhecimento da tecnologia de cadastros, que poderia ser aplicada.

Lincoln, um homem da fronteira agrícola, lidera abolicionistas

Comparando isso com a situação nos Estados Unidos, torna-se chocante o contraste. A independência dos EUA foi conquistada na Revolução Americana, que rompeu completamente com os ingleses e seus aliados. A liderança da revolução foi assumida por comerciantes, advogados e plantadores, cujos interesses tanto econômicos como ideológicos conflitavam com os da Inglaterra.

A força diretora da revolução, porém, era fornecida por trabalhadores urbanos, mecânicos, pequenos lavradores e lenhadores que empurraram os líderes da classe média para posições extremadas. Boa parte dos autonomistas era compostas de homens da fronteira agrícola, descendentes de imigrantes que tinham ido para América em busca de terra e de liberdade. A libertação dos escravos resolveu-se com a Guerra de Secessão, que envolveu os Estados do Norte - abolicionistas - contra os Estados do Sul - escravocratas. Abraham Lincoln, também originário da fronteira agrícola, liderava os abolicionistas vitoriosos.

Antes disso, o Congresso Continental (que a partir de 1774 reuniria representantes das 13 colônias que lutariam pela independência, agindo como órgão central dos rebeldes) decidiria que todas as colônias deviam consfiscar as terras dos ingleses "e de seus aliados", dividindo-as em lotes, vendendo-as e aplicando o dinheiro em bônus da revolução. Como quase odas as grandes propriedades eram de ingleses ou aliados destes, foi realizada uma das mais drásticas reformas agrárias do mundo. A Pensilvânia, por exemplo, foi quase toalmente dividida em lotes de 500 acres (202 hectares), vendidos aos colonizadores que procuravam terra.

Essa reforma agrária não foi apenas drástica, mas permanente; as 13 colônias renunciaram, em favor do Congresso Continental, a todos os direitos às terras a oeste de suas divisas; desta maneira, o governo americano ficou proprietário da totalidade das terras em que se daria, posteriormente, a expansão do País.

Essa expansão deu-se sempre através da ocupação por grande número de pioneiros, cada um recebendo pequeno lote. Logo no início da caminhada para o Oeste, os lotes eram de no mínimo 640 acres (259 ha); esse limite foi diminuindo rapidamente, e em pouco tempo os lotes eram de no máximo 160 acres (65 ha).

Não havia possibilidade de especulação com terras, pois elas existiam à vontade, de graça ou quase de graça. Além disso, não havia possibilidade de formação de grandes latifúndios, pois como todos podiam obter lotes de 65 ha, suficientes para viver, ninguém iria se sujeitar a trabalhar para outros, por salários de fome.

EUA impedem a concentração e o Brasil consagra o latifúndio

A Lei de Terras americana, de 1862, consagrou definitivamente esse limite máximo de 160 acres. É interessante notar que, no Brasil, a Lei Vergueiro, 12 anos antes, consagrava a grande propriedade - para os ricos e poderosos -, enquanto a lei americana consagrava a propriedade familiar, impedindo a concentração da posse da terra. Aqui está a causa principal do desenvolvimento e poderio econômico de um país, e da triste situação do outro. Sem desenvolvimento agrícola não existe desenvolvimento industrial, e sem liberdade de acesso à terra para o pequeno lavrador não há desenvolvimento agrícola.

Nos anos 80, um terço das terras dos Estados Unidos pertencia ao governo federal; as terras agrícolas estavam distribuídas em praticamente sua totalidade, embora houvesse alguma tendência à especulação. A grande maioria das terras ainda nas mãos do governo caracterizavam-se por serem muito acidentadas (montanhas rochosas, por exemplo), ou muito áridas (deserto de Nevada, por exemplo), ou geladas (no Alasca). Eram terras para pastagens e para exploração florestal, ou ainda para recreação e preservação da vida selvagem. Essas terras eram exploradas sob forma de arrendamento, o que freava um pouco a especulação com terras agrícolas.

No Brasil, se não pudermos adotar tal legislação, seria preciso que, tanto do ponto de vista fiscal, como do ponto de vista do direito de propriedade e das relações de trabalho na agricultura, a legislação desestimulasse a posse improdutiva da terra. E seria também necessária uma reforma agrária drástica para corrigir inicialmente as injustiças existentes.

Terra na mão de poucos reflete a estrutura social e política

A evolução da estrutura fundiária do Brasil tem sido bastante diversa da dos Estados Unidos. Isto se deve menos a razões econômicas do que a fatores políticos e sociais. A extrema concentração da propriedade da terra em nosso país, assim como a sua imutabilidade através do tempo, constitui uma manifestação expressiva do tipo de sociedade e de regime político em que temos vivido durante a maior parte da nossa história.

Trata-se de uma sociedade caracterizada por uma rígida estrutura de classes; por grandes diferenças na distribuição da renda, da riqueza e do poder; e pela ausência de participação democrática dos seus membros.

Por outro lado, o País sempre contou com uma disponibilidade relativamente abundante de mão-de-obra não qualificada, havendo a persistência através do tempo de baixíssimos níveis de remuneração para a maior parte da força de trabalho, tanto rural como urbana. Com o crescente processo de urbanização a partir dos anos 50 e especialmente a partir da década de 60, a oferta de mão-de-obra acumulou-se nas cidades e possibilitou a manutenção dos salários em níveis baixos. Nos anos 80, o subemprego nas grandes cidades atingia taxas que variavam de 20% até 30%. É a existência e o contínuo crescimento dessa massa de miseráveis constituíam, pelo menos em parte, uma decorrência da falta de acesso à terra para uma crescente maioria dos trabalhadores do campo.

Baixos salários podem ser encarados como uma vantagem para o crescimento econômico. Trata-se, porém, apenas de uma vantagem a curto prazo, e que só beneficia diretamente as empresas. Além de não oferecerem quaisquer vantagens aos próprios trabalhadores, baixos níveis de remuneração da força de trabalho, mais cedo ou mais tarde, acabam impondo limitações ao desenvolvimento auto-sustentado da economia como um todo. Este é um processo que só se realiza através da expansão e da diversificação (ou ambos os processos) da demanda efetiva.

Na primeira metade dos anos 80, a economia brasileira parecia atingir um desses limites do seu desenvolvimento: o mercado interno encontrava-se virtualmente estagnado, e o externo, a médio e longo prazos, só chegava a constituir uma alternativa válida na cabeça de alguns dos nossos iluminados tecnocratas e governantes.

Nos anos 80, oposição à reforma agrária ainda era poderosa

A reforma agrária seria um instrumento de política econômica capaz de elevar, direta ou indiretamente, e em pouco tempo, os níveis de emprego, de renda e de consumo de toda uma massa de pessoas à margem de mercado consumidor de muitos produtos. É claro que o aumento da demanda efetiva não seria a única, nem a principal, motivação para se promover a realização da reforma agrária.

Trata-se, afinal, de uma questão de justiça social, de um imperativo político de redistribuição da renda, da riqueza e do poder. Além disso, uma redistribuição a favor dos que produzem riqueza por meio de seu próprio trabalho é capaz de gerar efeitos que vão muito além do setor agropecuário, atingindo a economia e a sociedade como um todo.

Nunca é demais lembrar, no entanto, que a reforma agrária não é algo que se faça de cima para baixo, e que as forças que lhe são contrárias continuavam sendo muito poderosas no Brasil da década de 80. Isto, porém, não impede que se possa afirmar que o desejável aumento de emprego, da remuneração e do consumo dos trabalhadores - tantos rurais como urbanos; quer dos setores industrial e de serviços - dificilmente iria materializar-se no contexto da vigente estrutura fundiária. Ou seja, embora a reforma agrária não constituísse a solução de todos os problemas, parecia inegável que todas as soluções teriam que acabar passando, mais cedo ou mais tarde, por ela.

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O poder do latifúndio: Velhas oligarquias
Clóvis Moura - Retratos do Brasil, Ed. Política, 1984, Vol. II, p. 249-250

Sobretudo até 1930, articulam-se as oligarquias, símbolos de um país agrário e atrasado que ainda em 1984 continuavam presentes na política brasileira.

Os resultados das eleições de 1982 trouxeram, para os observadores políticos, uma realidade bem delimitada dos poderes eleitorais em cada região do Brasil. Mosraram, ainda, uma conexão entre aquilo que se convencionou chamar de oligarquias políticas e os números das urnas. Assim, verificou-se que, na antiga área do latifúndio tradicional, a concentração de votos para o partido do governo reflete uma estagnação política que determina o prestígio eleitoral do PDS. Levando em conta que é ali onde o velho latifúndio se estratificou e que o ritmo de mudança social é quase inexistente, pode-se deduzir que essa concentração de votos favorável ao governo - que se estende por uma área que vai do Norte de Minas Gerais ao Estado do Maranhão, compactamente - reflete a conservação do poder político nas mãos de pessoas, grupos ou segmentos oligárquicos, capazes de manter o eleitorado subordinado (direta ou indiretamente) ao seu comando eleitoral.

O poder oligárquico é um tipo de poder que dominou nas principais regiões do Brasil, despoticamente, durante mais de 200 anos. Depois, houve uma reformulação nos seus métodos de mando, uma remanipulação nas suas lideranças, mas, no fundamental, continuou decidindo politicamente, de cima para baixo, através de leis consuetudinárias que não se discutiam. A sua presença se faz sentir, por exemplo, na existência de grotões (onde em 1982 o PDS chegou a obter mais de 90% dos votos) que substituíram os antigos currais eleitorais dos "coronéis" latifundiários.

O poder oligárquico pode ser regionalizado da seguinte maneira: as oligarquias pastoris dos pampas, no Sul; as oligarquias dos barões do café, em São Paulo e Minas Gerais; as oligarquias nordestinas; e oligarquias menores, como as do Paraná e Santa Catarina.

Os poderes de grupos oligárquicos se desenvolvem através de um processo histórico muito complexo, mas que tem como eixo fundamental o poder do latifúndio, especialmente o latifúndio na sua forma tradicional e arcaica, como o do Nordeste e Norte do País.

Sem levarmos em consideração a fase do Brasil Colônia, podemos ver na estrutura do Estado altamente centralizada do Império - com um imperador, um Senado vitalício e um Conselho de Estado também vitalício - a origem da formação das oligarquias como uma forma de distribuiçao do poder entre aqueles que representavam as classes sociais dominantes.

Protegidos pelo governo central, surgem os grupos e famílias que se faziam representar no poder, e que selecionavam os quadros políticos que poderiam ou deveriam representá-los na estrutura do Estado. Assim, abria-se a perspectiva para que esses grupos e seus representantes usassem métodos considerados válidos, alijando os seus adversários dos postos de liderança.

As oligarquias significavam a violência no poder. A violência eleitoral, como a instituição do voto em aberto que permitia a existência de fraude como norma; a violência política, através da perseguição dos grupos de oposição; e a violência física, o terrorismo puro e simples, através do assassínio de pessoas ou mesmo de famílias que eram eliminadas sem que os órgãos da Justiça procurassem apurar as causas e punir os criminosos.

O escritor Abguar Bastos afirma que "os destacamentos, os juízes e os fiscais subordinam-se aos 'coronéis', que passam a exercer, ostensivamente, o poder político regional e a formar a rede dos potentados latifundiários que afunilava aquele poder na direção dos centros urbanos".

Com o fim do Império, o voto transforma-se numa "mercadoria" política que o "coronel" negocia em troca de sua impunidade. A política transforma-se, portanto, em um exercício do poder através de votos de "cabresto".

O presidente Campos Sales (1898-1902) contemporiza através daquilo que se chamou "política dos governadores". Ou seja, uma política estabelecida de cima para baixo sem a participação popular.

Hermes da Fonseca (1910-1914) foi o primeiro presidente a se insurgir contra o poder oligárquico a esta altura urbanizado, em face do processo de desenvolvimento da sociedade brasileira. As oligarquias já urbanizadas tinham, porém, a sua raiz de poder na posse da terra. Por isso, a presença do jagunço era indispensável para que o "coronel" oligárquico mantivesse o seu poder. Um exemplo de violência foi a eleição do general Dantas Barreto, em 1911, para enfrentar a oligarquia pernambucana liderada pelo conselheiro Rosa e Silva, cabeça da oligarquia rosista. Tendo sido indicado e apoiado pelo presidente Hermes da Fonseca ao governo de Pernambuco, Dantas Barreto enfrenta uma reação violenta da oligarquia.

As escaramuças se sucedem durante os comícios. Os membros da oligarquia, assim como os seus adversários, andavam armados nos comícios e faziam constantemente o uso das suas armas. Segundo um cronista da época, "era uma situação de terror". Tiroteios eram comuns nas praças. Em um deles, em 19 de setembro, houve agressões, de lado a lado, saindo feridos vários políticos. Noutro, cinco dias depois, a 24 de setembro, foi assassinado o soldado João de Santana por se negar a dar um viva ao conselheiro Rosa e Silva. No ato de recolhimento do corpo da vítima, novos tiros foram dados e o comércio fechou as portas.

Verdadeira guerra contra os rosistas de Pernambuco

Por outro lado, havia um princípio de mobilização popular contra o poder oligárquico rosista. Foi criado um batalhão chamado "34 descalço", compostos exclusivamente de gazeteiros (vendedores de jornais), que lutou várias vezes em praça pública com a polícia da oligarquia.

Em um comício foi ferido o próprio chefe de polícia, Ulisses Costa. Estabeleceu-se um conflito entre os efetivos do Exército, que garantiam a candidatura de Dantas Barreto, e os elementos da polícia, que eram rosistas. Várias pessoas morrem vítimas da violência durante a campanha, entre elas o capitão José Lemos e Libânia Machado. Outros foram espancados, como o médico Gouveia de Barros. O povo invade o 2. Batalhão de Polícia, destruindo-o parcilamente. São levantadas trincheiras nas ruas. Em outros comícios há mortes e ferimentos. Finalmente, após as eleições, com a vitória de Dantas Barreto, o povo cantava: "O pau rolou, caiu,/Rosa desceu,/ Dantas subiu."

Hermes da Fonseca combate outras oligarquias. Ficaram famosas as intervenções no Pará, contra os Lemos; no Ceará, contra os Acciolys; em Alagoas, contra os Malta; na Bahia, quando o ministro da Justiça J.J. Seabra ordenou o bombardeio da cidade de Salvador; no Rio de Janeiro, primeiro a favor, depois contra Nilo Peçanha.

A década de 20 é o momento de crise do poder oligárquico, o qual não se desarticula, no entanto. Os dois 5 de julho (em 1922, o episódio conhecido como os 18 do Forte de Copacabana; em 1924, a revolta tenentista, sob o comando do general Isidoro Dias Lopes, em São Paulo) e a marcha da Coluna prestes alertam as populações do interior, criando um ambiente favorável à Aliança Liberal (1929-1930).

A própria Coluna Prestes e os seus membros não tomam consciência da origem social do poder oligárquico. Politicamente, os seus membros queriam destruir as velhas oligarquias que dominavam os mecanismos de poder do País e impunham as suas normas de conduta a todos os segmentos oprimidos da sociedade. Utopicamente, no entanto, achavam que, com simples reformas no corpo político, conservando-se, basicamente, a mesma estrutura social, o Brasil poderia democratizar-se.

Numa carta dos chefes da Coluna ao deputado Batista Luzardo, que os defendia na Câmara dos Deputados, eles afirmavam que, "como limite mínimo de nossas aspirações liberais, incluímos a revogação da lei de imprensa e a adoção do voto secreto. Com tais medidas, uma natural anistia e a impresncindível suspensão do estado de sítio, talvez seja possível ao governo trazer ao Brasil a paz e a tranqüilidade de que tanto necessita."

A ideologia pequeno-burguesa e reformista da Coluna Prestes, segundo o historiador Nelson Werneck Sodré, não podia ir muito longe politicamente. O próprio Lourenço Moreira Lima, secretário oficial da Coluna, limitou-se a queimar documentos de cartórios, sem fazer, porém, conexão política mais relevante e lúcida entre as injustiças cometidas pelos donos de terras e o poder das oligarquias. Por isso, os latifundiários (base social do poder oligárquico) temiam a Coluna Prestes por aquilo que ela poderia ter feito. Não pelo que ela fez.

Mas o movimento da Coluna Prestes faz revelar uma diferenciação profunda entre o ideal desse grupo e o da Aliança Liberal em relação às oligarquias, fato que leva o próprio Luís Carlos Prestes a não apoiar a revolução de 30. A relação dos adeptos da Aliança Liberal revela um número reduzido de aliancistas em todo o Norte e Nordeste - segundo depoimentos do historiador Hélio Silva - à exceção da Paraíba, onde os oligarcas e os "coronéis" acompanharam o governo local, do presidente João Pessoa, candidato à vice-presidência da República na chapa de Getúlio Vargas. Assim mesmo, houve uma forte reação do chefe sertanejo José Pereira, conhecida como o levante da Princesa, em fevereiro de 1930.

Vitoriosa a revolução de 30, o governo Provisório de Getúlio Vargas nomeou os "tenentes" para as interventorias do Norte do País. Juarez Távora ficou conhecido como "vice-rei". João Alberto Lins de Barros foi nomeado delegado militar e depois interventor em São Paulo. Após um início conflituoso, os tenentes interventores - sem base social para se manterem no poder - aliaram-se aos "coronéis". Assim, em 1934, vários interventores foram eleitos para o governo constitucional mediante coligações nas Assembléias Legislativas, com raras exceções, como no Rio Grande do Norte.

Em 1945, um fato político-militar vem refazer as relações e a correlação das forças políticas internas no Brasil: a vitória dos aliados contra a Alemanha nazista, o fascismo italiano e o militarismo japonês.

O governo autoritário de Getúlio Vargas, imposto em 1937 através de um golpe, entra em crise. Vargas trata de terminar como Estado Novo e o regime autoritário, providenciando a legislação eleitoral e a formação dos partidos políticos que disputarão a Assembléia Constituinte, em 1946.

Forma-se, então, o PSD (Partido Social Democrático), agrupando setores que apoiavam o governo. Segundo Hélio Silva, "é o partido no poder para sustentar o poder."

As oposições agrupam-se inicialmente em torno de um nome que tinha uma legenda revolucionária, vinda do episódio dos 18 do Forte de Copacabana: Eduardo Gomes. Esse movimento oposicionista que depois se irá diversificando, com mudanças na sua estrutura, terminará na organização da UDN (União Democrática Naciona). Dizendo-se democrática, conspira para o golpe militar que terminará com a destituição de Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945. A partir daí, as oligarquias regionais têm posições diferentes: algumas apóiam a UDN; a maioria ingressa no PSD, que representa o latifúndio tradicional. Iso fez com que a UDN iniciasse um atividade política nitidamente golpista a partir de então.

Após o golpe militar de 1964, as oligarquias regionais são colocadas em quarentena, pois não havia necessidade de seu prestígio para eleger o presidente ou os governadores através do voto. Mas, com a evolução dos acontecimentos, o Regime Militar reativa essas oligarquias, dando a elas novos níveis de prestígio, a fim de manter uma aparência de democracia nos moldes da "velha República".

Com o Colégio, oligarquias readquirem importância

A formação do Colégio Eleitoral, que em janeiro de 1985 está encarregado de escolher o presidente da República, em parte baseia-se nas oligarquias mantidas e utilizadas pelos governadores nomeados até 1982. Reedita assim o "voto de cabresto" e os oligarcas readquirem o seu antigo prestígio. Não é por acaso que, nas eleições presidenciais indiretas para a sucessão do general Figueiredo, a oligarquia baiana da família Viana apoie o candidato do regime, Paulo Maluf. Rearticulam-se os mecanismos de dominação e a violência volta a ser uma sistemática de dominação.

Com a reelaboração pelo Regime Militar do esquema eleitoral, os métodos dos terroristas das oligarquias passam a funcionar de novo porque elas passam, também, a ter importância política no processo eleitoral. Assim, a fraude, a intimidação e especialmente a corrupção passam a ser cabos eleitorais do regime. Em face disso, foi criado um Colégio Eleitoral fraudulento, no qual cada um dos seus membros, em 15 de janeiro de 1985, vota por 122.796 eleitores que não podem votar.

Com isso se refuncionalizam as oligarquias, a democracia brasileira retrocede até à época do Poder Moderador e o povo paga politicamente por este retrocesso histórico sem precedentes.

Em 1984, o problema da terra no Brasil continuava intocado. Apesar da diversificação havida na composição da população brasileira na relação cidade-campo, tendo aumentado a população urbana e diminuído percentualmente a camponesa, o problema do campo brasileiro continuava sem solução. COm isso mantinham-se intocáveis as oligarquias autoritárias que ao longo da nossa história, mas especialmente depois de 1964, oprimem a massa camponesa.

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