Núcleos Fundamentais
In: "O Conceito de "Afinidade Eletiva" na Sociologia da Cultura Jurídica"
Eduardo José da Fonseca Costa
Revista da Faculdade de Direito da USP - 1997- vol. 92 - pág. 439-440
Eduardo José da Fonseca Costa
Revista da Faculdade de Direito da USP - 1997- vol. 92 - pág. 439-440
Para o cientista brasileiro Mário schenberg, centros nervosos do pensamento constituem-se por idéias fundamentais, as quais por serem fundamentais, são dotadas de complexidade, obscuridade, densidade e mistério. Quando se descobre um núcleo fundamental, quase se não encontra a sua linguagem para que faça pleno sentido e seja compreendido no contexto cultural no qual se revela. Desta maneira, ao perceber-se uma idéia fundamental, transcende-se tanto a individualidade como o contexto social no qual se está inserido*.
Segundo Schenberg, o desenvolvimento do núcleo fundamental numa determinada sociedade depende do enquadramento que sofre as estruturas mentais nelas vigentes. Ao adentrar no contexto social transfigurado por seus padrões culturais, o núcleo fundamental acaba também por transfigurar este contexto, uma vez que não se associa à normalidade existente. Assim, quando uma cultura proclama ter dominado um núcleo fundamental, ele sempre acaba escapando-lhe às mãos, apresentando novidades absurdas, que subvertem essa cultura que se intitula como acabada. Aconteceu exatamente assim na Física com as idéias de espaço, tempo, energia, causalidade e continuidade, por exemplo.
Em famosa conferência em que dava um panorama geral da Ciência no fim do século XIX, Lorde Rayleigh afirmava que quase tudo na Física já se havia compreendido, com exceção de três detalhes tão logo explicáveis: a experiência de Michelson e Morley, a irradiação do corpo negro e o efeito fotoelétrico. COntudo, sem importância aparente, nestes detalhes encontravam-se exatamente os germes das teorias da Relatividade e do Quanta.
Vê-se que a Ciência, reputada como simples e formalmente estruturada, exige uma dimensão fundamental onde os pensamentos seguem caminhos diferentes da lógica formal, num processo de ziguezagueante dotado de elevada carga intuitiva e imaginativa. Por vezes, a Ciência progride mesmo quando se volta para uma idéia que já existia antes, sem que, no entanto, se volte do mesmo modo com que ela havia sido formulada anteriormente.
Aquilo que era falso em determinado período, coisa do passado e pensamento primitivo portanto, pode repentinamente reflorescer num novo contexto com intensidade surpreendente. Toda riqueza do passado se recupera e, sendo trabalhada em nível de núcleo fundamental, surge recriada, indicando os novos caminhos científicos.
Nesse nível mais fundamental e menos sistematizado do pensamento, o diálogo entre culturas e tradições aparentemente conflituosas instaura-se com mais intensidade, vez que, pelas suas características não formalmente estruturadas, o núcleo fundamental pode aparecer em distintos contextos históricos. Tal posicionamento, portanto, exige um pensamento a um tempo revolucionário e tradicionalista, que pretende reler o passado e transformar o presente para penetrar no futuro.
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* Sobre o pensamento schenberguiano acerca da História da Ciência, ver José Luiz Goldfarb, Voar também é com os homens: o pensamento de Mário Schenberg, São Paulo, EDUSP, 1994.
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