quinta-feira, 15 de outubro de 2009

LA REVANCHE DE DIEU
Obra: O Choque de civilizações e a recomposição da Ordem Mundial
Autor: Samuel P. Huntington

Na primeira metade do seculo XX, as elites intelectuais pressupunham, de forma geral, que a modernizacao economica e social estava levando ao fenecimento da religiao como elemento importante da existência humana.

Essa pressuposicao era partilhada pelos que viam essa tendência com agrado e pelos que a deploravam. Os secularistas modernizadores aplaudiam o grau com que a ciência, o racionalismo e o pragmatismo estavam eliminando as supersticões, os mitos, as irracionalidades e os rituals que constituíam o cerne das religiões existentes. A sociedade que estava emergindo iria ser tolerante, racional, pragmática, progressista, humanistíca e secular.

Os conservadores preocupados, por seu lado, alertavam sobre as graves consequências do desaparecimento das crenças religiosas, das instituicões religiosas e da orientação moral que a religião dava para o comportamento humano individual e coletivo. O resultado final seria a anarquia, a depravacão e o solapamento da vida civilizada. T. S. Elliot disse: "Se voce não quiser ter Deus (e Ele é um Deus ciumento); você tera de render homenagens a Hitler ou a Stalin."

A segunda metade do século XX provou que essas esperanças e esses receios não tinham fundamento. A modernização econômica e social assumiu uma amplitude global e, ao mesmo tempo, produziu-se uma revitalização global da religião. Essa revitalização, que Gilles Kepel chamou de la revanche de Dieu, espalhou-se por todos os continentes, todas as civilizações e praticamente todos os países. Em meados da década de 70, como observa Kepel, a tendência à secularização e a um direcionamento rumo à acomodação da religião com o secularismo "passou a andar de marcha à ré.

Formou-se um novo enfoque religioso, que visava não mais a se adaptar aoss valores seculares, mas sim a recompor alicerces sagrados para a organização da sociedade - mudando ela própria se fosse preciso. Expresso numa variedade de formas, esse enfoque advogava o afastamento de um modernismo que tinha fracassado, atribuindo seus reveses e becos sem saída ao distanciamento de Deus. O tema não era mais o aggiornamento, mas sim uma "segunda evangelização da Europa", a meta não era mais modernizar o Islã, mas sim "islamizar a modernidade.""

Essa revitalização religiosa envolveu em parte a expansão de algumas religiões, que conquistaram novos recrutas em sociedades nas quais não os tinham tido anteriormente. Entretanto, num grau muito maior, o ressurgimento religioso redundou em que as pessoas voltassem para as religiões tradicionais de suas comunidades, revigorando e dando novo significado a essas mesmas religiões. O Cristianismo, o Islamismo, o Judaísmo, o Hinduísmo, o Budismo, a Ortodoxia, todos tiveram novos surtos de engajamento, de relevância e de prática por fiéis que, até então, eram apenas praticantes ocasionais.

Em todas essas religiões, surgiram movimentos fundamentalistas dedicados à purificação militante das doutrinas e das instituições religiosas, bem como à reformulação do comportamento pessoal, social e governamental de acordo com os preceitos religiosos. Os movimentos fundamentalistas são espetaculares e podem ter um impacto político significativo. Não obstante, eles são apenas ondas da maré religiosa, muito mais ampla e mais fundamental, que está dando um formato diferente à vida humana no final do século XX.

A renovação da religião pelo mundo afora transcende em muito as atividades dos extremistas fundamentalistas. Ela se manifesta, em todas as sociedades, na vida e no trabalho quotidiano das pessoas e nas preocupações e projetos dos governos. O ressurgimento cultural, que na cultura secular confunciana assume a forma da afirmação dos valores religiosos. Como observou George Weigel, a "dessecularização do mundo é um dos fatores sociais preponderantes na parte final do século XX."

A ubiquidade e relevância da religião ficaram evidenciadas de forma impressionante nos ex-Estados comunistas. Esses países, da Albânia ao Vietnã, foram varridos por uma revitalização religiosa, que preencheu o vácuo deixado pelo desmoronamento da ideologia. Na Rússia, a Ortodoxia passou por um grande ressurgimento. Em 1994, 30 por cento dos russos com menos de 25 anos de idade disseram que tinham passado do ateísmo para a fé em Deus. O número de igrejas em funcionamento na área de Moscou aumentou de 50 em 1988 para 250 em 1993.

Os líderes políticos passaram, de modo uniforme, a demonstrar respeito pela religião, e o governo passou a dar-lhe apoio. Como um observador arguto relatou em 1993, nas cidades russas "o som dos sinos das igrejas voltou a encher o ar. Cúpulas recém-pintadas de dourado brilham sob a luz do sol. Igrejas que até há pouco temo estavam em ruínas voltam a reverberar com cânticos magníficos. As igrejas são os locais mais movimentados da cidade."

Simultaneamente com a revitalização da Ortodoxia nas repúblicas eslavas, uma revitalização islâmica varreu a Ásia Central. Em 1989, havia na Ásia central 160 mesquitas e um medressah (seminário islâmico); ao começar o ano de 1993, havia cerca de 10 mil mesquitas e 10 medressahs.

Embora essa revitalização envolvesse alguns movimentos políticos fundamentalistas e se fosse estimulada de fora pela Arábia Saudita, Irã e Paquistão, ela consistiu essencialmente de um movimento cultural de maiorias, com uma base extremamente ampla.

Como se pode explicar esse ressurgimento religiosos mundial ? Obviamente, houve causas especiais em países e civilizações considerados individualmente. Entretanto, é esperar demais achar que um número elevado de causas diferentes tivesse produzido desdobramentos simultâneos e análogos na maioria das partes do mundo. Um fenômeno global exige uma explicação global. Por mais que os acontecimentos em países determinados possam ter sido influenciados por fatores únicos, deve ter havido algumas causas gerais. Quais foram elas ?

A causa mais óbvia, mais visível e mais poderosa do ressurgimento religioso global é precisamente aquilo que deveria ter causado a morte da religião: os processos de modernização social, econômica e cultural que cobriram o mundo na segunda metade do século XX. Antigas fontes de identidade e antigos sistemas de autoridade foram destroçados. As pessoas se transferiram do campo para a cidade, ficaram separadas de suas raízes e assumiram novos empregos ou ficaram desempregadas.

Elas interagiram com grande número de estranhos e ficaram expostas a novos conjuntos de relacionamentos. Precisaram de novas fontes de identidade, novas formas de comunidade estável e novos conjuntos de preceitos morais para dar-lhes alguma sensação de relevância e de propósitos. A religião, tanto a da corrente principal como a fundamentalista, atende a essas necessidades.

Como explicou Lee Kuan Yew referindo-se à Ásia Central:

"Nós somos sociedades agrícolas que se industrializaram no espaço de uma ou duas gerações. O que aconteceu no Ocidente no curso de 200 anos ou mais, está acontecendo aqui em cerca de 50 anos ou menos. Está tudo apertado e comprimido numa moldura cronológica muito estreita, de modo que se tenderá a ter perturbações e disfunções. Quando se olha para os países que estão crescendo rapidamente - Coréia, Tailândia, Hong Kong e SIngapura -, constata-se que houve um único fenômeno notável: a ascensão da religião. (...) Os antigos costumes e religiões - adoração dos antepassados, xamanismo - já não satisfazem completamente. Há uma busca por certas explicações mais elevadas sobre os propósitos do Homem, sobre por que estamos aqui. Isso está ligado a períodos de grande tensão na sociedade."

As pessoas não vivem apenas em função da razão. Elas não podem fazer cálculos e agir de forma racional na busca de seus próprios interesses até que definam suas próprias personalidades. A política de interesses pressupõe a identidade. Em épocas de mudanças sociais rápidas, as identidades estabelecidas se desfazem, a personalidade precisa ser redefinida e novas identidades precisam ser criadas. As questões de identidade têm precedência sobre questões de interesse. As pessoas se defrontam com a necessidade de determinar: quem sou eu? Onde me encaixo?

A religião fornece respostas atraentes e os grupos religiosos oferecem pequenas comunidades sociais para substituir as que se perderam em função da urbanização. Hassan Al-Turabi comentou que todas as religiões dão "às pessoas uma sensação de identidade e de rumo na vida". Nesse processo, elas também redescobrem ou criam novas identidades históricas. Quaisquer que sejam as metas universalistas que possam ter as pessoas, as religiões lhes dão uma identidade ao estabelecer uma distinção básica entre crentes e não-crentes, entre um grupo "de dentro", superior, e um grupo "de fora", diferente e inferior.

Bernard Lewis sustenta que, no mundo muçulmno, tem havido, "em períodos de emergência, uma repetida tendência entre os muçulmanos de encontrar sua identidade e lealdade básicas na comunidade religiosa - ou seja, numa entidade definida mais pelo Islamismo do que por critérios técnicos ou territoriais". Gilles Kepel ressalta, de modo análogo, a centralidade da busca de uma identidade: "A reislamização de baixo para cima é, antes de mais nada, um meio de reconstruir uma identidade num mundo que perdeu seu sentido e se tornou amorfo e alienante."

Na Índia, "uma nova identidade hindu está sendo construída" em resposta às tensões e alienações geradas pela modernização. Na Rússia, a revitalização religiosa é o resultado de "um desejo apaixonado por uma identidade que somente a Igreja Ortodoxa, o único vínculo ininterrupto com o passado de mil anos dos russos, é capaz de proporcionar", enquanto que, nas repúblicas islâmicas, a revitalização provém "da mais forte aspiração dos centros-asiáticos: a afirmação de suas identidades, suprimidas por Moscou durante décadas".

Os movimentos fundamentalistas, em especial, são "uma maneira de lidar com a experiência do caos, da perda de identidade, de sentido e de estruturas sociais seguras, criadas pela introdução rápida de políticas e padrões sociais modernos, secularismo, cultura científica e desenvolvimento econômico". William H. McNeill concorda com que "os movimentos fundamentalistas que têm importância (...) são aqueles que fazem seu recrutamento na sociedade em geral e que se espalham porque respondem, ou parecem responder, às necessidades humanas recém-percebidas. (...) Não é por acaso que esses movimentos estão todos baseados em países nos quais a pressão populacional sobre a terra está tornando impossível para a maioria da população manter a contnuidade dos antigos hábitos das cidadezinhas, e nos quais os meios de comunicação de massa, ao penetrar nas cidadezinhas, começaram a corroer uma estrutura muito antiga da vida do campo".

De modo mais amplo, o ressurgimento religioso em todo o mundo é uma reação contra o secularismo, o relativismo moral e a auto-indulgência, bem como uma reafirmação dos valores de ordem, disciplina, trabalho, auxílio mútuo e solidariedade humana. Os grupos religiosos satisfazem necessidades sociais deixadas carentes pelas burocracias do Estado. Dentre elas se incluem a prestação de serviços médico-hospitalares, jardins de infância e escolas, assistência aos idosos, socorro imediato em terremotos e outras catástrofes e assistência social durante períodos de privação econômica. O colapso da ordem e da sociedade civil cria vácuos que são às vezes preenchidos por grupos religiosos, frequentemente fundamentalistas.

Quando as religiões tradicionalmente dominantes não satisfazem as necessidades emocionais e sociais dos desarraigados, outros grupos religiosos se apresentam para fazê-lo e, nesse processo, aumentam muito a quantidade de seguidores e a proeminência da religião na vida social e política. A Coréia do Sul foi, historicamente, um país predominantemente budista, com os cristãos totalizando, em 1950, talve de um a três por cento da população. à medida que a Coréia do Sul deslanchou num desenvolvimento econômico acelerado, com uma urbanização maciça e grande diferenciação ocupacional, o Budismo passou a deixar a desejar.

"Para os milhões de pessoas que se despejaram nas cidades e para muitas que permaneceram onde estavam, na zona rural alterada, o Budismo quiescente do período agrário coreano perdeu sua capacidade de atração. O Cristianismo, com sua mensagem de salvação pessoal e destino individual, oferecia maior conforto e segurança numa época de confusão e mudanças." Ao se chegar aos anos 80, os cristãos, na sua maioria presbiterianos e católicos, constituíam pelo menos 30 por cento da população sul-coreana.

Uma alteração semelhante e paralela ocorreu na América Latina. O número de protestantes na América Latina aumentou de aproximadamente sete milhões em 1960 para cerca de 50 milhões em 1990. Os bispos católicos latino-americanos reconheceram em 1989 que, dentre as razões para tal êxito estavam a "lentidão com que (a Igreja Católica) está se adaptando às tecnicalidades da vida urbana" e "sua estrutura, que às vezes a torna incapaz de responder às necessidades psicológicas das pessoas dos dias atuais".

Um sacerdote brasileiro observou que, ao contrário da Igreja Católica, as igrejas protestantes atendem "às necessidades básicas da pessoa - calor humano, cura espiritual, uma profunda experiência espiritual". A disseminação do Protestantismo no meio dos pobres na América Latina não consiste, basicamente, na substituição de uma religião por outra, mas sim num aumento líquido importante de engajamento e participção religiosos à medida que católicos passivos, católicos só no nome, se tornam evangélicos ativos e fervorosos.

Assim, por exemplo, no Brasil, no início dos anos 90, vinte por cento da população se identificavam como protestantes e 73 por cento como católicos. No entanto, aos domingos, 20 milhões de pessoas estavam em igrejas protestantes e cerca de 12 milhões estavam em igrejas católicas. Tal como as demais religiões mundiais, o Cristianismo está passando por um ressurgimento ligado à modernização e, na América Latina, ele assumiu mais a feição protestante do que a católica.

Essas mudanças na Coréia do Sul e na América Latina refletem a incapacidade do Budismo e do Catolicismo tradicionais de atender às necessidades psicológicas, emocionais e sociais das pessoas colhidas pelos traumas da modernização. Se vão ocorrer em outros lugares alterações importantes em termos de observância religiosa, isso dependerá do grau com que a religião predominante seja capaz de satisfazer a essas necessidades.

Dada sua aridez emocional, o Confucionismo poderia ser especialmente vulnerável. Nos países confucianos, o Protestantismo e o Catolicismo poderiam exercer uma atração semelhante à que tem o Protestantismo evangélico para os latino-americanos, o Cristianismo para os sul-coreanos e o fundamentalismo para os muçulmanos e hindus. Na China, no final dos anos 80, enquanto o crescimento econômico estava a pleno vapor, o Cristianismo também se espalhou, "especialmente entre os jovens". Talvez 50 milhões de chineses sejam cristãos. O governo tentou impedir que esse número crescesse, pondo na prisão pastores, missionários e evangelizadores, proibindo e reprimindo cerimônias e atividades religiosas, e aprovando, em 1994, uma lei que proíbe os estrangeiros de fazerem proselitismo ou de criarem escolas religiosas ou outras organizações religiosas, e proíbe que grupos religiosos se dediquem a atividades independentes ou financiadas do exterior.

Em Singapura, como na China, cerca de cinco por cento da população são cristãos. No final da década de 80 e no início da de 90, ministros do governo singapuriano advertiram os evangelizadores para que não perturbassem "o delicado equilíbrio religioso" do país, detiveram ativistas religiosos, inclusive funcionários de organizações católicas, e hostilizaram de diversas maneiras grupos e indivíduos cristãos.

Com o término da Guerra Fria e as aberturas que se seguiram, as igrejas ocidentais também ingressaram nas ex-repúblicas soviéticas ortodoxas, competindo com as igrejas ortodoxas revitalizadas. Nesses lugares, tal como na China, também foi feita uma tentativa de se cercear seu proselitismo. Em 1993, por insistência da Igreja Ortodoxa, o Parlamento russo aprovou legislação que exige que grupos religiosos estrangeiros sejam credenciados pelo Estado ou se filiem a uma organização religiosa russa a fim de poderem se dedicar a atividades missionáriaas ou de ensino.

Entretanto, o presidente Yeltsin recusou-se a sancionar o projeto, que assim não se transformou em lei. De forma geral, constata-se que, sempre que houve um conflito, la revanche de Dieu ganhou da indigenização: caso as necessidades religiosas da modernização não possam ser satisfeitas por suas crenças tradicionais, as pessoas se voltam para importações religiosas que proporcionem satisfação emocional.

Além dos traumas psicológicos, emocionais e sociais da modernização, dentre outros fatores que estimulam a revitalização religiosa encontram-se o recuo do Ocidente e o fim da Guerra Fria. A partir do século XIX, de forma geral, as reações das civilizações não-ocidentais ao Ocidente foram passando por uma série de ideologias importadas do Ocidente. No século XIX, as elites não-ocidentais absorveram os valores liberais ocidentais, e suas primeiras manifestações de oposição ao Ocidente assumiram a forma de nacionalismo liberal.

No século XX, o socialismo e o marxismo foram importados, adaptados às condições e finalidades locais e combinados com o nacionalismo em oposição ao imperialismo ocidental. Na Rússia, na China e no Vietnã, o marxismo-leninismo foi desenvolvido, adaptado e utilizado para desafiar o Ocidente. O colapso do comunismo na União Soviética, sua profunda modificação na China e o fracasso das economias socialistas que não conseguiram atingir um desenvolvimento sustentado criaram o atual vácuo ideológico.

Governos ocidentais, grupos e instituições internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, tentaram preencher esse vácuo com as doutrinas da economia neo-ortodoxa e da política democrática. É incerto o grau em que essas doutrinas produzirão um impacto duradouro nas culturas não-ocidentais. Enquanto isso, porém, as pessoas vêem o comunismo como apenas o mais recente deus secular que fracassou e, na ausência de novas divindades seculares atraentes, voltam-se com alívio e paixão para o que é religião de verdade. A religião toma o lugar da ideologia e o nacionalismo religioso substitui o nacionalismo secular.

Os movimentos de revitalização religiosa são anti-seculares, anti-universais e, com exceção de suas manifestações cristãs, antiocidentais. Além disso, se opõem ao relativismo, ao egoísmo e ao consumismo, associados com o que Bruce B. Lawrence denominou de "modernismo" em contraste com "modernidade".

De forma geral, eles não rejeitam a urbanização, a industrialização, o desenvolvimento, o capitalismo, a ciência e a tecnologia, e o que isso implica para a organização da sociedade. Nesse sentido, eles não são antimodernos.

Como observa Lee Kuan Yew, eles aceitam a modernização e a "inevitabilidade da ciência e da tecnologia e as mudanças que elas trazem para os estilos de vida", porém não são "receptivos à idéia de serem ocidentalizados". Al-Turabi sustenta que nem o nacionalismo nem o socialismo produziram desenvolvimento no mundo islâmico. Entretanto, "a religião é o motor do desenvolvimento", e um Islã purificado desempenhará, na idade contemporânea, um papel comparável ao da ética protestante na História do Ocidente. Tampouco a religião é incompatível com o desenvolvimento de um Estado moderno.

Os movimentos fundamentalistas islâmicos têm se mostrado vigorosos nas sociedades muçulmanas mais avançadas e aparentemente mais seculares, como Argélia, Irã, Egito, Líbano e Tunísia. Os movimentos religiosos, inclusive os que são particularmente fundamentalistas, são altamente competentes na utilização das comunicações e técnicas organizações modernas para difundir sua mensagem, o que é ilustrado de modo muito espetacular pelo êxito do televangelismo protestante na América Central.

Os participantes do ressurgimento religioso provêm de todos os niveis sociais, porém, de forma majoritária, vêm de duas clientelas, ambas urbanas e móveis. Os que migraram há pouco tempo para as cidades geralmente necessitam de apoio e orientação emocional, social e material, que os grupos religiosos têm mais condições de proporcionar do que qualquer outra fonte.

Como diz Régis Debray, para eles a religião não é "o ópo do povo, mas sim a vitamina dos fracos". A outra clientela principal é a nova classe média, que personifica o "fenômeno da indigenização da segunda geração" de que fala Dore. Como Kepel assinala, os ativistas dos grupos fundamentalistas islâmicos não são "conservadores idosos nem camponeses analfabetos". Eles são predominantemente jovens, com bom nível de instrução, frequentemente da primeira geração de suas famílias a cursar universidades ou escola técnica, e trabalham como médicos, advogados, enegenheiros, técnicos, cientistas, professores, funcionários públicos e militares.

Entre os muçulmanos, os jovens são religiosos e seus pais seculares. Muito disso acontece com o Hinduísmo, no qual os líderes de movimentos de revitalização também provêm da segunda geração indigenizada e frequentemente são "homens de negócios e administradores bem-sucedidos", rotulados pela imprensa indiana como "scuppies" - Yuppies com mantos cor de laranja.

No início dos anos 90, os que apoiavam esses movimentos eram, cada vez mais, "hindus da sólida classe média indiana - comerciantes e contadores, advogados e engenheiros" - e "funcionários públicos, intelectuais e jornalistas experientes". Na Coréia do Sul, os mesmos tipos de pessoas encheram progressivamente as igrejas católicas e presbiterians durante os anos 60 e 70.

A religião, autóctone ou importada, proporciona os meios e o rumo para as elites emergentes nas sociedades que se estão modernizando. Ronald Dore observou que "a atribuição de valor a uma religião tradicional é uma reivindicação de paridade de respeito afirmada contra outras nações dominantes e, muitas vezes" de modo simultâneo e mais imediato, contra a classe dominante local, que abraçou os valores e estilos de vida dessas outras nações dominantes".

Willian McNeil observa que, "mais do que nada, a reafirmação do Islã, indpendentemente da forma sectária, representa o repúdio à influência européia e norte-americana sobre a sociedade, a política e a moral locais." Nesse sentido, a revitalização das religiões não-ocidentais. Essa revitalização não é uma rejeição da modernidade, mas sim uma rejeição do Ocidente e da cultura secular, relativista e degenerada, associada com o Ocidente. É uma rejeição do que se denominou a "ocidentalização" das sociedades não-ocidentais. É uma declaração de independência cultural em relação ao Ocidente, uma declaração altiva de que "nós seremos modernos, mas não seremos vocês".

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