Extrema direita no Brasil - À espera do pior
Antônio Carlos Fon - Retratos do Brasil, Ed. Política, 1984, Vol. II, p. 453-454
Nos anos 80, a extrema direita, sem apoio oficial, debatia-se em busca de fórmulas para voltar ao poder, do qual fora afastada, segundo seus militantes, em 1974.
"Em 1964, a direita ganhou, mas não levou, chegou ao poder em 1968 e foi afastada em 1974", garantia, em 1984, o "Panzer", nome de guerra dado por seus companheiros devido a sua profissão de fé nazista. Fundador e principal dirigente nacional do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), o "Panzer"- um advogado de 44 anos, 1,90 m de altura, ex-campeão paulista de judô, ex-assessor da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, ex-chefe de Gabinete do então ministro da Justiça, Luís Antônio Gama e Silva -, nos anos 80 um modesto microempresário, confessava-se decepcionado com a extrema direita, que ele preferia chamar de "direita ideológica", para diferenciar do que considerava "direita de traseiro lustroso: o empresário que fica lustrando o fundo das calças numa poltrona e se diz de direita para se beneficiar do dinheiro do governo".
"Panzer" tinha, certamente, motivos para estar decepcionado. Afinal, em 20 anos de poder, a ultradireita não teve competência política para transformar-se na força hegemônica no País, mesmo num período de mínima abertura. Ao contrário, chegava ao final de 1984 ainda mais fracionada e enfraquecida por suas divergências que seus arquiinimigos da esquerda. Eram cerca de 50 grupos, a maioria com apenas quatro ou cinco militantes, que tentavam, desde 1982, acertar uma estratégia comum de atuação, que ficou conhecida nos círculos direitistas como "Pacto Nacional".
Superada a luta interna entre "bombistas" - os terroristas da Falange Pátria Nova, a maioria encastelada nos órgãos de segurança - e "moderados", a direita procurava estabelecer um plano de trabalho para os próximos anos. No campo interno, as prioridades eram a formação de novos quadros e a construção de uma infra-estrutura logística; no externo, a constituição de um parido e a "ação política de massas".
Para a formação de quadros, a extrema direita investia, nos anos 80, na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, cujo controle assumira no início da década, através de uma manobra conduzida pelo advogado Carlo Barbieri, exepresidente da WACL (World Anti Communista League), movimento anticomunista internacional financiado pelo governo de Formosa, a China Nacionalista. A questão da formação ideológica dos militantes era considerada pelos dirigentes da ultradireita como um de seus principais problemas. A verdade, no entanto, é que os ultradireitistas haviam envelhecido quase tanto quanto suas idéias.
Apesar de ter nas Forças Armadas uma de suas três fontes básicas de recrutamento, do ponto de vista ideológico seus líderes não confiavam então nos militares brasileiros, por considerá-los excessivamente simpáticos aos Estados Unidos. E o movimento estudantil e a Igreja já não produziam quadros em quantidades e da mesma qualidade de antes. Assim, segundo estimativa de um líder ultradireitista, restariam no Brasil menos de cinco mil militantes com suficiente "consistência ideológica": 1800 sexagenários cadastrados pela antiga Ação Integralista Brasileira, dois mil militantes da Sociedade de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) - desprezados pelos outros ativistas por seu fanatismo religioso - e cerca de 500 militantes dos grupos paramilitares.
Se esse pequeno contingente facilitava a tarefa de construção da infraestrutura logística - uma rede de microempresas capaz de garantir-lhes a auto-suficiência econômica -, ele era, também, o principal empecilho para o cumprimento das duas metas do campo externo: a formação de um partido e o trabalho de massas. Sem condições de constituir sua própria legenda, os ultradireitistas participaram das eleições de 1982 infiltrando-se no Partido Trabalhista Brasileiro, que atraiu suas simpatias devido à presença do ex-presidente Jânio Quadros. Em 1984, as preferências eram dirigidas à Frente Liberal, que se movimentava para formar um partido.
A falta de quadros havia adiado, também, o principal objetivo da extrema direita em seu "trabalho de massas": a criação de uma "CNBB de direita" que, segundo o administrador de empresas Ney Mohn, ex-agente do CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) e do SNI (Serviço Nacional de Informações), deveria chamar-se Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, para impedir a entrada dos Bispos não nascidos no Brasil, que eram, em sua opinião, os principais divulgadores no País da chamada Teologia da Libertação.
Sem forças suficientes para sair às ruas de mãos desarmadas, a ultradireita apostava na tese do "quanto pior, melhor", desenvolvida pelo estudante profissional Alexandre Inojosa, um dos principais articuladores políticos da extrema direita brasileira na década de 80. Somente essa tese poderia dar sentido a certos fatos relatados pelos direitistas e que de outra forma seriam inexplicáveis. Eles diziam, por exemplo, que mobilizaram agentes do SNI, entre eles Ney Mohn - líder, também, do grupo Vanguarda Nacionalista Popular -, para ajudar a direção do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), organização de esquerda, na divulgação de uma nota oficial em Brasília; e dar proteção a grupos de pichadores do Partido Comunista do Brasil. A tese explicaria, ainda, a colagem de cartazes falsos do Partido Comunista Brasileiro por agentes do SNI, dando apoio a Tancredo Neves.
O argumento de Inojosa era de que a extrema direita só cresce e se organiza diante do aumento da ameaça esquerdista, tese de certa forma confirmada pelo Coronel Antônio Erasmo Dias, ex-secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo. "A direita é basicamente conservadora", explicava o coronel, "ela não age, só reage". E, com uma ameaça esquerdista nas mãos, os militantes da extrema direita poderiam, então, voltar a bater aos portões dos quartéis. Afinal, como os "direitistas de traseiro lustroso" - que odeiam -, eles também só conseguem sobreviver apenas com o apoio oficial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário